Opinião

'Pink tax': pressão estética da rede social faz mulher pagar mais tributos

O surgimento das mídias sociais representa um espaço relevante no ambiente digital e nas relações de consumo. A facilidade de acesso aos aparelhos eletrônicos e às informações das plataformas digitais aumentou a produção e o consumo de conteúdo - especialmente os de rápida e fácil absorção, como os vídeos que duram poucos segundos.

Foi assim que o TikTok se tornou uma das plataformas mais acessadas no Brasil, com mais de 80 milhões de usuários maiores de 18 anos.

Dentro dessa rede, o nicho de beleza cresce a cada dia, voltado especialmente para o público feminino e contemplando maquiagem e prática de skincare. Muitos dos vídeos persuadem a "seguidora" a testar o que é recomendado para que alcancem um padrão de beleza, aparentemente atingido por quem fez a indicação - as chamadas influencers.

O alto tempo de tela a que os usuários estão expostos, somado às publicidades diretas e indiretas disparadas todos os dias, gera um aumento no consumo de produtos de beleza. De acordo com a revista "Vogue", a #TikTokMadeMeBuyIt ("O TikTok me fez comprar isso"), soma 27 bilhões de visualizações e demonstra o poder de influência da plataforma.

Mesmo com consciência de que muito do exibido nas redes sociais não é real, é impossível não ter curiosidade de, ao menos, experimentar. Caso emblemático de influência do TikTok no consumo de cosméticos é o lançamento do Carmed Fini, da farmacêutica Cimed, que viralizou e vendeu em 20 dias o volume planejado para um ano.

Sucesso em especial entre a Geração Z, o hidratante labial possui um vídeo com quase 7 milhões de visualizações - considerando o post de uma só influenciador da campanha. Este foi apenas um dentre os diversos cosméticos que viralizaram no ano de 2023.

Esse tipo de ação de marketing dispara a questão: quais são os direitos que talvez estejamos deixando passar ao pensar na mulher como alvo das relações de consumo?

Sob o argumento da existência de "anúncios publicitários que exploram ou incitam as inseguranças da mulher quanto à sua imagem, à sua idade e a sua postura social, pressionando-as, em práticas de vendas agressivas, à aquisição de produtos ou serviços de que não necessitam ou desejam", a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) apresentou o Projeto de Lei nº 4.642/2023. A proposta visa coibir o preconceito e a discriminação contra a mulher nas relações de consumo por meio de alterações no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Uma das propostas pretende categorizar como abusiva a fixação de preços mais elevados para produtos e serviços destinados ao público feminino. Além de mais propensas à pressão para consumir produtos voltados à estética, as mulheres estamos sujeitas a outro fenômeno: produtos para nós são mais caros que seus similares para os homens.

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'Pink tax' e por que mulheres pagam mais imposto?

Sob a ótica tributária, a questão se agrava. A consequência desse aumento é o chamado "pink tax" ou "imposto rosa".

Diante da regressividade do sistema tributário brasileiro, cuja tributação é centrada no consumo, é o consumidor final que arca com a carga tributária. Tudo que é recolhido ao longo da cadeia produtiva incide no preço final do produto, que é repassado para ele. Mesmo que o percentual de carga tributária seja exatamente igual para produtos iguais, a base sobre a qual ele incide é maior e, por isso, o produto feminino é mais tributado.

Victoria Salles, advogada do Candido Martins Advogados
Victoria Salles, advogada do Candido Martins Advogados Imagem: Tadeu Brunelli/TBFoto

As adversidades não param por aí. O ônus econômico da tributação elevada de produtos femininos aumenta mais porque a mão de obra feminina é menos remunerada. As mulheres recebiam salários 22% menores aos de homens em 2022, segundo o IBGE.

Com remuneração menor, maior pressão para consumir e carga tributária mais elevada, a lógica é simples: proporcionalmente, as mulheres pagam mais impostos só por causa do gênero.

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Julia Dias, advogada do Candido Martins Advogados
Julia Dias, advogada do Candido Martins Advogados Imagem: Tadeu Brunelli/TBFoto

Reforma Tributária deixa mulheres de fora

Em 2023, foi aprovado o texto da Reforma Tributária, focada, nessa primeira fase, na tributação do consumo. A promessa é observar o Princípio da Capacidade Contributiva para promover maior justiça fiscal.

O tema é debatido do ponto de vista dos entes federativos e de diversos setores empresariais. Mas será que a Reforma Tributária será benéfica para as mulheres? Ela reduzirá a desigualdade de gênero da carga tributária no Brasil?

Pendente de regulamentação, a reforma simplifica o sistema tributário: substituirá cinco tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI) pelo IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) dual. Isso não significa que as alíquotas sofrerão redução.

De acordo com o RAF (Relatório de Acompanhamento Fiscal), da IFI (Instituição Fiscal Independente), o IVA vai variar de 20,03% a 30,7%, alíquota maior que a aplicada em muitos países.

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Há avanços em relação aos regimes diferenciados de tributação com alíquotas reduzidas em 100% para produtos de cuidados básicos à saúde menstrual. Ainda assim, a elevada carga tributária sobre o consumo de produtos femininos é um impasse de difícil solução.

Além de não ceder aos delírios de consumo incentivados pelas redes, o que nos resta é buscar a igualdade salarial e de preços entre produtos masculinos e femininos. Estes, porém, são temas que ultrapassam as barreiras do Congresso Nacional, devido à evolução na cultura e dos valores da sociedade brasileira.

*Julia Dias, bacharel em Direito pela PUC-SP, e Victoria Salles, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, são advogadas do Candido Martins Advogados

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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