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Justiça de SP obriga Uber a pagar férias e 13º salário a motorista

Motorista teve na Justiça vínculo empregatício reconhecido com a Uber -
Motorista teve na Justiça vínculo empregatício reconhecido com a Uber

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

09/07/2020 18h48

Sem tempo, irmão

  • Motorista tem vínculo empregatício com a Uber reconhecido na Justiça de SP
  • Juíza exige que empresa pague aviso prévio, 13º salário e férias a condutor
  • Magistrada rebateu argumentos do app e questionou seu modelo de negócio
  • Uber diz que irá recorrer da decisão e que não há vínculo de emprega com motoristas

A Justiça deu ganho parcial de causa a um motorista brasileiro que exigia vínculo empregatício e pagamento de direitos trabalhistas pelos seus serviços para a Uber. O caso tramita na 86ª Vara do Trabalho de São Paulo, no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 2ª Região.

Na decisão, a juíza substituta Raquel Marcos Simões rebate os argumentos da empresa e concede alguns direitos trabalhistas relacionados ao tempo em que o ex-motorista fez viagens pelo app, entre 6 de junho de 2016 e 5 de fevereiro de 2018. A informação foi inicialmente dada pelo site Migalhas e confirmada por Tilt.

O motorista, que terá o nome preservado pela reportagem, relatou à Justiça um salário médio mensal de R$ 2.222,51 como condutor no app. No processo, ele pede o valor de R$ 61.838,82 em direitos não pagos pela Uber.

A decisão da juíza paulista deu ao motorista os seguintes ganhos:

  • Reconhecimento do vínculo empregatício no período trabalhado
  • Reconhecimento de que a dispensa ocorreu sem motivo e por parte da Uber
  • Pagamento de aviso prévio, 13º salário, férias acrescidas de um terço e recolhimento do FGTS inclusive sobre verbas rescisórias, acrescidos de 40%

A decisão inicial foi proferida em 5 de março deste ano e reforçada em partes em 15 de junho, após embargos da Uber questionando a decisão. Em 30 de junho, houve encaminhamento da conclusão do caso, já assinado pela juíza titular Luciana Cuti de Amorim.

Não é a primeira vez

Apesar da grande discussão e polêmica sobre a relação entre a Uber e seus motoristas, decisões do tipo são raras ainda no Brasil. Em março deste ano, outra decisão da Justiça do Rio Grande do Sul exigiu que o app reconhecesse o vínculo empregatício com um motorista.

A questão também é discutida lá fora. Na França, tribunais superiores reconheceram em março o vínculo empregatício entre a Uber e um motorista.

No ano passado, a Califórnia aprovou uma lei que obriga que todos os aplicativos da chamada "economia de bico" registrem e paguem direitos trabalhistas a seus "parceiros", como os apps gostam de chamar os condutores. Em maio, o estado americano processou a Uber por "classificarem incorretamente" seus motoristas como contratados e não como funcionários, violando a lei estadual.

A Uber afirma a Tilt que irá recorrer da decisão da Justiça de São Paulo e que isso "representa um entendimento isolado, contrário a diversos casos já julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo desde 2017". Veja ao fim deste texto o posicionamento completo da empresa.

Os principais pontos da decisão

Em longa decisão, a juíza substituta rebateu praticamente todos os argumentos da Uber para encaixar sua relação com o motorista de forma "parceira", como um funcionário autônomo.

Modelo de negócio da Uber

Nos autos, a Uber alegou que não é uma empresa de transporte, mas sim de tecnologia, e "os motoristas são seus clientes (ou seja: são os motoristas que remuneram a reclamada e não a reclamada que remunera os motoristas)".

A juíza diz que a justificativa não faz sentido e, para isso, usou a legislação sobre a comercialização do uso de plataformas digitais —isto é, a licença de uso de software. O argumento é que a Uber não cobra uma licença pelo uso do app aos motoristas. E conclui que a Uber remunera seus motoristas, não o contrário.

A relação Uber-motorista

Outro ponto tocado foi a relação entre o aplicativo e o motorista. Após analisar notas fiscais, a natureza da operação foi vista como "intermediação de negócios". Segundo a juíza, isso pressupõe uma intervenção no serviço alheio, já que o intermediador não seria o dono do negócio.

Ela nota, no entanto, que isso entra em conflito com os termos de uso do aplicativo, já que é a Uber que define os pontos principais da atividade do motorista e o contrato não pode ser alterado pelo condutor. Além disso, é a Uber quem define o preço do serviço e cobra uma taxa variável definida pelo app.

O fato de a Uber poder desativar motoristas a seu critério também é um argumento usado pela magistrada. A contratação de um seguro de acidentes por parte do aplicativo ainda pesa contra o argumento de intermediadora usado pela empresa, de acordo com a decisão.

Trabalho eventual

Outro argumento famoso da Uber é que os motoristas fazem seus próprios horários e têm autonomia. Para a juíza, "a falta de determinação de um horário de trabalho, por si só, não afasta a possibilidade de o trabalho ser realizado de forma habitual e essa análise depende de cada caso concreto".

O entendimento da juíza é que a única liberdade do motorista é o horário de ligar o aplicativo, já que durante seu funcionamento cancelamentos ou recusas de viagens podem impactar em bloqueios do aplicativo do motorista.

Decisão do STJ

A juíza rebate a alegação de que a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em decisão do ano passado, impediria reconhecimento de vínculo do motorista, já que o processo anterior julgado pelo órgão envolvia danos morais e materiais. "Não houve questionamento da natureza do contrato em si, tampouco pedido de reconhecimento de vínculo de emprego e de pagamento de qualquer verba trabalhista", diz a decisão paulista.

O que diz a Uber

A Uber esclarece que vai recorrer da decisão, que é de primeira instância e representa entendimento isolado e contrário ao de diversos casos já julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo desde 2017.

Nos últimos anos, os tribunais brasileiros vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) recentemente decidiu que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas, considerando "a ampla flexibilidade do trabalhador em determinar a rotina, os horários de trabalho, os locais em que deseja atuar e a quantidade de clientes que pretende atender".

No mesmo sentido, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) também julgou que não existe relação de emprego com a Uber uma vez que os motoristas "não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício".

Em todo o país, já são mais de 470 decisões neste sentido, sendo mais de 100 delas julgadas na segunda instância da Justiça do Trabalho.