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Renato de Castro

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não é só ter sinal: quais tecnologias vão guiar o futuro de nossas cidades?

Representação artística do processador Sycamore, do projeto de computador quântico do Google - Forest Stearns/ Google
Representação artística do processador Sycamore, do projeto de computador quântico do Google Imagem: Forest Stearns/ Google

19/10/2021 04h00

Em setembro, trouxe para vocês um novo conceito, The Neural, que propõe seis camadas básicas para o entendimento e desenvolvimento de projetos e políticas de cidades inteligentes. Na última coluna, falamos sobre o conceito "The Smart City Wheel" e como ele traz uma abordagem mais realista para o desenvolvimento delas.

Entraremos agora na terceira camada do The Neural, que sucede as dimensões da cidade, chamada de tecnologias fundamentais (ou de base). Esta etapa é essencial para a construção de qualquer cidade inteligente e é dividida em hiperconectividade, infraestrutura distribuída e a capacidade computacional.

Vamos explorar um pouco mais cada uma delas a seguir.

1. Hiperconectividade

Você já parou para pensar com que frequência você tem um dispositivo conectado à internet a sua disposição? Ou, ainda, quantas vezes você utiliza seu celular para navegar, falar com um conhecido ou utilizar um aplicativo?

Se você está curioso, alguns aparelhos já têm um software que mede quanto tempo você fica online, mas esse não é nosso foco aqui, vamos falar sobre conexão nos dias de hoje e no futuro.

Antes de pensarmos em um aplicativo (app) para um município, devemos nos perguntar o quão conectada a população está, afinal, de nada adianta você ter uma solução inovadora e eficiente se ninguém tem acesso a ela.

A internet permitiu que novos serviços fossem criados e outros mais antigos fossem barateados, e não precisamos voltar muito no tempo para constatar isso.

Por volta dos anos 2000, as ligações telefônicas ainda eram fortemente baseadas em sistemas analógicos que transmitiam seus pulsos por meio de cabos submarinos que hoje já estão defasados. Por isso, uma ligação entre um país na Europa e o Brasil era ainda extremamente cara.

Hoje, não só a grande maioria das chamadas telefônicas são feitas via internet (VOIP) como, também, nós temos programas e aplicativos que nos permitem nos conectarmos diretamente uns aos outros, como é o caso do Zoom, Teams e WhatsApp.

Os que viveram a década de 90, como eu, devem se lembrar o esforço que era para se conectar à internet e abrir um site. Chamadas de áudio e vídeo eram praticamente impossíveis, pois os modems que utilizavam a linha telefônica como base para conexão atingiam a incrível velocidade de 56 kb/s.

Se você não pegou essa época, alguns sites chegavam a levar alguns minutos para carregar. Sim, éramos pacientes.

Voltando aos tempos de hoje, a banda larga permitiu que modelos de negócio evoluíssem, como o aluguel de filmes passou a ser via streaming, por exemplo, e a pandemia nos mostrou o quão valioso é não só estar conectado, mas ser o "link" dessa conexão.

Como comentamos em um texto anterior aqui na coluna, no pico dos casos de covid-19, em maio de 2020, o Zoom atingiu um valor de mercado equivalente às sete maiores companhias áreas do mundo juntas.

Vocês devem se lembrar, ainda, que muitos países permitiram que somente serviços essenciais fossem executados durante os lockdowns, e lá estavam os profissionais de telecomunicações lado a lado com as ambulâncias que atendiam à população.

O bilionário Elon Musk é um dos que apostam na hiperconexão, tanto é que uma de suas empresas, a Starlink, tem um modelo de acesso à internet via satélite acessível. Isso só é possível pois o serviço, que já está disponível em 17 países na versão beta, utiliza uma rede de milhares de "mini" satélites que está 60 vezes mais próxima da Terra do que os satélites tradicionais.

Além das conexões via satélite, estima-se que até 2030, 80% da população global terá acesso à banda alta ou banda baixa-média 5G, o que permitirá que novos serviços e modelos de negócios sejam criados.

A hiperconectividade deve influenciar principalmente as indústrias farmacêutica, de transporte e logística, automotiva, eletrônica, da informação e telecomunicações.

2. Infraestrutura distribuída

Nos primórdios da computação, o armazenamento de dados era feito em cartões de papéis que eram perfurados de modo que cada sequência de furos correspondia a um tipo de informação. Era necessário ter uma sala para somente um computador e, muitas vezes, outra para armazenar os dados gravados.

De lá para cá, a evolução tecnológica foi tão grande que o celular que levamos no bolso tem mais capacidade de armazenamento que a Apollo 11, que levou os primeiros astronautas até a Lua. Mas nós nem ao menos precisamos processar informações localmente hoje.

A computação em nuvem (cloud computing), que era timidamente utilizada há alguns anos, teve uma reviravolta durante o ano passado e este ano, e passou a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas em todo mundo.

Segundo o estudo Tech-Trends-Executive Summary 2021, da renomada empresa de consultoria McKinsey & Company, 75% de todos os dados gerados por empresas serão processados via edge ou cloud computing até 2025, o que deve fazer com que a demanda por infraestrutura de TI local caia e a procura por desenvolvimento de software aumente.

Nesse cenário, a infraestrutura distribuída influenciará principalmente as indústrias automotiva, da informação e das telecomunicações.

3. Capacidade computacional

Diferentemente das duas primeiras tecnologias, aqui não falamos de infraestrutura, mas sim de um facilitador, ou como dizemos em inglês, um enabler.

Se pararmos para comparar os computadores de hoje com os do século passado, nada mudou em termos conceituais: todos utilizam a lógica binária (0 ou 1) para processar informações e comandos. Contudo, a computação quântica tem ganhado cada vez mais espaço para além dos laboratórios de testes.

Ao invés de ser baseada no sistema binário, a computação quântica trabalha com átomos, fótons ou partículas subatômicas, o que abre portas para que atividades complexas sejam executadas em períodos cada vez menores.

Enquanto em computadores tradicionais a passagem de corrente elétrica determina o que será feito, os quânticos verificam a polarização de um fóton, níveis de energia de um aglomerado de átomos, entre outros.

Nada mais é do que ciência pura dentro da computação, o que permite que operações sejam realizadas 100 milhões de vezes mais rápidas do que qualquer computador "clássico".

Estima-se que em 2035 o mercado da computação quântica valerá mais de US$ 1 trilhão e a fusão de ciência e tecnologia não para por aí.

O chip neuromórfico passou a ganhar mais notoriedade agora e foi desenvolvido com base em como o cérebro humano processa informações, ou seja, diferentemente dos chips que utilizávamos até agora, os neuromórficos interpretam dados e respondem de maneiras que não são especificamente programadas.

É inteligência artificial e sistemas de deep learning e machine learning aplicados diretamente no centro de processamento de uma máquina que influenciarão principalmente as indústrias farmacêutica, química, eletrônica, da informação e das telecomunicações e permitirão altos níveis de personalização, a quebra de boa parte dos algoritmos de criptografia que temos hoje e a difusão de veículos autônomos.

Imaginem, agora, quando essas três tecnologias se cruzarem em nossas cidades com outras como inteligência artificial, internet das coisas e digital twins. É muita novidade chegando para ajudar nossas cidades a se tornarem mais inteligentes!

Fique de olho aqui na coluna, pois na próxima semana vamos começar a explorar os pilares urbanos contemporâneos.

Preparem-se para muita novidade e discussão pois eles são trinta no total.

Nos vemos no próximo texto.