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25 anos da Abranet: rede democrática e livre deve ser preservada

Demi Getschko, considerado o pai e zelador da nossa internet, teme que concentração da informação e rede fragmentada - Arquivo
Demi Getschko, considerado o pai e zelador da nossa internet, teme que concentração da informação e rede fragmentada Imagem: Arquivo

Colaboração para Tilt, em São Paulo

07/11/2021 04h00

  • Assegurar uma rede aberta, neutra e competitiva;
  • Contribuir para o desenvolvimento tecnológico do Brasil, observando de perto os desdobramentos da chegada do 5G;
  • Participar da elaboração de políticas públicas e da construção de leis que acompanhem evolução de novas aplicações da internet, como as que usam inteligência artificial;
  • Estabelecer princípios éticos e garantias à proteção de dados;
  • Criar os instrumentos necessários para a livre expressão, sem deixar de combater os discursos de ódio;
  • Acompanhar, de perto, a adoção das moedas digitais e o desenvolvimento do ecossistema das fintechs

São esses alguns dos principais desafios adiante da Abranet (Associação Brasileira de Internet, da qual o UOL é associado), que neste 7 de novembro de 2021 completa 25 anos. Ela surgiu em 1996, quando várias empresas se uniram para garantir que a gestão da internet não virasse um monopólio controlado pelas teles. Naquele tempo, o objetivo era ganhar escala para que a maior quantidade possível de brasileiros pudesse ter acesso à rede por um preço justo. Junto com o Comitê Gestor da Internet, passaram a pressionar por uma legislação que garantisse a neutralidade da rede, o acesso democrático a ela e o ambiente propício para a livre concorrência dos provedores.

"A sigla também tem o significado de abra a net, abra a rede", conta Eduardo Neger, atual presidente da Abranet e dono da Neger Telecom. "Se todas as empresas precisassem de uma licença para criar um site ou desenvolver um app, não teríamos o desenvolvimento de hoje."

A primeira grande conquista do grupo foi a Norma 4, que separou a internet das demais telecomunicações. O então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, decidiu pela exploração comercial da internet no país e a Embratel, em vez de conectar diretamente o consumidor, virou atacadista de TC/IP —ou seja, daria acesso às empresas de telecomunicações locais, que passariam a conexão para os provedores. Na ponta, os brasileiros enfim podiam acessar a internet discada. "Sem essa separação entre infraestrutura e conteúdos e serviços, ficaríamos restritos", avaliou Carol Conway, Diretora de Assuntos Regulatórios e Institucionais do Grupo UOL e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos e do Conselhos de Meios de Pagamento da Abranet, em live que celebra o aniversário da associação.

Pelo resto do mundo, eram as grandes operadoras de telecomunicações que proviam internet, explica Vanda Scartezini, engenheira e ex-Secretária de Tecnologia do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. "Em alguns lugares [do Brasil] podia até ser tranquilo ter as operadoras, mas nos rincões deste país não haveria, provavelmente, interesse das privadas em levar internet."
Os provedores de internet começaram a tomar rumos diversos. Roque Abdo, um dos primeiros presidentes da Abranet e dono de uma dessas empresas, conta que havia quem pensasse na internet do email e da hospedagem e quem planejava levar o sinal de rádio a áreas remotas. "Foi isso [a regulação da internet via rádio, o regulamento 272 da Anatel] que trouxe a internet e os provedores à posição atual", disse.

"Foi essa cadeia virtuosa permitiu a rápida expansão da internet no Brasil, porque todo mundo tinha um nicho de mercado para se estabelecer", diz Demi Getschko, considerado o "pai" e "zelador" da internet brasileira e atual presidente do NIC.br, responsável por implementar as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Regulação está entre os principais desafios da associação

"Mais do que focar nas tecnologias que virão, deveríamos estar preocupados em observar as mudanças no uso da rede e correr para estabelecer discussões regulatórias a tempo de acompanhar esses avanços", acredita Herlon Oliveira, especialista em telecomunicações, diretor da ABINC (Associação Brasileira de Internet das Coisas), ex-vice-presidente da Abranet.

Foi com discussões amplas e transversais em fóruns públicos e escuta de todos os setores da sociedade, das quais a Abranet participou ativamente, que se estabeleceram as bases para os avanços que vemos hoje com o 5G, a LGPD (Lei Geral do Proteção de Dados) e do Marco Civil da Internet, por exemplo. Hoje, o Brasil é um exemplo de modelo bem-sucedido de internet e legislação robusta, que garante liberdade e amplitude, mas faltam discussões a serem feitas.

Uma delas é a regulação dos conteúdos —provavelmente uma das mais difíceis. "Vamos ter de encarar o desafio de discutir isso sem saber se vale a pena ou não aumentar o tipo de controle, mas certamente é uma discussão que tem de ser feita e que o mundo inteiro está fazendo, com acertos e erros", diz Getschko.

Nesse contexto, colocam-se lado a lado ideias aparentemente opostas, como a necessidade de se garantir a plena liberdade de expressão enquanto se criam mecanismos de controle para uma internet menos tóxica. "O que me preocupa muito são as fake news, os discursos de ódio e essa total falta de ética", diz Caio Túlio, que era diretor-geral do UOL na época e participou ativamente do momento de chegada dos primeiros provedores ao Brasil.

A ameaça de monopólios e governos

Quando você manda uma simples mensagem no WhatsApp, está usando uma internet que, três décadas atrás, ninguém conseguiria imaginar. Nos anos 1990, essa rede democrática e livre precisou ser construída do zero por um grupo de brasileiros que conseguiu enxergar seu potencial, batalhou pela regulação e que agora teme que esse legado seja ameaçado por monopólios ou governos autoritários.

"Nós podemos perder a internet como uma coisa global e passarmos a ter silos que vão reduzir a liberdade de expressão, vão minar a inovação", diz Vanda Scartezini.

Ela se refere aos planos de países como Rússia, China, Coreia do Norte e Irã para estabelecer fronteiras também no mundo digital. Na prática, esses "muros" permitiriam grande controle sobre os cidadãos, já que os governos decidem quais informações podem ou não entrar. Essa fratura da rede mundial contraria o ideal da internet quando foi criada: ser um espaço aberto, global, livre de pressões políticas e sem barreiras geográficas.

Com as grandes plataformas, como Facebook, YouTube e Google, por exemplo, hoje temos uma concentração em alguns poucos lugares. São ferramentas que facilitaram muito o acesso aos conteúdos, já que antes você tinha de descobrir onde as coisas estavam, mas que viraram um negócio confortável —talvez até demais.

"É um parque de diversões onde tem tudo. Isso pode gerar um belo negócio para quem bolou e um conforto real e talvez artificial para o sujeito que se isola do resto e fica feliz com o que recebeu. Hoje, você fica parado e o conteúdo que te acha. Mas não sei se é muito bom. Tem gente que acha que o Facebook é a própria internet, não enxerga que há coisas além desse 'jardim murado, dessa bola, dessa semimundo", diz Getschko.

Se, há 25 anos, a internet existia como facilitadora para a inovação, hoje ela é protagonista de grandes revoluções. Para os próximos anos da Abranet, se desenha a enorme responsabilidade de manter um ambiente digital acessível, livre, ético e inclusivo.