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Terra plana sem vez: YouTube explica como recomendações de vídeos funcionam

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Aurélio Araújo

Colaboração para Tilt, de São Paulo

20/10/2021 04h00

Embora a maioria dos vídeos colocados no YouTube sobre o formato da Terra defenda erroneamente que ela é plana, os conteúdos são menos vistos que aqueles que mostram o verdadeiro formato circular do planeta. É o que garante Cristos Goodrow, vice-presidente de engenharia da plataforma de vídeos.

Em conversa sobre o sistema de recomendações da plataforma de vídeos na segunda-feira (18) com jornalistas da América Latina, Europa e Canadá, Goodrow usou o exemplo da Terra plana para mostrar que esses vídeos, embora façam parte do acervo do YouTube, interessam apenas a uma minoria de espectadores. Por isso, não são promovidos pelas recomendações do site.

Assim, se você está tentando alcançar uma grande audiência, fazer um vídeo contrariando a ciência e afirmando que a Terra é plana "é uma estratégia terrível", afirmou Goodrow.

Cristos Goodrow - Reprodução - Reprodução
Cristos Goodrow
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Recomendação de vídeos: o que são e como funcionam

A recomendação de vídeo no YouTube é uma espécie de indicação de conteúdos que a plataforma faz para cada visitante.

Os vídeos recomendados aparecem em dois lugares principais: na homepage do YouTube, a cada vez que se acessa o site, e nos vídeos sugeridos para assistir depois que você termina de ver algo.

Nos primórdios da plataforma, de acordo com o executivo, o YouTube recomendava vídeos com base na sua popularidade na rede. Mas, se as publicações mais vistas eram, por exemplo, videoclipes de bandas que faziam sucesso naquele momento, quem não se interessava por elas via pouca utilidade nas recomendações.

Por isso, há cerca de uma década, o YouTube passou a fazer recomendações personalizadas, com base nos vídeos que cada um dos espectadores assistia quando acessava a plataforma.

Havia um risco, porém, dessa mudança gerar um efeito de "bolha", em que alguém só tivesse acesso a um determinado tipo de vídeo, mesmo que fosse algo cientificamente questionável (como a teoria da Terra plana, por exemplo) ou que colocasse essa pessoa em perigo.

Sobre isso, Goodrow afirma que as mais recentes adaptações adotadas na plataforma protegem, digamos assim, as pessoas de ficarem presas nessa "bolha de conteúdos". Ao não recomendar vídeos que tenham informações duvidosas como os mencionados, mesmo que alguém eventualmente veja um desses vídeos, essa pessoa não fica imersa apenas naquela categoria.

"A desinformação só é atrativa para uma pequena parcela dos espectadores", afirmou. "O resto não se importa com ela."

O que o algoritmo leva em consideração?

De acordo com informações da empresa, o algoritmo da plataforma passeia pelos bilhões de vídeos que estão disponíveis nela para tentar entender o gosto de cada espectador.

Além de se basear no histórico de visualizações e preferências de cada pessoa, também entram em conta nas recomendações a performance do vídeo, ou seja, seu sucesso na plataforma, e fatores externos, como, por exemplo, o fato de pertencer a uma fonte oficial (explicamos como funciona a seguir) ou não.

O YouTube leva em conta ainda quantas vezes um vídeo é clicado, a média de tempo que as pessoas levam assistindo-o, o número de comentários e pesquisas de satisfação em que o espectador classifica aquele material como tendo de uma a cinco estrelas.

Segundo Goodrow, apenas os vídeos que obtêm quatro ou cinco delas são considerados "valiosos" para a pessoa que consumiu aquele conteúdo.

O que são "fontes oficiais"?

Além de recomendações personalizadas com base no que o YouTube acha que você vai gostar de ver, estão também vídeos informativos e com as últimas notícias compartilhadas pelas chamadas "fontes oficiais", que o YouTube começou a promover a partir de 2017.

Essas fontes são canais e vídeos que, por alguma razão, tenham autoridade sobre o que estão falando. Portanto, quando se busca algo relacionado, por exemplo, às notícias do dia, a busca traz vídeos recomendados sobre o assunto, produzidos por grandes veículos de imprensa.

Questionado sobre como é possível determinar que uma fonte de informações é mais confiável do que a outra, o executivo disse que existem "avaliadores de conteúdo" em várias partes do mundo, para medir o quão confiável é cada fonte, com base nas informações que elas divulgam.

A opinião de um avaliador, explica Goodrow, é comparada com a do outro, para que a confiabilidade das fontes seja revisada por mais de uma pessoa. Se, por exemplo, um grande veículo de imprensa passar a publicar conteúdo considerado como desinformação, seu grau de confiabilidade passa a ser reduzido.

"E isso diminui a autoridade deles. E eles deixam de ser promovidos", disse Goodrow.

Um passo para trás, dois passos para frente

O executivo, que está à frente dos mecanismos de recomendações do YouTube desde 2011, quando foram criados, explicou que alguns ajustes feitos já levaram a uma redução de visualizações no YouTube. No entanto, esse efeito inicial costuma ser revertido pouco tempo depois, quando os espectadores entendem as adaptações feitas.

Em 2015, quando, de acordo com Goodrow, sua equipe notou que as recomendações estavam promovendo de forma excessiva conteúdos que ele classificou como "de tabloide", com títulos sensacionalistas ("você não vai acreditar no que aconteceu", por exemplo), isso foi revisto. Houve então uma queda de audiência nos vídeos que usavam essa estratégia para atrair mais internautas.

Porém, depois de cerca de dois meses e meio, segundo ele, essa tendência foi revertida e a audiência voltou a crescer. A isso, Goodrow atribuiu o aumento na "qualidade da experiência" que os espectadores tiveram.

Conteúdo limítrofe

Em 2019, uma outra reforma no sistema de recomendações da plataforma resultou em uma queda de 70% no tempo de visualização de vídeos na plataforma.

Naquele ano, a medida tomada para aperfeiçoar esse sistema de recomendações foi, além de deixar de promover conteúdos considerados como desinformação, parar também de recomendar o que ele chamou de "conteúdo limítrofe" - ou seja, vídeos que chegavam muito perto de espalhar fake news, mas que evitavam certos termos ou palavras, para que não fossem detectados pelo sistema.

Ou seja, de alguma forma, os criadores de vídeos aprenderam a driblar os padrões adotados pelo YouTube, fazendo conteúdo que chegava ao limite, mas que não cruzava objetivamente a linha do que a plataforma caracteriza como informação falsa.

Uma queda na audiência, aliás, também foi registrada quando o conteúdo das chamadas fontes oficiais passou a ser promovido, em detrimento de outros canais. Ainda assim, o executivo explica que essas quedas já foram revertidas e que o que houve, na verdade, foi um aumento da audiência dessas fontes.

"Por que temos recomendações? Um jeito de responder essa pergunta é que as pessoas não veriam tanto valor no YouTube se não fosse pelas recomendações", disse, defendendo o sistema.