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Conflito na Ucrânia remove Rússia de maior colisor de partículas do mundo

9.mai.2017 - Fachada do Globo de Ciência e Inovação do CERN, em Genebra, onde fica o LHC - Xu Jinquan/Xinhua
9.mai.2017 - Fachada do Globo de Ciência e Inovação do CERN, em Genebra, onde fica o LHC Imagem: Xu Jinquan/Xinhua

Nicole D'Almeida

Colaboração para Tilt, em São Paulo

19/03/2022 17h49

A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) tomou uma série de decisões que suspendem a Rússia da condição de Observador do laboratório com o Grande Colisor de Hádrons por conta da invasão na Ucrânia. O título, dado aos estados-nação não membros, mas que fazem contribuições significativas para a infraestrutura do centro de pesquisas, foi temporariamente revogado, e impede maiores participações do país nos estudos.

Segundo o Conselho do laboratório, a invasão russa à Ucrânia vai contra tudo o que a instituição de pesquisa defende. "O CERN continuará a defender seus valores fundamentais de colaborações científicas além-fronteiras como um motor para a paz", explica em comunicado.

Durante a reunião realizada no início de março, o CERN também resolveu não se envolver em novas colaborações com a Rússia e suas instituições no momento atual, além de promover iniciativas para apoiar os colaboradores ucranianos e a atividade científica ucraniana no campo da física de alta energia.

Apesar das novas decisões, "a colaboração entre o CERN e a comunidade científica russa em projetos em andamento é mantida", alegou o Conselho.

"A situação continuará a ser monitorada cuidadosamente e o Conselho está pronto para tomar quaisquer outras medidas, conforme apropriado, em suas futuras reuniões", descreveu em comunicado.

Sanções internacionais

O Conselho também avisou que cumprirá todas as sanções internacionais aplicáveis. No começo do mês, uma carta aberta foi publicada por cientistas russos que participam do CERN.

"Gostaríamos de expressar nossa tristeza e pesar pelo que acontece na Ucrânia. Somos contra as ações militares iniciadas na Ucrânia pelas autoridades da Federação Russa. Defendemos firmemente a resolução do conflito por meio da diplomacia e das negociações como a única forma adequada", declararam. "O que podemos fazer é expressar nossa opinião abertamente com a esperança de sermos ouvidos".

A organização conta com aproximadamente mil pesquisadores russos em seus projetos de pesquisa — o equivalente a quase 8% dos 12 mil cientistas colaboradores. Por conta disso, o desligamento total desses pesquisadores se torna inviável, uma vez que o laboratório pode acabar deixando de funcionar.

Climão no laboratório

Fundado em 1954, o CERN é uma colaboração internacional que opera o maior laboratório de física de partículas do mundo localizado próximo a Genebra, na Suíça. Seu principal projeto é o Grande Colisor de Hádrons, que descobriu a chamada "partícula de Deus", o bóson de Higgs, em 2012. O laboratório foi estabelecido após a Segunda Guerra Mundial para unir nações e pessoas para a busca pacífica da ciência.

O Conselho é composto atualmente por 23 estados membros e 7 estados membros associados. A Ucrânia é, desde 2016, um dos associados que paga uma contribuição reduzida para o orçamento do CERN e se beneficia da pesquisa.

Até então, a Rússia, juntamente com outras quatro entidades — Japão, Estados Unidos, União Européia, Joint Institute for Nuclear Research (localizado na Rússia) e a UNESCO —, mantilna o título de Observador para o Grande Colisor de Hádrons (ou LHC), um enorme acelerador de partículas localizado no subsolo na fronteira franco-suíça.

Com o conflito internacional em voga, o CERN se encontra em uma encruzilhada. Por um lado, a Ucrânia é um membro associado do CERN — não tem um lugar no Conselho, mas paga taxas ao instituto. De outro, a Rússia é uma nação observadora, ou seja, não paga taxas, mas contribuí significativamente em alguns experimentos.

De acordo com John Ellis, teórico do King's College London que trabalha no CERN, a Rússia recebeu o título de Observador em 1993, com algumas vantagens especiais em troca de auxílio na construção de certos componentes. O país também prometeu 34 milhões de francos suíços (cerca de R$ 184 milhões) em peças e equipamentos para uma atualização, a partir de 2025, que deve aumentar a intensidade dos feixes do Grande Colisor de Hádrons (LHC).

No entanto, a contribuição russa é apenas uma pequena parte do custo total da atualização, 950 milhões de francos suíços (cerca de R$ 5 bilhões).

Crise científica

Este não é a única colaboração científica multinacional comprometida pela invasão da Ucrânia pela Rússia. A Roscosmos, Agência Espacial Russa, anunciou que deixaria de entregar motores de foguete para os Estados Unidos e de colaborar com a Alemanha na manutenção necessária da Estação Espacial Internacional.

A ExoMars, colaboração entre a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Roscosmos, também atrasou o lançamento de seu rover Rosalind Franklin, programado para partir para Marte em setembro.

Em alguns casos, a situação virou pura treta espacial: Scott Kelly, astronauta da NASA, trocou farpas em uma discussão com o chefe da Roscosmos, Dmitry Rogozin, no Twitter. O cosmonauta chegou a alertar que as sanções poderiam resultar em queda da Estação Espacial Internacional (ISS), em pleno solo estadunidense.

*Com informações de Space, Cern e Daily Mail