Topo

Índice de pessoas em casa cai pela 5ª semana seguida, revela monitoramento

Imagens aéreas mostram que isolamento em área nobre de SP está caindo

Carlos Madeiro e Fabiana Uchinaka

De Tilt, em Maceió e São Paulo

28/04/2020 10h00

Pela quinta semana seguida, a média de pessoas em casa caiu no Brasil, chegando a 51,5% —mesmo com um feriado nacional na terça-feira (21). É o que mostram os dados de geolocalização dos celulares compilados pela In Loco, startup brasileira que criou o IIS (Índice de Isolamento Social) e monitora diariamente a movimentação de 60 milhões de aparelhos. Calculando semana a semana, fica claro que a adesão nacional ao isolamento social está em queda:

  • 23/03 a 29/03 - 57,17%
  • 30/03 a 05/04 - 53,27%
  • 06/04 a 12/04 - 52,30%
  • 13/04 a 19/04 - 51,87%
  • 20/04 a 26/04 - 51,55%

A média do último mês (23 de março ao 23 de abril) ficou em 53,29%, sendo de 51,2% considerando apenas os dias úteis.

Na quinta-feira (22), houve um novo recorde de negativo desde que a quarentena se intensificou: apenas 46% dos brasileiros estavam isolados. Os maiores picos positivos são aos fins de semana, especialmente domingos e feriados. O máximo foi em 22 de março, quando chegou a 69,6%.

Antes dos decretos para conter a propagação do coronavírus, o IIS ficava na casa dos 28%.

  • 24/02 a 01/02 - 28,48%
  • 02/03 a 08/03 - 26,27%
  • 09/03 a 15/03 - 29,15%

No dia 17 de março, quando a primeira morte no país foi anunciada, o índice era de 29,9% (terça).

Movimentação em locais públicos

Já o Google, cujos aplicativos estão na maioria dos celulares brasileiros, usou os dados de geolocalização para calcular a movimentação em cinco categorias de locais públicos —em 29 de março, 11 de abril e 17 de abril (referentes ao período de 48 a 72 horas anteriores) na comparação com as primeiras semanas de janeiro e fevereiro (pré-quarentena).

Na categoria "comércio e recreação", o percentual foi de -71% para -55%, uma diferença de 20 pontos, parecido com parques (de -70% para -50%) —ou seja, com muita mais gente circulando. O movimento em estações de transporte público aumentou de -62% para -51%, embora a presença em locais de trabalho esteja estável (de -34% para -36%).

Em "supermercados e farmácias", serviços essenciais, o percentual passou -35% na primeira medição para -5% e -11% nas mais recentes, bem mais próximo da movimentação normal.

O percentual de pessoas em casa passou de +17% para +19%, mas o Google não explica por que a queda na movimentação em locais públicos não interfere diretamente no percentual de pessoas em casa.

Nosso índice de isolamento é suficiente?

Não há consenso sobre o número ideal de isolamento social. O chefe do Centro de Contingência no combate ao coronavírus em São Paulo, o infectologista David Uip, disse que a região metropolitana da capital pode "enfrentar o pico do Everest" caso a população não respeite o índice de 50% de isolamento social. "Isso é grave, não pode haver qualquer relaxamento na política de isolamento", afirmou. "Não vamos pagar essa conta amanhã ou depois, isso reflete nos números daqui a uma semana, duas. Tudo pode se perder."

Segundo pesquisadores brasileiros ouvidos por Tilt, qualquer número abaixo de 75% é insuficiente para evitar um colapso do sistema de saúde, provocado por um pico de casos graves de covid-19. Com UTIs lotadas e falta de respiradores, o número de mortes deve aumentar vertiginosamente.

"Dada a realidade de leitos no país, 75% seria um percentual que indica a proteção do sistema de saúde com uma certa folga", afirma Askery Canabarro, professor de Física da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e um dos autores de um artigo que faz projeções astrofísicas e matemáticas a partir dos dados divulgados pelo Google.

Foram feitas projeções considerando demanda por leitos, número de mortes e infectados em diversos cenários de isolamento —os pesquisadores fizeram uma fórmula para estimar o número real de infectados, considerando os números de pessoas em estado crítico e mortas. O modelo estratificou ainda a população em nove faixas etárias para ver os efeitos de cada uma delas.

O cálculo apontou que o isolamento seletivo (para idosos e grupos de risco), por exemplo, seria ineficiente para evitar o colapso do sistema de saúde. "Com 50% de isolamento social, o cenário é de centenas de milhares de mortes no país. Sem intensificar o isolamento, o modelo prevê um colapso na semana de 21 de abril", disse Canabarro. "Como não avaliamos a distribuição de leitos por estado, alguns entraram em colapso antes, outros depois."

Para o pesquisador Wladimir Lyra, astrônomo da Universidade do Estado do Novo México (EUA) que também estuda a curva da pandemia, o isolamento social deveria ser muito maior. "Seria necessário 70% no mínimo", diz. Ele também enfatiza que as falências no atendimento médico devem ocorrer em tempos diferentes, a depender da demanda local.

Por outro lado, um estudo que faz uma projeção bem mais modesta diz ser necessário um índice na casa de 40%. Professores da USP, da Universidade de Brasília, do Instituto Butantan e da Fiocruz cruzaram dados de mobilidade das pessoas em São Paulo e no Rio de Janeiro, com a velocidade de transmissão do vírus.

"Achamos claramente os 40% como paradigma", diz o infectologista Júlio Croda, que integrou a equipe do Ministério da Saúde e hoje colabora com o centro de contingência do combate ao coronavírus de SP. "Nós já achatamos a curva [de transmissão do vírus]", disse ele ao jornal Folha de S.Paulo. "Os dados reforçam que, se persistirmos no isolamento atual, talvez não precisemos de medidas mais restritivas. Não vamos precisar radicalizar, e a economia vai poder sobreviver de alguma forma."

O médico, porém, defende que qualquer relaxamento nos níveis atuais de restrição fará a transmissão da covid-19 crescer de novo.

Em vários estados, o sistema já colapsou ou está muito perto de não dar conta, como em Ceará, Amazonas e Pernambuco.

Como é medido o IIS, da In Loco?

A In Loco possui uma tecnologia própria que puxa de forma automatizada (bot) dados públicos gerados pelos celulares das pessoas, que normalmente são usados para direcionar publicidade. É o chamado Advertising ID, um número único que constantemente identifica os interesses dos usuários que navegam pelos serviços de plataformas como Google e Facebook. Ele serve para mostrar anúncios segmentados ou personalizados (ou "anúncios com base em interesses"), que geram receita para os apps.

Entre seus clientes, há bancos e grandes varejistas, que usam essa tecnologia em seus aplicativos para detectar possíveis operações suspeitas e evitar fraudes.

Segundo a startup, esse identificador também serve para detectar se um celular fica por períodos prolongados em determinado local. Ele envia para os servidores da empresa o endereço e o identificador de publicidade do smartphone, com isso dá para estabelecer a razão entre quem está "estacionado" e quem se desloca. Por isso, a empresa conseguiu montar um sistema de monitoramento diário, que foi usado pela prefeitura de Recife. Eles têm acesso ao identificador de 60 milhões de celulares brasileiros —o que corresponde a uma parte da população estimada do Brasil, que hoje é de 211 milhões, segundo o IBGE.

De onde vêm os dados de geolocalização?

O seu celular tem embutido um GPS (Sistema Global de Posicionamento, da sigla em inglês), que troca constantemente informações com um satélite para determinar a sua geolocalização. Isso, em geral, serve para coisas como: te ajudar a saber onde está num mapa, qual caminho tomar quando está perdido, se deve virar à esquerda ou quanto falta para chegar a um destino, onde está o seu celular perdido/roubado ou qual o nome do estabelecimento onde está para colocar na descrição de uma foto no Instagram.

Empresas como Google, dona de Google Maps, Waze e Google Fotos, e Facebook, dono de WhatsApp e Instagram, e Apple armazenam seus deslocamentos em históricos de trajetos ou locais visitados. Com esse tipo de informação, dá para saber se um celular fica no mesmo local todas as noites (que seria sua casa) e se move todos os dias para um outro (provavelmente seu trabalho).

O índice de isolamento social, neste caso, mede isso: o celular passou o dia num raio bastante próximo da localidade tida como sua casa? Entra para a estatística do grupo que respeitou a quarentena. Caso contrário, vai para o índice dos que saíram de casa.

Normalmente, você precisa ativar a função de geolocalização — alguns apps pedem autorização para enviar os dados, outros não. Quando isso acontece, eles se tornam públicos —mas há uma grande discussão sobre consentimento e direito a privacidade em jogo.

Como esses dados serão usados?

Parte dos dados de empresas como Google, Facebook e Apple são abertos para o público e qualquer pessoa pode checar, inclusive os pesquisadores e cientistas. Parte dos dados da In Loco estão no site da empresa e também podem ser consultados, mas detalhes sobre bairros e informações mais específicas não são divulgados publicamente. Ela tem parceria com cerca de 20 estados e fornece dados cartográficos e estatísticos que chegam ao nível dos bairros, mas de forma anonimizada.

Existe uma forma diferente de acompanhar aglomerações, que é pela triangulação entre diferentes antenas às quais os celulares vão se conectando no caminho. As operadoras Algar, Claro, Oi, Tim e Vivo já se comprometeram a enviar dados sobre a localização de 222,2 milhões de linhas para o Ministério da Ciência, Inovação, Tecnologia e Comunicação (MCTIC) —as cinco empresas respondem por 97,8% dos 227,1 milhões de acessos móveis no Brasil. Com esses dados, é possível montar mapas de calor que indicam maior ou menor concentração de aparelhos em uma certa área.

Esse monitoramento ainda não está sendo feito nacionalmente, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, mas acontece no estado de São Paulo, por exemplo, em parceria com Claro, TIM, Oi e Vivo. Os dados não são divulgados publicamente, só ficam disponíveis em centrais de controle. Eles monitoram cidades com mais de 200 mil habitantes —há planos de estendê-lo para municípios que tenham a partir de 30 mil moradores.

E aqui a discussão é sobre a possibilidade de individualizar os dados, o que poderia indicar cada pessoa conectada. Isso atingiria outro patamar de falta de privacidade.