Topo

Os celulares estão nos matando? A ciência explica a dependência de likes

Mulher usando celular com notificações de diversas redes sociais - Getty Images
Mulher usando celular com notificações de diversas redes sociais Imagem: Getty Images

Simone Machado

Colaboração para Tilt, em São José do Rio Preto (SP)

26/03/2022 04h04Atualizada em 27/03/2022 18h33

Um post do youtuber Felipe Neto sobre o uso excessivo dos smartphones e, consequentemente, das redes sociais voltou a chamar a atenção para um assunto bastante sério: os celulares vão nos matar?

Na postagem em seu Twitter, o youtuber disse: "Quanto mais estou lendo, mais fica clara uma realidade difícil de digerir: os smartphones estão matando e adoecendo milhares de pessoas pelo mundo e ninguém está muito afim de falar sobre isso". Mas até que ponto Felipe Neto tem razão? Será que o uso cada vez mais frequente dos celulares e da internet está deixando a população doente? As redes sociais nos aprisionam?

Para responder questões como essas, Tilt ouviu psiquiatras e psicólogos para tirar dúvidas sobre o real impacto que as tecnologias do dia a dia têm causado nas nossas vidas.

Por que o celular é viciante?

Temores e discussões sobre o vício na internet, principalmente, em redes sociais não são de hoje. O assunto já virou questão de saúde. Já ouviu falar em nomofobia? A palavra significa medo de ficar sem o celular, e vem sendo alvo de diversos estudos pelo mundo.

Alguns sintomas envolvem ansiedade, sentimento de tédio e sensação de estar perdendo informações importante caso fique sem o celular. Algumas pessoas passam bem mal se ficarem sem o aparelho.

Segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP), na maioria das vezes, esse vício é causado pelo próprio sistema tecnológico que existe por trás das redes sociais e da internet, em si.

"Existe um recurso que se chama ciência da persuasão onde você acaba sendo premiado com uma sensação de bem-estar muito rapidamente no início para que depois você tenha que dedicar mais tempo para ter a mesma sensação. Um desses recursos que faz a pessoa se manter conectada e querer sempre mais é a rolagem infinita que existe no feed das redes sociais", afirma Nabuco.

"Outro exemplo: você faz uma postagem nas redes sociais e recebe 30 curtidas em uma hora, mas a plataforma não te libera essas 30 curtidas nessa primeira hora, ela vai liberando em doses homeopáticas, para que você continue conectado. Isso é feito através de inteligência artificial, dos algoritmos com objetivo de fazer com que a gente navegue por mais tempo", acrescenta o psicólogo.

As cores, sons, anúncios e até a luz da tela do celular também geram um "estado de alerta" em nosso cérebro, é como se dissemos a ele que é necessário ficar atento a tudo o que está acontecendo ao nosso redor o tempo todo.

Sem contar que essa luz contribui para o aumento do cortisol que pode impedir a liberação da melatonina, hormônio do sono, prejudicando a qualidade do descanso.

Dependência de likes tem resposta na ciência

Essas sensações "estranhas" que algumas pessoas sentem ao ficarem longe do celular e, especialmente das redes sociais, tem explicação científica. Ela está relacionada à dopamina, um neurotransmissor com diversas funções em nosso cérebro, entre elas regular algumas de nossas emoções como humor, atenção e motivação.

Por exemplo: você já se pegou olhando o feed de uma rede social por vários minutos sem ter nenhum objetivo específico? Se sua resposta foi sim, saiba que você foi pego pelo "loop de dopamina", um ciclo vicioso de bem-estar que faz seu cérebro esquecer do mundo à sua volta.

A dopamina também é responsável pela sensação de prazer, que está ligada à medida que você vai recebendo curtidas e lendo comentários em redes sociais. Quanto mais like, mais as pessoas buscam por eles, o que explica a necessidade de estarmos cada vez mais conectados ao ambiente dessas plataformas de interação com outras pessoas.

"Existe uma região do cérebro que chama área de gratificação cerebral, essa área premia com uma sensação de satisfação tudo o que a gente faz que traz algum prazer. Quando a gente posta uma foto e as pessoas começam a dar like a gente ativa essa área do cérebro", afirma Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista.

"Essa gratificação faz com que o organismo fique esperando isso acontecer o que leva a pessoa ficar olhando o celular, postando e verificando a todo momento", acrescenta.

Quais são os danos causados?

Assim como todo vício, a exposição prolongada aos smartphones e à internet podem ser prejudiciais. Segundo especialistas, o grande volume de estímulos produzidos está relacionado:

  • à deterioração da memória (perda da memória recente);
  • dificuldade de dispensar informações inúteis;
  • aumento nas taxas de ansiedade e estresse, podendo gerar depressão.

"Existe um mundo comparativo nas redes sociais onde parece que todo mundo está feliz menos você", diz Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento. "Então você acaba desvalorizando a sua vida imaginando que a vida dos outros está muito melhor. Fora a questão da alta cobrança pelo corpo ideal, pelos bens materiais, pelo consumo excessivo que as redes mostram todo o tempo."

Busin ressalta que é preciso que a pessoa consiga separar isso para que não fique dependente e nem seja influenciado o tempo todo pelo bem da própria saúde.

Sintomas físicos

Sintomas físicos também podem aparecer naqueles que não desgrudam do aparelho. A visão é uma das mais afetadas, já que ficar várias horas focado em uma tela pode deixar os olhos ressecados, causando inflamações e infecções, segundo os entrevistados.

Dores de cabeça devido ao estímulo visual constante também podem ocorrer. Além disso, a coluna, os braços e as mãos também podem ser afetados.

Impacto nos mais jovens

Por estarem com o cérebro em formação, os danos causados em crianças e adolescentes podem ser mais graves do que nos adultos.

O excesso de uso do celular, jogos no aparelho, internet e redes sociais pode prejudicar o desenvolvimento intelectual e físico, já que eles precisam receber estímulos do meio ambiente para se desenvolverem.

Segundo Nabuco a recomendação é:

  • Antes de dois anos: o indicado é que as crianças tenham zero contato com as telas digitais.
  • Até os cinco anos: apenas uma hora, mas não no período de refeições.

"As crianças perderam habilitares motoras finas e grossas, é algo bem sério porque gera um atraso muito importante nessas novas gerações", ressalta o especialista.

Wimer Bottura, psiquiatra e psicoterapeuta presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina, acrescenta que o comportamento dos responsáveis deve seguir de exemplo. "Se os pais se mantêm muito tempo nas telas, a criança vai seguir esse modelo. Os pais estão muito preocupados com as telas das crianças, mas não reparam na própria dependência e hábito de ficar gastando tempo atrás das telas."

    Como tratar o vício no celular

    Segundo os especialistas, a melhor prevenção contra o vício é controlar as horas que se passa conectado e com o aparelho em mãos. Já quando a pessoa não consegue controlar esse uso, afetando negativamente a vida social ou o rendimento no trabalho, é hora de buscar ajuda de um profissional médico para que o caso seja avaliado.

    "O tratamento envolve um desmame, a pessoa ir retirando aos poucos o uso da internet na sua vida, principalmente fora do trabalho, e ir voltando a se conectar ao mundo real", explica Nabuco.

    Sinais de dependência online

    Veja alguns sinais que podem mostrar que você está dependente do mundo virtual e dos smartphones, de acordo com os entrevistados:

    • Pensamento obsessivo em estar e ficar conectado.
    • Aumento do tempo que passa online.
    • Preocupações excessiva com a imagem pessoal nas redes sociais.
    • Irritação, ansiedade ou depressão quando fica sem internet.
    • Deixar de frequentar lugares com receio de ficar offline.
    • Usar a internet como válvula de escape para os problemas.
    • Queda no rendimento profissional ou escolar.
    • Isolamento social.
    • Dormir pouco para ficar mais tempo conectado.
    • Ter insônia.
    • Diminuição do foco e concentração.