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Nove denúncias que estão dando dor de cabeça para o Facebook e Zuckerberg

Mark Zuckerberg, presidente executivo e fundador do Facebook, em depoimento ao Congresso dos EUA em 2019 - Erin Scott/Reuters
Mark Zuckerberg, presidente executivo e fundador do Facebook, em depoimento ao Congresso dos EUA em 2019 Imagem: Erin Scott/Reuters

Felipe Mendes

Colaboração para Tilt*, em São Paulo

26/10/2021 04h00Atualizada em 27/10/2021 12h26

Sem tempo, irmão

  • Facebook vive dias turbulentos desde que uma ex-funcionária, Frances Haugen, vazou documentos internos para a imprensa
  • Empresa é acusada de fazer menos que o necessário para conter fake news, tráfico humano e discurso de ódio nas redes sociais
  • Resumimos todas as principais denúncias contra o Facebook em 2021 em 9 pontos

O Facebook vive semanas turbulentas desde que a ex-gerente de integridade cívica da rede social, Frances Haugen, 37, decidiu fazer uma série de denúncias contra a empresa. Além da delatora, reportagens de jornais norte-americanos como New York Times, Wall Street Journal e The Washington Post revelaram bastidores da atuação da empresa, que também é dona do Instagram e WhatsApp.

Em meio ao baque das primeiras acusações, como o Facebook saber que o Instagram é tóxico para crianças e que a empresa prioriza o lucro em detrimento da segurança, relatos de mais ex-funcionários e documentos confidenciais vieram à tona trazendo novos desdobramentos e tirando o sono da gigante de tecnologia e de seu fundador, Mark Zuckerberg.

Um consórcio de veículos de imprensa se formou para investigar o caso e, desde sexta-feira (22), novas reportagens ganharam foco no chamado de "Facebook Papers" (Documentos do Facebook, em tradução livre).

Confira nove denúncias que estão dando o que falar (das mais antigas para a mais recentes) e o que o Facebook já disse sobre:

1. O Facebook 'atrapalha a democracia'

No último dia 5 de outubro, em depoimento aos senadores dos Estados Unidos, a delatora Frances Haugen contou que um mecanismo chamado de "ranking de engajamento", pelo qual todo conteúdo postado no feed do Facebook é filtrado antes de ser distribuído na plataforma, é a principal razão pela qual as notícias falsas proliferam na rede social e ameaçam a democracia de vários países.

Ela diz que o algoritmo da rede social —e também do Instagram— dá mais destaque a posts que promovem mentiras, divisão entre as pessoas e imagens distorcidas de corpos. Haugen afirmou aos senadores que o Facebook não altera seu algoritmo porque tem como objetivo crescer no mercado, sem se preocupar com regras morais. Ou seja, o valor financeiro pesa mais.

Em resposta, Zuckerberg publicou em sua conta no Facebook que é "ilógico" pensar que a raiva seja usada para ter lucro. "É difícil acompanhar uma cobertura que representa de maneira errada o nosso trabalho e as nossas motivações. No nível mais básico, acredito que muitos de vocês não reconheçam a falsa imagem da empresa que foi apresentada", afirmou.

Citando as mudanças feitas pelo Facebook ao longo dos últimos anos, Zuckerberg ainda afirmou que "não é verdade" que "nós priorizamos o lucro em detrimento da segurança e do bem-estar".

"Nós ganhamos dinheiro através de publicidade, e os anunciantes têm dito de forma constante que não querem seus anúncios próximos de conteúdos ruins ou raivosos", completou na época.

2. Zuckerberg sabe de tudo

As acusações da ex-gerente de integridade cívica do Facebook não pararam por aí. Ela acusou o bilionário Mark Zuckerberg de conhecer bem sua plataforma e não agir perante nenhuma anomalia.

Para ela, a decisão de não fazer nada, em última análise, cabe a Zuckerberg. "A estrutura de ações do Facebook dá a ele o poder de voto final sobre a empresa e sua direção", afirmou aos senadores. Logo, grandes decisões de estratégia que a empresa adota seriam de conhecimento de seu atual presidente-executivo.

3. Tóxico para adolescentes

Ainda segundo Haugen, o Facebook tem um impacto negativo em pessoas com até 14 anos. Ela diz que pelo menos 600 mil jovens e crianças abaixo dessa faixa etária estão registrados na rede social, e que a empresa sabe.

De acordo com a ex-funcionária, o ranking de engajamento direciona meninas e meninos na faixa dos 14 anos a conteúdos relacionados a anorexia, por exemplo. O vício no Instagram por parte de crianças e adolescentes também é de conhecimento da empresa, segundo ela.

Frances afirmou aos senadores que o Facebook atua conscientemente para atrair novos usuários jovens, pois sabe que o crescimento e sustentabilidade da empresa depende da atração desse perfil de pessoas.

4. "Violência em todo o mundo"

A ex-funcionária também afirmou que o Facebook ganha mais dinheiro ao alimentar discursos de ódio e divisionistas em sua plataforma. "Quanto mais você sentir raiva, mais vai interagir, mais conteúdo vai consumir", criticou.

Ela explicou que, ao determinar quais conteúdos mostrar para cada pessoa, o algoritmo é orientado a priorizar aqueles que geram reações negativas. "A versão atual do Facebook está destruindo nossas sociedades e causando violência étnica em todo o mundo", disse aos congressistas.

Procurado por Tilt para comentar as denúncias mais recentes, o Facebook encaminhou um texto assinado por Miranda Sissons, diretora de políticas de direitos humanos da plataforma, e por Nicole Isaac, diretora internacional de resposta estratégica, que diz que a rede "age rapidamente para remover conteúdo que viola nossas políticas" em países que estão sob "risco de conflito ou violência".

5. Regras não valem para todos

Em teoria, ninguém pode postar nudez, cometer crimes de ódio, assédio ou espalhar fake news no Facebook, certo? Segundo a imprensa dos EUA, porém, essas regras não valem para todos. O WSJ revelou que que o Facebook oferece privilégios para um seleto grupo de celebridades, jornalistas e políticos. Algumas pessoas não são obrigadas a seguir todas as normas de uso da rede social.

Um programa chamado de "XCheck" foi criado dentro da empresa para proteger esse seleto grupo da fiscalização comum da companhia e acaba blindando os membros que violam as regras. Entre os privilegiados estariam pessoas com muitos seguidores como o brasileiro Neymar Jr., o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o próprio Mark Zuckerberg e outras milhares de pessoas.

6. Tráfico de pessoas

Documentos levantados pelo WSJ mostram que as plataformas do Facebook são usadas por traficantes de pessoas no Oriente Médio para atrair mulheres para situações abusivas de trabalho. Grupos armados da Etiópia e cartéis de drogas no México também usam a rede social para recrutar mais pessoas para os crimes.

Foram os próprios funcionários do Facebook que descobriram isso, em estudos internos. Mas a empresa não resolve o problema mesmo assim, segundo a reportagem. Os documentos também mostram que, em alguns casos, não há funcionários que falem a língua do país onde os crimes são cometidos, o que dificulta ainda mais a moderação do conteúdo.

7. Eleições, invasão do Capitólio e teoria da conspiração

Funcionários do Facebook já denunciavam problemas com fake news na rede social pelo menos um ano e quatro meses antes das eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos. Mas, novamente, a empresa não tomou as atitudes necessárias para mitigar o problema, de acordo com as denúncias dos últimos dias.

Em novembro do ano passado, quando ficou claro que Joe Biden havia derrotado o então presidente, Donald Trump nas eleições, um cientista de dados do Facebook avisou aos colegas que 10% de todos os cliques em conteúdo político nos EUA rolaram em posts que diziam que a eleição havia sido roubada.

O NYT também diz que a rede social tinha conhecimento de que grupos extremistas estavam tentando polarizar os eleitores antes da eleição, e que estavam espalhando mentiras após a derrota de Trump dentro da plataforma, mas não tomou medidas contra isso.

Em artigo assinado por Guy Rosen, vice-presidente de integridade do Facebook, sobre as eleições, a empresa diz que desenhou, sim, uma estratégia para "proteger a eleição de 2020 nos EUA", e que esse esquema durou desde antes do início do ciclo eleitoral até o dia da posse presidencial, em 2021.

As reportagens também acusam os algoritmos de recomendações de conteúdos do Facebook de contribuírem para a disseminação da teoria da conspiração QAnon, que defende sem provas a ideia de que Donald Trump luta contra pedófilos e adoradores de Satanás do mundo empresarial e da imprensa.

Em outubro de 2020, a rede social classificou o movimento QAnon como perigoso e disse que intensificaria a remoção de contas e publicações relacionadas.

8. Índia 'fora de controle'

Outra denúncia grave de segunda-feira (25) partiu da agência de notícias Associated Press, e tem relação com as operações do Facebook na Índia. Por lá, a rede social tem falhado em combater discurso de ódio, em especial contra muçulmanos.

Os documentos vazados apontam que parte do problema está ligada ao algoritmo do Facebook, que promove e recomenda páginas com discurso de ódio consistentemente. Além disso, internamente, a empresa classifica a Índia como um dos países mais "em risco" do mundo, dando prioridade a idiomas como o hindi e o bengali em sua moderação de discurso.

Em artigo compartilhado em seu site, o Facebook diz que possui, desde 2018, equipes com experiência em questões como direitos humanos, discurso de ódio, desinformação e polarização. Dessa forma, explicam, "quando respondemos a uma crise, implantamos suporte específico de país conforme necessário".

"A complexidade desses temas", segue o documento, "significa que nunca haverá uma solução única que funcione para todos. Nosso trabalho nunca estará concluído e exige vigilância e investimentos constantes".

9. Censura no Vietnã

Segundo o WSJ, o governo do Vietnã fez pressão para que o Facebook censurasse posts dos dissidentes do regime, e que o próprio Zuckerberg pessoalmente deu aval para que a empresa cedesse ao pedido. Em 2020, a rede social mais do que dobrou o número de postagens censuradas de um semestre para outro: de 834 nos primeiros seis meses para mais de 2.200 no segundo semestre.

De acordo com o relatório Human Rights Watch de 2021, o governo vietnamita, sob o comando do Partido Comunista do Vietnã, aumentou as restrições à liberdade de expressão, manifestação e religião sistematicamente desde 2020.

*Com matéria de Aurélio Araújo