Topo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que vou me acorrentar em frente ao STJ nesta quarta-feira

Andréa Werner - Arquivo pessoal
Andréa Werner Imagem: Arquivo pessoal
Andréa Werner

Colaboração para o UOL

23/02/2022 04h00

Há mais de dez anos, meu filho, hoje com 13, foi diagnosticado com autismo. Comecei a escrever em um blog para extravasar meus sentimentos. Minha escrita encontrou outras pessoas com sentimentos semelhantes que foram, aos milhares, compartilhados comigo. Esse contato diário me fez enxergar os abandonos e negligências pelos quais pessoas com deficiência ou doenças graves e suas famílias passam. E isso me levou ao ativismo.

Ser mãe e cuidadora de uma pessoa com deficiência é lidar com recusas de matrícula em escolas, rejeição das pessoas — inclusive outras mães — em espaços públicos e o medo da própria finitude. É ver a triste naturalização do abandono do companheiro, da família, dos amigos. É ouvir do médico que seu filho ou filha precisa de intervenção precoce e intensiva, mas saber que você não vai encontrar isso no Sistema Único de Saúde na rapidez e na intensidade necessárias. E, justamente por isso, vemos mães se desdobrando e juntando centavos para pagar um plano de saúde, na esperança de fornecer aquele mínimo sugerido pelo médico para que aquela criança tenha a chance de uma vida mais autônoma no futuro.

Essas crianças, adolescentes e adultos com deficiências, doenças raras ou crônicas graves estão em risco por causa de uma votação no STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre planos de saúde. Eu e um grupo de mães vamos nos acorrentar em frente ao STJ nesta quarta-feira (23) para mostrar que estamos atentas a este ataque aos direitos dos mais vulneráveis.

Queremos chamar a atenção de usuários de planos, de parlamentares, da mídia e dos ministros que decidirão se o lucro — ou a "mamata" dos convênios — está acima do direito à saúde.

Todo e qualquer usuário de planos de saúde com contratos regidos pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) poderá ser afetado pela decisão dos ministros. A votação tem relação com o chamado rol de procedimentos e eventos em saúde, a lista da ANS com procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatório pelos planos.

  • Veja comentário do médico Gonzalo Vecina Neto sobre decisão do STJ sobre o tema e mais notícias do dia no UOL News com Fabíola Cidral:

Até dezembro de 2019, o STJ considerava o rol da ANS como sendo exemplificativo. Ou seja: se o seu médico te receitar um exame ou procedimento e esse exame não estiver no rol, o entendimento era de que o plano deveria cobrir mesmo assim.

Em 2019, porém, o ministro Luís Filipe Salomão, da 4ª turma do STJ, mudou esse entendimento radicalmente, passando a defender a taxatividade do rol da ANS. O que significa a taxatividade para você: se o exame ou procedimento recomendado por seu médico ou médica não estiver no rol, o plano de saúde não vai ser obrigado a cobrir.

Como a 3ª turma do STJ entende o rol como exemplificativo — o que permitiria ainda a judicialização dos casos —, o tema será colocado em votação, em um julgamento para se resolver a divergência dentro do próprio STJ. O julgamento entre os ministros vai definir se o plano de saúde é obrigado ou não a cobrir gastos que não estiverem na lista preestabelecida da ANS.

E como isso impacta os mais vulneráveis? Muitas vezes, os exames e procedimentos que estão no rol da ANS levam em consideração mais o custo do que a efetividade, e terapias com comprovação científica e padrão ouro para algumas condições até hoje não estão incluídas na lista.

Como exemplo, podemos elencar o "pet scan" para diferentes tipos de câncer, a imunoterapia, a cirurgia intrauterina para fetos, a terapia ABA para autismo [que ensina habilidades específicas], o canabidiol para casos de epilepsia refratária. Se o STJ decidir que o rol da ANS é taxativo, os planos de saúde não serão mais obrigados a arcar com os custos desses tratamentos.

Os usuários dos planos, porém, continuarão pagando preços abusivos e, em contrapartida, terão menos acesso a terapias e procedimentos que muitas vezes são questões de vida ou morte.

Não podemos admitir que interesses financeiros se sobreponham ao direito à vida e à saúde que está na Constituição. Por isso, nós, mães e familiares de pessoas com deficiência ou doenças raras e graves decidimos organizar um protesto pacífico em frente ao STJ para pressionar pela não-taxatividade do rol. Milhões de pessoas correm o risco de ter o acesso à saúde cerceado em prol do lucro das operadoras de planos, não vamos permitir que isso aconteça.