Muito além do Master System

Lembrada pelos videogames clássicos, TecToy quer provar que dá conta do mercado de eletroeletrônicos

Letícia Naísa De Tilt, em São Paulo

Um dos maiores sonhos de consumo das crianças dos anos 1990 era ter um Master System ou um Mega Drive. A TecToy dominou esse mercado por muitos anos ao lançar os primeiros videogames desenvolvidos no Brasil. Era uma febre. Depois vieram outros clássicos, como o Pense Bem, um dispositivo que fazia desafios de perguntas sobre história, geografia e matemática. E quem se lembra do ursinho de pelúcia Teddy Ruxpin, que falava e mexia boca e olhos?

A empresa marcou gerações, mas, após anos de sucesso, veio o baque: a chegada do PlayStation, da Sony, nos anos 2000.

Para sobreviver, se aventurou no universo de produção de DVDs e karaokês, depois lançou o primeiro aparelho Blu-Ray fabricado no Brasil (2008/2009). Em 2017, a TecToy entrou na onda da nostalgia e anunciou a volta do Mega Drive para tentar mais uma vez conquistar o coração dos brasileiros.

Agora, a companhia parte para uma nova aventura: o mercado de celulares. Valdeni Rodrigues, presidente-executivo da empresa desde 2019, tem como missão colocar a marca de volta no jogo das grandes empresas brasileiras no ramo dos eletrônicos.

DNA da empresa

Tilt: Depois de tanto produtos famosos, qual o carro-chefe da TecToy hoje?

Valdeni Rodrigues: Um dos pilares são os games e jogos virtuais. Outro é o de eletroeletrônicos, que inclui o nosso primeiro celular. Sabemos que é um mercado extremamente competitivo e desafiador, há uma exigência muito grande. Estamos desenvolvendo uma linha completa de celulares com parceiros, justamente para atender o que esperam de nós. O celular é uma grande estação de trabalho, ensino, educação e entretenimento. É um grande hub.

Todos nossos produtos hoje têm conexão Bluetooth e wi-fi, mesmo as caixinhas de som de bichinhos, que até parecem brinquedos. Você pode atender o celular nelas. Estamos sempre explorando a IoT (Internet das Coisas), com wi-fi e inteligência artificial. Queremos manter essa inovação, como foi em 1987, quando trouxemos o primeiro videogame para o Brasil.

Tilt: Mas o público-alvo da TecToy mudou?

VR: A empresa cresceu junto com os consumidores. Precisamos crescer para sermos sustentáveis. Temos que entender o novo momento, porque o consumidor mudou. Eu sou do tempo em que a gente jogava bola na rua descalço e isso era a diversão. Hoje temos os jogos e o mundo virtual. Antigamente, você brincava com os meninos do bairro. Hoje, você pode brincar com o mundo inteiro se você quiser. Se não fizermos essa leitura corretamente, ficamos para trás.

Novo rumo

Tilt: E como a empresa se mantém sustentável?

VR: Temos uma linha, em parceria com uma empresa chinesa, que faz automação comercial baseada em inteligência artificial e IoT. Sabemos que hoje o nosso cliente do passado também é um empreendedor. Ele está montando sua empresa, então estamos trazendo devices [dispositivos] baseados em tecnologia Android, que é mais democrática para esse tipo de alavancagem inicial do empreendedorismo no Brasil.

Tilt: Por que lançar um celular, sendo que a concorrência é tão acirrada?

VR: O desafio maior é quebrar o rótulo de que empresa brasileira não faz produto bom. Temos que fazer tudo certinho. Não podemos trazer peças por meio do "mercado cinza" [mercado paralelo não-oficial] como algumas marcas fazem e precisamos pensar na venda, pós-venda e imagem da empresa.

O desafio é entrar e ganhar a confiança do consumidor para um produto nacional. Mas temos que apoiar a indústria brasileira. Ela tem que ser respeitada. Temos tecnologia, inovação, engenheiros e profissionais capacitados. Quem fala que a indústria brasileira não é eficiente não a conhece. O que a gente tem que recuperar no Brasil é isso.

Nostalgia como estratégia

Tilt: Por que a TecToy tirou o foco dos brinquedos eletrônicos?

VR: A TecToy hoje é mais lembrada pelos videogames, mas no passado já fez karaokês, DVDs, babás eletrônicas, purificadores, tablets com licenciamentos da Disney e Marvel... A empresa já era múltipla. Ficou muito mais fortemente rotulada pelos videogames, mas o DNA é de produtora de eletroeletrônicos. Hoje temos mais de 30 produtos eletroeletrônicos.

Tilt: A memória afetiva ajudou a reerguer a empresa nos últimos anos?

VR: A TecToy balançou com o primeiro videogame no Brasil, foi uma coisa revolucionária. A memória afetiva tem sido importante para criar conexão, e também foi o que atraiu os investidores.

Temos a missão de proteger essa marca, porque ela é muito benquista. Manter a boa fama de uma empresa que tem produtos de qualidade, que tem uma boa assistência técnica e 100% brasileira. É mais do que importante respeitar os fãs.

Muita gente compra os nossos videogames, porque tem essa memória afetiva e porque são jogos divertidos, de entretenimento para toda a família. É isso o que a gente quer manter. Olhamos para o fã do passado, mas também para o futuro.

Um novo começo

Tilt: Você tinha alguma relação afetiva com a marca?

VR: Digamos que eu tinha quase que um trauma, porque eram produtos mais caros e eu não conseguia comprá-los. Mas eu tenho uma memória afetiva: comprei a Estrelinha da Mônica para a minha sobrinha no lançamento e o Teddy Ruxpin, que contava historinhas, para dar de presente. Eu sou de uma geração um pouco anterior ao videogames, a do fliperama. Quando eu era jovem, tinha costume de jogar nos arcades, nos Ataris da vida...

Tilt: Como foi virar presidente-executivo da TecToy?

VR: Eu fui um executivo principalmente na área comercial. Peguei a fama de assumir empresas em situações complicadas e conseguir dar uma virada boa, revertendo resultados e recuperando imagem e credibilidade junto a clientes.

O grupo de investidores perguntou se eu não queria ajudar a TecToy. Eu gosto de aventura e sou meio workaholic ["viciado em trabalho"], então está sendo bem legal.

Tilt: Com planos de abrir lojas, como foram afetados pela pandemia?

VR: Eu assumi em novembro de 2019. Foi um golpe a chegada da covid-19. Tinha acabado de voltar da China, estava lá quando anunciaram um "surto de pneumonia" em Wuhan. Atrapalhou bastante, porque estávamos em negociações, olhando vários produtos para trazer para o Brasil e aumentar nosso portfólio —ainda não conseguimos montá-lo por completo justamente por isso.

Mas estamos voltando aos poucos. Tomamos todas as medidas [de segurança sanitária] nas fábricas e no escritório, mas tivemos casos [de contaminação]. Afinal, é uma pandemia. Também nos afetou isso de não poder visitar nossos fornecedores, que, na maioria, ficam na Ásia. Você tem que tocar os produtos, conversar com quem está vendendo. A compra olho no olho muda o relacionamento.

Este ano, inauguramos 15 lojas. Até o final do ano, teremos uma loja em cada capital do país. Vamos montar também a primeira loja TecToy Experience, com alguns arcades [fliperama] e coisas do tipo, um espaço tanto para visitar a loja física e fazer compras quanto para se divertir um pouco.

Vamos trazer a "velharada" [risos] — quer dizer, os meus parceiros aí de infância — para brincar um pouco junto e lembrar como era a época do fliperama.

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