Topo

Para chegar a Marte, humanos precisarão 'roubar' segredo dos ursos; entenda

ESA
Imagem: ESA

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt, em São Paulo

06/02/2022 04h00Atualizada em 07/02/2022 16h58

A melhor maneira para o ser humano ir a Marte é como os ursos: hibernando. De acordo com a ESA, agência espacial europeia, isso economizaria custos da missão, reduziria para um terço o tamanho da nave e manteria as pessoas saudáveis e seguras até a chegada no planeta vermelho.

Os tripulantes dormiriam em uma cápsula tecnológica, que assegura o sono profundo e monitora os sinais vitais e funções fisiológicas durante toda a viagem espacial. Sim, você já viu isso em filmes de ficção científica, como "Alien", "Passageiros" ou "Interestelar".

Segundo a ESA, em qualquer viagem espacial, é preciso contabilizar cerca de 30kg de água e comida para cada astronauta. Por dia. Considerando que cada trecho entre a Terra e Marte leva pelo menos nove meses, que são pelo menos dois tripulantes e que é preciso uma margem de segurança, estamos falando dezenas de toneladas.

Além disso, uma viagem tão longa precisa considerar questões de saúde mental e os perigos da radiação do espaço. Dormindo, as pessoas estariam protegidas de ambas. É o que diz o estudo publicado recentemente na revista Science Direct.

Mas há um detalhe: como ursos, astronautas precisariam ganhar uma camada de gordura extra nos meses antes de iniciar a viagem. E mulheres seriam as candidatas preferidas para as missões.

Travel to #Mars, the bear way ?#Sciencefiction got deep space travel right - hibernating astronauts could be the best way to save mission costs, reduce the size of spacecraft by a third and keep crew healthy. #ExploreFarther https://t.co/Lf2fZukGH6 pic.twitter.com/TPot6zBVjl

-- Human Spaceflight (@esaspaceflight) January 31, 2022

Hibernação espacial

Alguns animais - como ursos, morcegos, esquilos e ouriços - têm a capacidade de diminuir seu metabolismo para cerca de 25% da atividade, a fim de preservar energia nos períodos desfavoráveis, principalmente invernos rigorosos, quando há escassez de alimentos. Durante a hibernação, o corpo fica inativo, a temperatura cai, o fluxo sanguíneo, a respiração e os batimentos cardíacos são reduzidos.

Induzir temporariamente este estado de torpor à tripulação de uma viagem de longa duração reduziria drasticamente a quantidade de mantimentos necessários e o tamanho da infraestrutura, tornando a exploração espacial mais viável e econômica.

"Onde há vida, há stress", acredita Jennifer Ngo-Anh, coordenadora de Exploração Humana e Robótica da ESA. "Esta estratégia minimizaria os níveis de tédio, solidão e agressividade, ligados ao confinamento em uma nave espacial."

Nunca um humano de fato hibernou, mas o conceito já é aplicado a humanos desde a década de 1980, apenas para fins terapêuticos e por curtos períodos, como cirurgias complexas. Ainda é preciso muitos estudos e experimentos para chegarmos ao nível hibernação espacial.

E o urso parece ser o melhor modelo para nos ensinar. Sua massa corporal é similar à nossa e eles reduzem apenas poucos graus de temperatura durante os quase seis meses em que ficam imóveis - um limite seguro para humanos.

Mas imagine: se uma pessoa passar um semestre na cama, haveria grande perda muscular e óssea, além de risco maior de ataques cardíacos. "Porém, pesquisas apontam que os ursos saem saudáveis de suas tocas na primavera, apenas com uma perda marginal de musculatura. Eles levam somente cerca de 20 dias para voltarem ao normal. Isso nos mostra que a hibernação previne a atrofia dos músculos e ossos, além de proteger tecidos", diz Alexander Choukér, professor de Medicina na Universidade Ludwig Maximilians de Munique, Alemanha.

A ESA também acredita que as melhores candidatas para a hibernação espacial seriam as mulheres. Nos mamíferos, níveis baixos de testosterona (hormônio masculino) parecem contribuir para uma longa hibernação; nos humanos, o estrogênio (hormônio feminino) ajuda a regular o metabolismo de energia.

cápsula ESA - ESA - ESA
Imagem: ESA

Cápsula tecnológica e IA

Os cientistas da ESA sugerem que sejam desenvolvidos habitats confortáveis e macios, para uma hibernação tranquila: luz baixa, alta umidade e ajuste fino de temperatura (ambiência em menos de 10°C). Os astronautas poderiam se mover bem pouco, mas não seriam contidos, e vestiriam roupas contra superaquecimento. Sensores acoplados ao corpo mediriam dados biométricos, como postura, temperatura e batimento.

Cada cápsula seria cercada por contêineres de água, servindo de escudo contra radiação. "A hibernação realmente ajudará a proteger as pessoas dos efeitos nocivos da radiação durante as viagens espaciais profundas. Longe do campo magnético da Terra, os danos causados por partículas de alta energia podem resultar em morte celular, doença de radiação ou câncer", diz Choukér.

Com a tripulação inconsciente por longos períodos, é essencial que a nave tenha um avançado sistema de inteligência artificial. Ele monitoraria as operações o tempo todo, independente da interação humana, e agiria no caso de anomalias e emergências - seja com a nave ou os passageiros.

"Além de monitorar o consumo de energia e as operações autônomas, os computadores de bordo manterão o desempenho ideal da espaçonave até que a tripulação possa ser acordada", explica o professor.