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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Yoko Ono faz protesto artístico contra guerra: inútil ou transformador?

Yoko Ono em frente à instalação que criou, a Imagine Peace Tower, na Islândia - Reprodução
Yoko Ono em frente à instalação que criou, a Imagine Peace Tower, na Islândia Imagem: Reprodução
Sabrina Abreu

Colaboração para o UOL

06/03/2022 04h00

Na Ilha de Viðey, em Reykjavik, na Islândia, uma torre composta por fachos de luz é acesa em períodos específicos do ano desde 2007. Instalação de arte assinada por Yoko Ono, a Imagine Peace Tower ("torre imagine a paz", em tradução livre) se torna visível no horizonte da capital do país anualmente de 9 de outubro a 8 de dezembro, aniversários de nascimento e de morte de John Lennon, respectivamente, além de em outras datas, como o solstício de inverno, em 21 de dezembro, o primeiro dia do ano-novo, 1º de janeiro, e a primeira semana da primavera, de 20 a 27 de março -0 esta última em homenagem ao casamento e à lua-de-mel de Lennon e Yoko.

Imagine Peace Tower, instalação de luzes criada por Yoko Ono na Islândia - Reprodução - Reprodução
Imagine Peace Tower, instalação de luzes criada por Yoko Ono na Islândia
Imagem: Reprodução

Não estava previsto que a instalação se destacasse no litoral islandês no dia 24 de fevereiro de 2022. Em resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia, a torre foi, excepcionalmente, acesa. Em suas redes sociais, Yoko Ono compartilhou a notícia, acompanhada de palavras de ordem: "Lembre-se, somos todos uma família. Pense paz, aja paz, espalhe paz, imagine paz. Juntos, mudaremos o eixo do mundo para a paz".

Três dias antes da deflagração do conflito, Yoko compartilhou uma imagem com as palavras "give peace a chance" ("dê uma chance à paz") e pediu que seus seguidores as imprimissem e colassem os cartazes em suas janelas. Com o avanço da guerra, que já ultrapassa uma semana, Yoko dividiu sua ação em duas frentes. Por uma, compartilha mensagens de paz em espaços públicos de grandes cidades a cada noite de março. Por outra, colocou à venda impressões do poster "Imagine Peace", no site da galeria Circa, disponíveis até o dia 31 do mês. Todo o lucro será destinado ao Fundo Central de Resposta à Emergências, da ONU (Organização das Nações Unidas).

Seria fácil qualificar uma instalação de arte ou uma série de cartazes contra a brutalidade da guerra como um gesto tão bonito quanto inútil. Mas o fato de sua autora ser uma quase nonagenária militante pela paz força o julgamento a ser mais ponderado.

Yoko Ono - Lucas Jackson/Reuters - Lucas Jackson/Reuters
Yoko Ono
Imagem: Lucas Jackson/Reuters

Nascida em Tóquio em 1933, Yoko tinha 12 anos quando a cidade foi atacada pelos aliados pela última vez, mesmo período do lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial. Esses episódios ajudaram a tornar a guerra (ou melhor, a paz) um dos principais temas de sua carreira. Nos anos 1960, como multiartista, foi uma das figuras fundamentais da contracultura e dos protestos contra a guerra do Vietnã.

Se o rock ajudou a tornar a juventude mais visível para a sociedade, Yoko, por sua vez, ajudou a fazer do ritmo, mais do que mero entretenimento, um canal para demonstrar os anseios e descontentamentos dos jovens — inclusive com a guerra e com a política. Ela cristalizou a angústia de um tempo em sua arte performática e na coautoria de letras de música, a mais famosa delas sendo "Imagine", que recentemente foi entoada por manifestantes contra o presidente russo Vladimir Putin, em capitais como Berlim e Budapeste.

Protesto pacífico contra a guerra do Vietnã feito por John Lennon e Yoko Ono: imagem rodou o mundo - Eric Koch/Anefo/Wikimmedia commons - Eric Koch/Anefo/Wikimmedia commons
Protesto pacífico contra a guerra do Vietnã feito por John Lennon e Yoko Ono: imagem rodou o mundo
Imagem: Eric Koch/Anefo/Wikimmedia commons

A icônica imagem do casal Yoko-John em uma cama de hotel, em 1969, protestando contra a Guerra do Vietnã também pareceu, na época, um gesto bonito e inútil para uns, hipócrita e oportunista para outros. Isso porque a genialidade de Yoko escapava aos menos atentos, enquanto ela coordenava várias revoluções por minuto. Aquela cena marcou o interesse da juventude pela política, a união entre cultura de massa e causa social, a arte contra o ufanismo, a visibilidade de um casal inter-racial e o protagonismo da mulher como militante.

A atitude de Yoko, então e agora, fez dela também um dos grandes nomes do feminismo.

Sua audácia em ser uma mulher que se coloca na esfera pública como pensadora e criadora encarnou um papel bem diferente do que se esperava para a acompanhante do maior rockstar que o mundo já conheceu.

Em 2022, o mundo vê de novo um conflito sangrento em território europeu, e Yoko pede para que pensemos na paz. Ela acende uma luz simbólica e literalmente, em protesto contra a guerra. Não é em vão.

Embora uma instalação de arte ou palavras de ordem impressas em um cartaz não consigam deter um tanque ou um míssil, sua existência relembra que há solidariedade, ousadia e resistência.

Vindo de uma mulher idosa, levando em conta que a maioria das pessoas nessa faixa etária costuma ser menosprezada, significa um pouco mais: talvez, apesar de seus protestos não mudarem o mundo, continuar a protestar signifique que o mundo tampouco foi capaz de mudar Yoko Ono.