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Ciência x turismo: entenda a diferença entre voos de brasileiros ao espaço

Marcos Pontes, primeiro astronauta brasileiro formado pela Nasa, à direita; Victor Hespanha, turista espacial que voou em foguete da Blue Origin, à esquerda - CSA/Nasa
Marcos Pontes, primeiro astronauta brasileiro formado pela Nasa, à direita; Victor Hespanha, turista espacial que voou em foguete da Blue Origin, à esquerda Imagem: CSA/Nasa

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

04/06/2022 15h44

Neste sábado (4), o engenheiro mineiro Victor Correa Hespanha se juntou a Marcos Pontes, ex-ministro da Ciência e Tecnologia, como os únicos brasileiros a irem ao espaço. Mas os voos dos dois foram bem diferentes.

Hespanha viajou como turista a bordo de uma nave da Blue Origin, empresa privada de viagens espaciais comandada pelo bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon. Já Pontes foi ao espaço como astronauta formado pela agência espacial norte-americana, a Nasa, em 2006.

A viagem de Hespanha neste sábado foi curta: entre decolagem e pouso, foram apenas 10 minutos. A nave da Blue Origin o levou a uma altitude de 107 quilômetros, onde ele conseguiu experimentar, por cerca de três minutos, a sensação de flutuar na microgravidade e ver o Brasil do alto.

Já a viagem de Pontes foi mais longa: ele decolou em 29 de março de 2006 em um foguete russo Soyuz, e demorou cerca de 24 horas para chegar à Estação Espacial Internacional, que fica a mais de 408 quilômetros de altitude, onde permaneceu por oito dias.

Questionado por Tilt, Hespanha disse que ainda não se encontrou com Pontes, mas confirmou que interlocutores estão tentando agendar um encontro entre os dois em breve. "Estou muito animado para conversar com ele [Pontes] e compartilhar um pouco da experiência. Obviamente ele é muito mais experiente do que eu, mas vai ser incrível", disse em entrevista coletiva após voltar do espaço neste sábado.

Viagem a passeio

A missão NS-21, que levou Hespanha ao espaço, foi o 21ª voo da Blue Origin e apenas o quinto tripulado. Além do brasileiro, viajaram também Katya Echazarreta, engenheira da Nasa e primeira mulher nascida no México a ir ao espaço; os empresários Evan Dick e Hamish Harding; e os investidores Jaison Robinson e Victor Vescovo.

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Victor Hespanha durante simulação de voo organizada pela Blue Origin antes do lançamento oficial
Imagem: Felix Kunze/Blue Origin

A Blue Origin, que pretende vender pacotes turísticos de voos ao espaço, fez sua primeira missão tripulada em julho de 2021. Além de Bezos, a missão contou anda com Wally Funk, que se tornou a mulher mais velha a ir ao espaço, e Oliver Daeme, que se tornou a pessoa mais jovem a dar uma voltinha fora da Terra.

Hespanha conseguiu sua vaga no voo após um investimento de quase R$ 12 mil reais em criptomoeda. "Quando fiquei sabendo, primeiro veio a negação e o questionamento: 'será que é verdade?", disse em entrevista à Tilt.

Ele chegou a comprar três NFTs (ativo digital com registro de autenticação) da empresa CSA (Cripto Space Agency), uma agência espacial não-governamental que tem como objetivo fomentar criptmoedas e a exploração espacial.

Neste estágio inicial, para atrair mais pessoas, a agência ofereceu uma passagem para um voo da Blue Origin a ser sorteada para novos membros —um tíquete para turismo espacial pode chegar a US$ 200 mil (pouco mais de R$ 1 milhão na cotação atual); mas a CSA não informou quanto pagou na passagem que levou o brasileiro ao espaço.

Uma vez no espaço, Hespanha pode flutuar na microgravidade e observar a Terra contra a escuridão do espaço por apenas alguns minutos. Nenhum experimento científico ou outra tarefa foi realizada por lá.

Viagem a trabalho

Já a missão de Pontes foi mais complexa. Bacharel em tecnologia aeronáutica pela Academia da Força Aérea (AFA) e mestre em engenharia de sistemas pela Naval Postgraduate School, da Califórnia (EUA), ele se formou oficialmente como astronauta em 2000, após concluir o treinamento da Nasa.

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Marcos Pontes em momento de preparação para o lançamento da nave Soyuz rumo à Estação Espacial Internacional, em 2006
Imagem: AFP/Denis Sinyakov

Pontes foi selecionado para o programa espacial da Nasa em junho de 1998, preenchendo a vaga a que o Brasil tinha direito por participar da construção da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).

Sua primeira ida ao espaço estava programada para acontecer em 2001, como parte do projeto de construção da ISS. Mas o Brasil não entregou equipamentos prometidos à Nasa, após sucessivos atrasos. Com a explosão do ônibus espacial Columbia, em 2003, as missões tripuladas americanas foram reduzidas, colocando a viagem de Pontes no fim da fila.

Em 2005, a Agência Espacial Brasileira (AEB) pagou US$ 10 milhões à Agência Espacial Federal Russa (Roscosmos) por uma "carona" em uma nave espacial russa Soyuz, para levar Pontes à ISS. O projeto foi chamado de "Missão Centenário", em referência à comemoração dos 100 anos do voo de Santos Dumont.

Pontes finalmente embarcou para a ISS em 2006, acompanhado do astronauta norte-americano Jeffrey Williams e do russo Pavel Vinogradov, comandante da missão. O brasileiro levou 15 quilos de carga da AEB, incluindo oito experimentos científicos criados por universidades e centros de pesquisas do país.

Dentre os experimentos, Pontes analisou efeitos de radiação em bactérias e até plantou um pé de feijão usando algodão.

Pós-viagem

Hespanha diz que ainda não tem certeza do que fazer com sua experiência de astronauta. "Tenho muitos sonhos no coração de ajudar e inspirar pessoas", disse. Mas garantiu que pretende voltar ao espaço assim que a Blue Origin começar a vender ingressos para turistas abertamente. "Quero ir de novo. Se eu tiver oportunidade, vou duas, três, quatro, cinco vezes, se Deus permitir."

Já Pontes, após voltar à Terra, entrou para a reserva das Forças Armadas. Ao longo dos anos, deu palestras em escolas e universidades e foi garoto-propaganda dos "travesseiros da Nasa" da empresa catarinense Marcbrayn, sem relação oficial com a agência espacial norte-americana.

Em 2014, o primeiro astronauta brasileiro concorreu ao cargo de deputado federal pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro) de São Paulo. Alcançou apenas votação suficiente para ser suplente, com 43.707 votos.

Em 2018, foi eleito segundo suplente na chapa de Major Olímpio, que conquistou a vaga de senador pelo PSL. Não chegou a trabalhar no Congresso porque logo foi escalado para ser ministro da Ciência e Tecnologia do presidente eleito no mesmo ano, Jair Bolsonaro (PL). Deixou o cargo de ministro em março de 2022 para disputar as eleições de outubro como candidato a deputado federal por São Paulo.

"Um dos meus maiores sonhos é voltar a ver um astronauta brasileiro", disse Pontes a Tilt em março, durante evento em Barcelona, na Espanha. Ele destacou como legado no ministério investimentos na fomentação de um ecossistema de startups com foco no espaço. "Quero que o Brasil tenha sua SpaceX, Blue Origin, todas elas", comentou.