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O que é 'stalking'? E 'stalkear'? Entenda a doença que leva a perseguição

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Imagem: iStock

Colaboração para Tilt

11/12/2021 04h00

Um homem casado se envolve com uma executiva e com ela tem um tórrido romance. O frenesi da aventura desaparece, ele a rejeita, e a mulher passa a persegui-lo, assim como à sua esposa e filha. Sucesso na década de 1980, o filme "Atração Fatal" retrata o extremo de um comportamento patológico denominado "stalking".

Originário do verbo inglês "to stalk", cujo significado literal é "atacar à espreita", esse fenômeno é também conhecido como síndrome do molestador.

O tema tem sido muito discutido por psiquiatras, psicólogos e juristas (desde 1990, o stalking é considerado crime nos EUA; no Brasil, pode render pena de prisão de até 3 anos).

J. Reid Meloy, psicólogo especializado em medicina legal e professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia (San Diego), autor do livro "The Psychology of Stalking, Clinical and Forensic Perspectives" ("A psicologia do stalking, perspectivas clínicas e forenses", sem tradução para o Brasil), há muitos anos dirigia um hospital psiquiátrico dentro de uma prisão de segurança máxima, e naquela época tentava entender a razão por que uma pessoa insistia em perseguir outra, mesmo sabendo que esta não o desejava por perto.

Em meados da década de 1980, Meloy passou a coletar dados sobre o assunto e depois de algum tempo concluiu que o stalking poderia ser definido como "um comportamento anômalo e extravagante, causado por vários distúrbios psicológicos (narcisismo patológico, pensamentos obsessivos etc), nutridos por mecanismos inconscientes como raiva, agressividade, solidão e inaptidão social, podendo ser classificado como patologia do apego".

Causas e características

As causas desse desejo de perseguir ainda não são muito claras, mas existem estudos empíricos apontando para a incapacidade de lidar com as perdas da infância e da idade adulta.

O que se sabe é que, diante de uma recusa da parte contrária, ou movido pelo desejo de proximidade, um stalker desenvolve uma habilidade incomparável para "elaborar estratégias repetidas e indesejáveis só para manter contato: suas ações são tão exageradas (telefonemas e mensagens numerosas e incansáveis, por exemplo) que fazem com que a vítima sinta medo e angústia", diz o especialista.

As formas como o perseguidor busca atenção são complexas, e para ele pouco importa se suas atitudes possam vir a ser molestadoras ou ilícitas.

Partindo dessa complexidade, as manifestações podem até ser consideradas agradáveis para o senso comum (mandar flores, presentes etc). Porém, explica Meloy, "o limite entre o que é oportuno ou não, desejável ou não, é justamente a aceitação explícita por parte do destinatário".

Mulheres são alvos

As mulheres são as potenciais vítimas de stalking. Geralmente, são mulheres que conhecem ou tiveram alguma relação com seus perseguidores.

Além desse grupo, advogados, médicos e psicólogos ou profissionais que atuam em atividades de assistência, também podem ser perseguidos por seus ex-clientes/pacientes, de acordo com o estudo do psicólogo.

Ele acredita que, nesses casos, o desejo de perseguir está relacionado a expectativas frustradas. Se algo não aconteceu da forma como se esperava, apesar dos esforços dos especialistas, isso é o suficiente para o desencadeamento de reações como raiva, agressividade e pensamentos obsessivos.

Menos numerosas, porém mais comentadas, são as vítimas famosas: Sandra Bullock, Steven Spielberg, Gwyneth Paltrow, Nicole Kidman são exemplos de pessoas que foram alvos do stalking.

Estudos realizadas há alguns anos por Meloy indicam que o que move esse stalker em especial é o interesse afetivo, sexual ou o desejo de pedir ajuda.

Entretanto, suas pesquisas revelaram que, dependendo do que aconteça ao longo das tentativas de aproximação, essas motivações podem mudar, principalmente se a celebridade rejeitar a iniciativa pessoalmente ou por meio de seus seguranças: "nessas situações, a rejeição pode se transformar rapidamente em fúria ou violência dirigida ao objeto do desejo, ou deslocar-se para seu protetor", esclarece Meloy.

"Para o ponto de vista de um homem só (e solitário), com histórico de relações falidas, fortes sentimentos de posse, além da grande dificuldade de distinguir entre realidade e fantasia, um convite, mesmo que tenha sido feito eletronicamente (na TV, por exemplo), e não especificamente para ele, pode se transformar numa compulsão por perseguir."

Embora não exista um perfil psicológico pré-definido para o stalker, pesquisadores identificaram cinco padrões comportamentais diferentes:

  • o ressentido ou invejoso,
  • o carente de afeto,
  • o cortejador incompetente,
  • o rejeitado
  • e o predador.

Porém, os rejeitados (típico amante abandonado) são a categoria mais comum.

O carente: Movido pela procura de uma relação, a vítima é tida como a pessoa ideal para resolver sua própria falta de afeto. Pode apresentar o "delírio erótico dos maníacos": o stalker interpreta as respostas da vítima como se ela tivesse que lutar contra o desejo de estar com ele.

O rejeitado: Geralmente é um(a) ex que quer voltar ou se vingar. Ele oscila entre esses dois desejos, e isso pode durar, porque a perda lhe é intolerável. É o modelo de apego típico dos inseguros, para quem a ausência do outro representa uma ameaça.

O cortejador independente: Seu comportamento é alimentado pela escassa capacidade de se relacionar, o que se manifesta através de atitudes opressivas. Quando não alcança seus objetivos, torna-se agressivo. É menos resistente, mas tende a mudar seu alvo e repetir as mesmas ações.

O predador: Ambiciona ter relações sexuais com uma vítima que pode ser seguida e espionada. O medo excita esse tipo de stalker, que se sente poderoso organizando suas estratégias. Crianças também podem ser vítimas desse tipo.

O ressentido ou invejoso: É movido pelo desejo de vingança pelos danos causados pela perda de algo que julgava ser de seu direito; em geral, há escassa noção de realidade e o ressentimento, para ele, justifica todas as suas atitudes.

Depressão e estresse pós-traumático

Para tratar a doença que leva a perseguição, especialistas recomendam acompanhamento médico e psicoterapia.

Contudo, o apoio psicológico não deve se restringir somente ao stalker. Meloy destaca que as vítimas, após uma experiência como essa, geralmente apresentam quadros de depressão ou estresse pós-traumático, o que repercute em suas vidas social e profissional.

E adverte: "para os molestadores, o tratamento somente será eficaz se os profissionais forem capazes de identificar e entender as motivações e os distúrbios mentais que levam à perseguição".

Olho a conta do/a ex, sou stalker?

Ter a curiosidade de olhar perfis em redes sociais é um hábito comum. O problema é quando o "seguir" vira "perseguir" (ou "stalking", em inglês).

Segundo Katty Zúñiga, psicóloga do NPPI (Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática) da PUC-SP, o alerta é disparado quando a pessoa deixa de lado tarefas cotidianas para vigiar a vida alheia —seja dentro ou fora das redes sociais.

"É normal e muito comum ter curiosidade sobre o que o ex faz ou com quem está saindo. São curiosidades naturais. Mas, se este comportamento é constante e feito várias vezes ao dia, com a intenção de vigilância, aí sim falaríamos de uma pessoa obcecada por outra", explica.

Se a pessoa sente uma necessidade incontrolável de ficar a par de tudo o que o outro está fazendo, diz a especialista, isso é sinal do comportamento obsessivo associado aos "stalkers".

"Uma vez por dia é mais que suficiente para acompanhar o outro de uma maneira saudável, desde que isso não seja feito como um ritual", alerta. "Deixa de ser uma curiosidade e passa a ser um comportamento doentio quando justamente a pessoa perde o controle e deixa de fazer suas atividades cotidianas para poder ficar vigiando o outro."

Acordar de manhã e olhar imediatamente o perfil do outro na rede social faz da pessoa um "stalker"? E ter um perfil falso para bisbilhotar o perfil dos outros? A psicóloga vê sinais de atenção.

"Provavelmente sim. Não há nada que o outro tenha feito que exija tamanha urgência para o acompanhamento. Se você quer saudavelmente saber o que está acontecendo com uma pessoa, você pode usar seu próprio perfil. Se você está usando um perfil fake, isso já sugere que você está querendo ter acesso a uma informação que você não deveria ter", ressalta.