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Não é só joia: diamante pode revolucionar ida a Marte e supercomputadores

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Imagem: Pixabay

Texto do autor convidado Luiz Martins*

Poucos materiais despertam tanto o interesse humano quanto o diamante. A cobiça por essa pedra preciosa, geralmente associada a poder e riqueza, já gerou, e ainda gera, conflitos mundo afora. O que nem todos sabem é que, além do seu controverso uso em joias, o diamante tem importantes aplicações tecnológicas.

Devido a sua extrema dureza e baixa reatividade química, diamantes têm sido usados em bisturis para cirurgias, em brocas para extração de petróleo em alto mar e até para exploração do solo em Marte, como utilizado pela sonda Spirit em 2004.

Além disso, sendo o diamante um excelente condutor térmico, ele tem também sido utilizado em componentes eletrônicos para dissipação de calor, tornando os aparelhos eletrônicos mais eficientes e evitando aquecimento excessivo dos componentes. Até os defeitos na estrutura de um diamante, geralmente presentes em sua composição, têm sido explorados recentemente para o uso em computação quântica.

''Ok, legal, mas por que alguém teria interesse em um diamante ultrafino?''

Para responder a essa pergunta, é preciso falar de outro material a base de carbono: o grafeno. Ele foi o primeiro material bidimensional (2D) a ser isolado. Ele é considerado bidimensional por ter apenas um átomo de espessura, e possui propriedades bastante diferentes do seu ''material mãe'' —o grafite, um material tridimensional (3D).

O grafite é formado por lâminas e cada uma dessas lâminas tem um átomo de espessura. Se uma dessas lâminas for isolada, obtemos o grafeno. Ao contrário do grafite, no grafeno os elétrons se movem como se não tivessem massa, podendo atingir altíssimas velocidades.

A ideia básica é que as leis físicas que governam o comportamento dos objetos do mundo submicroscópico, como dos elétrons que se movem nos materiais, são bastante diferentes das leis que governam os objetos do nosso dia a dia, como bolas, carros, etc. Esse mundo do muito pequeno é explicado pela mecânica quântica.

Quando reduzimos a espessura do material, do 3D para o 2D, esses fenômenos do mundo quântico ficam mais acessíveis, e novas propriedades completamente inusitadas podem surgir no material. Portanto, voltando à pergunta inicial do porquê do interesse em se obter um diamante ultrafino; o motivo é combinar as propriedades excelentes do diamante (3D) com novas propriedades que podem surgir do mundo 2D.

E como fazer isso?

Uma escolha natural parece ser aplicando altas pressões, já que é possível sintetizar diamante comprimindo-se o grafite a altas pressões e altas temperaturas. Então faz sentido pensar que ao se pressionar duas camadas de grafeno (versão 2D do grafite), elas podem originar um diamante 2D.

O primeiro experimento a indicar a ocorrência desse fenômeno foi feito no Brasil e publicado em 2011 por pesquisadores da UFMG. Nesse experimento, os pesquisadores comprimiram duas camadas de grafeno usando uma ponta fina, com diâmetro aproximadamente mil vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo, e obtiveram evidências da formação desse diamante 2D. Além disso, cálculos teóricos, também feito por pesquisadores da UFMG, mostraram que esse diamante teria propriedades bastante diferentes do diamante comum, incluindo magnetismo!

Na época em que esse estudo foi feito, eu era aluno de mestrado em Física na UFMG e me interessei bastante pelo assunto. Conversando com meu orientador, decidimos investigar mais o tema, e fizemos novos experimentos, em uma parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Nesses experimentos, comprimimos uma bicamada de grafeno usando uma célula de bigorna de diamante. Com esse método, é possível atingir pressões da ordem de dez mil vezes a pressão atmosférica.

Para investigar essa possível transição entre grafeno para diamante 2D, utilizamos uma técnica chamada Espectroscopia Raman. Com essa técnica, partindo da pressão ambiente, aumentamos a pressão em pequenos passos e a cada valor de pressão, iluminávamos a amostra com um laser e coletávamos a luz que ela emitia.

Um dos principais processos Raman consiste em três etapas:

  1. O material absorve um fóton - partícula de luz - do laser;
  2. Parte dessa energia absorvida é convertida em um modo de vibração --maneira específica que os átomos desse material vibram;
  3. Um fóton é emitido pelo material.

Então, pela diferença de energia entre o fóton do laser e o fóton que é detectado, temos a energia associada ao modo de vibração do material.

Materiais diferentes ''vibram'' de maneira diferente e com energias diferentes e, dessa forma, podemos descobrir a identidade do material, analisando luz que ele emite nesse processo.

Por meio de uma mudança nessa energia da vibração, detectamos evidências de uma transição de grafeno para diamante 2D. Esse trabalho foi publicado em 2017 e teve uma boa repercussão internacional, sendo inclusive postado na página do Facebook do Prêmio Nobel.

É importante ressaltar que em ambos os estudos, quando a pressão era liberada, o material voltou a ser grafeno. Além disso, esses trabalhos obtiveram importantes indícios da existência desse material, mas para uma conclusão definitiva, mais estudos seriam necessários.

Dessa forma, foi dada a largada para uma ''corrida'' pela síntese do primeiro diamante bidimensional. Desde então, é crescente o número de trabalhos, realizados por diversos grupos ao redor do mundo, que mostram novas evidências da sua existência.

No final de 2019, pesquisadores da Coreia do Sul publicaram um trabalho reportando a síntese de um diamante bidimensional estável em condições ambientes através de uma reação química do grafeno com flúor, sem envolver elevadas pressões. Apesar de ainda não ser consenso, esse trabalho foi o primeiro a mostrar a existência do diamante 2D através de técnicas diferentes.

Ciência é feita por etapas e ainda há muito a ser explorado com relação a esse material, mas é gratificante saber que o pontapé dessa ''corrida'' foi dado por pesquisadores brasileiros.

*Luiz Martins possui graduação em Engenharia Química e mestrado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é doutorando no Departamento de Física do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na área de física do estado sólido experimental. Sua pesquisa abrange o estudo de espectroscopia óptica em materiais bidimensionais, (com poucos átomos de espessura) e física de altas pressões.