Topo

A sua próxima senha pode ser uma onda cerebral

Já pensou em desbloquear o seu smartphone somente com o pensamento? Ideia gera entusiasmo (e desconfiança...) - iStock
Já pensou em desbloquear o seu smartphone somente com o pensamento? Ideia gera entusiasmo (e desconfiança...) Imagem: iStock

Marcelle Souza

Colaboração para Tilt, em São Paulo

04/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Futuramente, força do pensamento deverá conseguir desbloquear celulares e destrancar portas
  • Pesquisas mostram que cérebro humano responde a certas palavras de modo específico
  • Há, no entanto, nítidas barreiras para a implantação de tecnologias do tipo em larga escala
  • Constante transformação do cérebro durante a vida também é obstáculo para inovações

Parece coisa de ficção científica, mas há quem aposte que desbloquear o celular, autorizar um pagamento e abrir a porta de casa será possível em breve usando apenas a força do pensamento.

Isso começou a parecer ainda mais próximo da realidade quando o bilionário Elon Musk anunciou que a sua startup, a Neuralink, está progredindo em uma interface que conecta o cérebro humano a máquinas por meio da implantação de microssensores. Os primeiros testes, disse o CEO da empresa, devem ser feitos já no ano que vem.

Com essa tecnologia seria possível, por exemplo, deixar chaves e senhas de lado para desbloquear equipamentos por meio de ondas cerebrais, mas também pode ser importante para o tratamento de doenças neurológicas.

Nessa linha, um grupo de cientistas da Universdade Binghamton, nos Estados Unidos, identificou em 2015 que o nosso cérebro responde a certas palavras de modo específico, daí que essas ondas poderiam ser captadas e usadas como substitutas de senhas no dia a dia.

O estudo, publicado na revista acadêmica Neurocomputing, foi realizado com 45 voluntários. Eles tiveram os sinais cerebrais monitorados enquanto liam uma lista de 75 siglas. A partir dos dados registrados, os pesquisadores descobriram que os cérebros dos participantes reagiam de maneira diferente a cada sigla. Ou seja, seria possível identificar cada voluntário de forma relativamente precisa apenas pelo padrão cerebral.

É preciso ter calma

Apesar do entusiasmo dos pesquisadores da área, especialistas ouvidos pelo Tilt dizem que ainda há barreiras para a implantação dessa tecnologia em larga escala.

O primeiro ponto é a funcionalidade, já que hoje esses testes em laboratório são feitos com um capacete cheio de eletrodos para captar as ondas cerebrais. "Ninguém vai querer andar por aí com isso na cabeça, mas é uma questão de tempo para que esses eletrodos não fiquem mais externos e possam ser implantados debaixo da pele", afirma o coordenador de pesquisa do Instituto Santos Dumont, Edgard Morya.

Esse é exatamente o ponto em que a Neuralink investe seus esforços. A empresa está criando sensores finíssimos (cerca de 30% do diâmetro de um fio de cabelo) para conectar o cérebro a aplicativos de smartphone. "São minieletrodos. O robô os implantará delicadamente. É algo que não será estressante e que funcionará bem", disse Musk.

De acordo com o executivo-chefe, esses pequenos chips vão enviar as informações do cérebro a apps de celular por meio de aparelho auditivos especiais. Assim, a empresa pretende fazer com que seja possível controlar o aparelho apenas com o pensamento. Com o tempo, a ideia é que seja possível aplicar essa tecnologia para a comunicação com outros objetos, como braços mecânicos.

Não é só conectar cérebro-máquina

Outro desafio dos pesquisadores da tecnologia é lidar com a complexidade do nosso cérebro. Isso porque ele está em constante transformação e, no dia a dia, parece pouco viável reproduzir as condições ambientais do laboratório. No estudo feito em Binghamton, por exemplo, era nesse ambiente que os voluntários eram avaliados enquanto ouviam palavras citadas pelos pesquisadores.

Na vida real, no entanto, pode ficar difícil abrir uma porta se você estiver muito estressado, com pouca concentração ou simplesmente se a rua estiver mais barulhenta do que o normal naquele dia.

"Hoje a assertividade desse tipo de tecnologia ainda é um problema, porque tudo pode mudar o seu padrão de atividade cerebral", avalia Antonio Dianin, fundador e executivo-chefe da Project Company, empresa de inovações tecnológicas.

A terceira barreira para a sua implantação em larga escala é a segurança. "Registrar a atividade do cérebro é a parte mais fácil. Isso hoje nós já fazemos no Instituto Santos Dumont, por exemplo. O grande desafio é o processamento do sinal para produzir uma senha", afirma Morya. "O problema é que, uma vez digitalizada, seria muito fácil que um cracker conseguisse captá-la", explica o pesquisador.

Hoje as senhas criptografadas são consideradas as mais seguras. Já as biométricas (como as digitais, o reconhecimento fácil e as ondas cerebrais) funcionam com softwares que, na maioria dos casos, ainda precisam ser aprimorados, segundo os especialistas ouvidos pelo Tilt.

"Eu acho que esse tipo de código [usando onda cerebral] pode ser bem interessante sob o ponto de vista da comodidade, mas, pensando em segurança, funcionaria melhor como uma segunda autenticação", diz Dianin. Por esses motivos, ele avalia que a tecnologia não deve estar disponível comercialmente nos próximos cinco anos.