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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Karol Conká: por que queremos nos unir no ódio a uma figura de consenso?

Karol Conká, durante participação no "Domingão do Faustão" - Reprodução/TV Globo
Karol Conká, durante participação no "Domingão do Faustão" Imagem: Reprodução/TV Globo
Natália Zuccala

Colaboração para Universa

28/02/2021 18h40

Na última semana, com a saída da rapper Karol Conká do BBB com índice recorde de rejeição (99,17%), o Brasil se viu unido pela primeira vez em muitos anos. Estávamos ávidos para ver as explicações que a cantora ia dar sobre sua conduta no reality no Domingo do Faustão e, mais tarde, de novo, no Fantástico. As redes sociais foram inundadas de comentários insinuando que os brasileiros estavam aprendendo a votar juntos. Depois de muitos anos de cisão política, disputas presidenciais acirradas, natais que foram arruinados por brigas familiares, estaríamos finalmente unidos pelo ódio?

Bem, temo que não seja exatamente assim, seguimos discordando veementemente quanto aos protocolos de segurança durante a pandemia, à necessidade ou não de medidas restritivas mais fortes e não temos a mesma adesão aos representantes que estão no poder.

Como é possível que um reality nos tenha feito acreditar que pensamos da mesma forma? Será que estávamos precisando de um pouco de sentimento de pertencimento, unidade, manada?

De fato, quanto à rapper curitibana talvez tenhamos sentimentos parecidos, como ódio, indignação, reprovação, raiva; e não sem motivo, ela teve atitudes reprováveis. Porém, isso não faz com que pensemos igual, e nem devemos, diga-se de passagem, é importantíssima a liberdade para a discordância saudável.

Ainda assim, toda essa união em torno de um programa talvez demonstre uma necessidade urgente do brasileiro de deslocar seu ódio para uma figura de consenso.

Motivos para odiar, sentir raiva e indignação não nos faltam. Estamos mergulhados numa terrível e mortal crise sanitária, política, ecológica e financeira — e completamente impotentes diante dos desastres que nos assolam.

Nesse contexto, é mais fácil odiar Conká, Lumena e Projota, do que o coronavírus. Basta apertarmos um botão para que eles sumam, saiam da casa, desapareçam da nossa tela, mas não podemos fazer o mesmo com a morte, o desemprego, a fome, ou os representantes no poder.

É importante dizer que o entretenimento é fundamental, não negamos isso. A arte, por exemplo, permite que encontremos finalidade para os nossos sentimentos. Através das histórias e narrativas, deslocamos nossos afetos das situações cotidianas para a ficção.

Os personagens estão lá para serem alvo disso. Quando choramos ao ver um filme, também refletimos sobre a nossa própria vida e as pessoas que estão nela. Porém, se ficarmos só nisso, se, ao acabar o filme, não repensarmos as nossas atitudes e reavaliarmos a realidade, ele só vai servir como descarga das emoções. Isso basta?

Essa descarga tem seu valor, claro, ainda mais diante de tanta impotência que estamos sentindo no Brasil hoje, é bom sentir que podemos fazer algo para mudar o curso das coisas. No entanto, me parece pouco para construir um futuro melhor, um país mais justo e menos desigual. É isso que queremos, não?

Diante disso, me pergunto: quem mais, além desses personagens de ficção, estamos precisando odiar? O que mais nos deixa revoltados, indignados?

Essa quantidade de comoção em torno do "BBB" denuncia como o programa está servindo para que possamos viver lá o que não estamos vivendo na realidade: as festas nos divertem, os romances nos entretêm, as eliminações nos aliviam e nos fazem pensar que há justiça nesse mundo. Há?

Em 2020, a indignação e a raiva diante da morte de George Floyd, asfixiado até a morte por um policial nos EUA, levou à onda de protestos antirracismo "Black Lives Matter" (Vidas Negras Importam). A despeito das questões sanitárias, parte dos EUA arriscou sua vida num movimento histórico e indignado contra a injustiça.

E aqui? Vamos nos satisfazer com a saída da Conká? Ou tem mais de onde veio essa indignação? Que tal deslocar de volta do reality para realidade?