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Como um bilionário começou a clonar pets e gerou era de bichos influencers

Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo

16/02/2023 04h00

Nos últimos anos, um processo caro e polêmico tem virado tendência para 'reviver' animais de estimação: a clonagem. Essa ambição começou no final dos anos 1990, nos Estados Unidos, com o projeto Missyplicity.

O objetivo era clonar Missy, a cadela de Joan Hawthorne, companheira de John Sperling - -bilionário do ramo educacional, falecido em 2014, que financiou as pesquisas e experimentos.

Lou Hawthorne, filho de Joan, ficou tão obcecado ao ouvir a mãe dizer que "não conseguiria viver sem a cachorra" —castrada, nem podia gerar descendentes— que tratou de ir atrás de uma réplica, inspirado pela criação da ovelha Dolly, em 1996.

Detalhe: Missy, uma mistura de border collie e husky, ainda estava viva e saudável. Morreu apenas em 2002, de câncer, aos 15 anos.

Sperling começou financiando cientistas da Universidade Texas A&M com cerca de US$ 4 milhões. Em 2000, fundou uma empresa de biotecnologia, a Genetic Savings & Clone, para acelerar as pesquisas.

A meta de gerar outra Missy não foi atingida até o fim do projeto —cachorros são alguns dos mamíferos mais difíceis de serem replicados. Mas ele entrou para a história: produziu o primeiro animal doméstico clonado do mundo, a gata CC (Carbon Copy ou CopyCat), em 2001.

Mas, como você pode ver abaixo, havia um problema: ela era fisicamente bem diferente da original. É algo que pode acontecer na clonagem —DNA igual não significa necessariamente uma aparência idêntica. Mas foi um banho de água fria.

CC rainbow allie - Reprodução - Reprodução
Gatinha CC foi clonada a partir de células de Rainbown (acima à esquerda), e gestada na barriga da mãe de aluguel Allie (abaixo)
Imagem: Reprodução

Os experimentos continuaram e, nos anos seguintes, a empresa conseguiu clonar outros três gatos —desta vez bem parecidos— para exibições científicas. Em 2004, finalmente, entregou a primeira clonagem encomendada por um cliente: o gato Little Nicky, cópia de um maine coon, que morreu aos 17 anos.

O trabalho custou na época US$ 50 mil e atraiu dezenas de interessados, iniciando a indústria de clonagem de pets. Uma corrida polêmica. Ativistas e alguns cientistas se opuseram frontalmente ao serviço. Em 2006, Sperling fechou a empresa, cessando temporariamente as controvérsias.

Mas não era o fim da cruzada para clonar Missy.

Em 2007, cinco anos após a morte dela, a Sooam Biotech (que clonou o primeiro cachorro do mundo, Snuppy, em 2005), na Coreia do Sul, usou células de Missy que haviam sido preservadas para finalmente realizar o sonho do bilionário: nasceu Mira, um clone idêntico.

Nos meses seguintes, vieram mais três cópias: Chingu, Sarang e MissyToo.

Lou Hawthorne com Mira e MissyToo - Stewart Cook - Stewart Cook
Lou Hawthorne com Mira e MissyToo, duas das quatro clones de Missy
Imagem: Stewart Cook

Arrependimentos

Segundo Lou Hawthorne, que liderou os trabalhos, o equivalente a R$ 75 milhões foram gastos em toda a pesquisa para chegar até Mira. E, no final das contas, sua mãe —então já com idade avançada e tendo passado por um longo período de luto— não quis ficar com ela.

Em parceria com os sul-coreanos, Lou fundou sua própria empresa de clonagem comercial, a extinta BioArts, que fez cerca de 20 clones —incluindo cinco cópias do cachorro Trakr, um herói do 11 de setembro, que encontrou o último sobrevivente nos escombros. Os clientes chegaram a pagar US$ 140 mil pelos clones.

Mas, duas décadas depois, ele virou as costas para esta indústria à qual tanto se dedicou, ao perceber o sofrimento causado a milhares de cães e gatos todos os anos. "Um cachorro clonado contribui para a felicidade de uma família, mas não acho que seja possível fazê-lo sem muito sofrimento para centenas de outros", disse ao jornal The Mirror.

"Foi por isso que eu saí. Não me importo se o mundo dos negócios de clonagem entrar em colapso, mas me importo com o sofrimento." Ele passou, então, a se dedicar a pesquisas que considera mais nobres, para tratamento de câncer e de Alzheimer.

"A clonagem de cães é inviável. Não pode ser alcançada a um preço que as pessoas possam pagar". Aqui, Lou não se refere apenas a valores financeiros.

Nos últimos anos, o procedimento foi se tornando mais eficaz (ou melhor, menos ineficaz) e acessível, popularizando-se entre os endinheirados. Voltou fortemente à pauta em 2017, quando a cantora Barbra Streisand procurou a americana ViaGen —maior empresa de clonagem de animais de estimação do mundo— para fazer cópias de sua cadela Samantha, que havia morrido naquele ano.

Miss Violet e Miss Scarlett ainda fazem sucesso —e recebem ataques— nas redes sociais.

Clones influencers

Mesmo que seja cara, que cause sofrimento a diversos outros animais, e que o comportamento e até a aparência do clone não sejam iguais ao original, quem recorre ao serviço procura uma maneira de perpetuar laços afetivos. E, em alguns casos, de manter ativas (ou iniciar) as "profissões" dos bichos.

Nas redes sociais, principalmente no Instagram e no TikTok, encontramos pets influenciadores clonados —alguns já eram famosos antes de morrer, outros ganharam audiência justamente por serem clones, e há os que sequer morreram mas ja têm cópias.

Chai/Belle

Contamos a história de Belle e de sua tutora Kelly em uma reportagem especial. A gata ragdoll nasceu após uma longa espera de cinco anos e muitas tentativas. Foi clonada a partir de Chai, que morreu repentinamente no pós-operatório de uma cirurgia simples.

Willow/Phoenix

A cachorra-loba Willow também morreu tragicamente, atropelada enquanto estava com uma cuidadora. Mas agora vive através de Phoenix e mais cinco clones, que foram doados para amigos de sua tutora. Às vezes, a matilha se reúne para alegria dos seguidores.

Bruce Wayne

Neste caso, não houve nenhuma morte traumática —apenas o desejo de transformar um chihuahua em cinco: Bruce e seus quatro clones fazem sucesso com fotos divertidas.

Menley/Maverick

O cachorro com jeito de ursinho Menley morreu idoso, aos 16 anos, em 2021. Após poucos meses de luto, teve sua página "invadida" por um clone, Maverick.

Angel/Gel-E

A cantora Manika clonou Angel, o maltês que era seu companheiro desde a infância. Ele morreu de causas naturais em julho de 2017, aos 14 anos. Gel-E nasceu apenas quatro meses depois.