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Cientistas querem 'ressuscitar' animal extinto: se rolar, quem será o dono?

Startup quer ressuscitar espécie de mamute extinta há milhares de anos. Se rolar, o que acontece depois? - Reprodução/ Royal Victoria Museum (Canadá)
Startup quer ressuscitar espécie de mamute extinta há milhares de anos. Se rolar, o que acontece depois? Imagem: Reprodução/ Royal Victoria Museum (Canadá)

Lucas Santana

Colaboração para Tilt

20/02/2022 04h00

Uma startup dos Estados Unidos quer ressuscitar uma antiga espécie de mamute-lanoso, extinta há pelo menos 4 mil anos. Ela já recebeu mais de US$ 15 milhões (cerca de R$ 80 milhões) de investidores privados para tentar realizar a empreitada digna de "Jurassic Park".

Quando (e se) a startup Colossal conseguir trazer o mamute de volta à vida, ela poderá patentear o animal e se declarar dona de uma espécie extinta? A quem vai pertencer o bicho? Foram essas perguntas que o repórter Matt Raynolds tentou responder em artigo na revista Wired. E a resposta é: depende.

O que acontece é que grande parte dos conjuntos de leis nacionais e internacionais não considera a patente de animais ou fenômenos naturais como algo legal, o que significa que ninguém pode patentear algo que encontrou na natureza só porque encontrou primeiro.

O registro de propriedade é possível quando há uma inovação tecnológica. A clonagem, por exemplo, não é uma invenção, mas apenas uma cópia de algo que já existe na natureza, por isso não pode ser patenteada.

"A identidade genética de Dolly [ovelha clonada em 1996] com seu pai doador a torna não patenteável", escreveu um juiz do Tribunal de Apelações dos EUA em 2013, concluindo uma longa batalha legal.

O grande mamute na sala

Até hoje os cientistas não conseguiram extrair um genoma de mamute completo o suficiente de um fóssil para ser implantado diretamente em um óvulo, o que exclui a clonagem como opção para reviver o animal extinto. E isso também acende uma luz amarela para a futura patente da Colossal.

Não à toa a tecnologia que a Colossal quer usar para recriar o mamute em laboratório deve envolver a edição do DNA de óvulos de elefantes asiáticos para deixá-lo mais próximo possível do que seria o genoma de um mamute real.

O resultado final seria um novo elefante-mamute híbrido, um tipo de "mamute funcional" ou um "elefante do Ártico".

"Não estamos 'desextinguindo' o mamute. Estamos 'desextinguindo' genes para, em essência, tornar os elefantes asiáticos tolerantes ao frio", disse à Wired o presidente-executivo da Colossal, Ben Lamm, que nunca negou que pretende patentear o animal.

A ideia de Lamm é liberar esses novos animais na tundra siberiana, onde ele espera que eles ajudem a recriar o antigo ecossistema das estepes, restaurando pastagens e ajudando a manter o carbono preso no solo.

O biólogo conservacionista Mike Bruford, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, foi um dos cientistas que ajudou a escrever diretrizes que existem hoje sobre a tal tecnologia de "desextinção".

Bruford alerta que a maior parte do trabalho desse tipo feito no mundo pertence a empresas privadas e que a comunidade científica não sabe ao certo quais são as intenções por trás delas.

"A comunidade científica e a comunidade conservacionista estão à margem dessa discussão toda", diz.

Em tese, a startup Colossal não quer ganhar dinheiro com mamute nenhum, mas sim patentear outras tecnologias que podem ajudar na empreitada.

Por exemplo, pesquisadores da empresa acreditam que vão criar um útero gigante artificial para reviver a espécie extinta, o que poderia servir também para bebês humanos prematuros sobreviverem fora do corpo de uma mulher.

A Colossal espera desenvolver novas técnicas de edição genética e armazenamento de DNA que poderão ser úteis para pesquisas científicas futuras e conservação de espécies.

Animais já foram patenteados no passado

Em 1988 uma equipe de pesquisadores do Salk Institute, na Califórnia (EUA), conseguiu criar camundongos geneticamente modificados inserindo DNA viral em embriões da espécie.

A intenção era produzir exemplares predispostos a desenvolverem câncer, o que ajudaria a comunidade científica a testar tratamentos oncológicos. Do experimento bem-sucedido nasceu o "onco-rato".

Em 12 de abril de 1988, o Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos emitiu uma patente para o pequeno camundongo modificado em nome da Universidade de Harvard, que passou a licença exclusiva para a empresa DuPoint, principal financiador da pesquisa no Salk Institute.

Na época, a gigante da indústria química passou a vender o pequeno 'onco-rato" por US$ 50 (cerca de R$ 260) a outros pesquisadores e instituições interessados.

O mesmo aconteceu alguns anos depois com uma espécie de coelho geneticamente alterado para contrair o vírus HIV.