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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Telegram rebelde ou obediente? Qual dos dois vai funcionar nas eleições?

Telegram vai cooperar com autoridades judiciais ou vai se rebelar durante as eleições 2022 no Brasil? - Getty Images
Telegram vai cooperar com autoridades judiciais ou vai se rebelar durante as eleições 2022 no Brasil? Imagem: Getty Images

28/03/2022 04h00

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Email inválido

Existem dois Telegrams por ai. Um é o que respondeu à ordem judicial de bloqueio emitida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Essa é uma empresa que precisa melhorar a sua dinâmica de leitura de e-mails, mas que se comprometeu a iniciar um diálogo com as autoridades brasileiras e a combater a desinformação em sua plataforma. Ela também tirou do ar postagens e contas ordenadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Essa empresa apontou um representante legal no Brasil e disse que vai monitorar diariamente os 100 canais mais populares no país, já que eles respondem por 95% de todo o conteúdo público que roda por aqui.

Esse Telegram já entrou em contato com agências de checagem de fatos locais e vai passar a ler a imprensa nacional em busca de contexto para aperfeiçoar suas decisões sobre moderação.

Um outro Telegram, completamente diferente, é aquele que —nas palavras da Polícia Federal, transcritas na decisão do ministro Alexandre de Moraes— "é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países."

Essa é a empresa que se vangloria de não entregar dados de seus usuários para governos e de fazer uma moderação de conteúdo bastante reduzida.

Segundo a Polícia Federal, isso seria até uma "vantagem com relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal."

Essa empresa rebelde espelha, em certa medida, as convicções de seu fundador, Pavel Durov. Conhecido como o Zuckerberg russo, ele fundou não apenas o Telegram, mas também criou a VK, principal rede social na Rússia. Ao longo dos anos não faltaram disputas entre as empresas de Pavel e o governo russo.

Os conflitos entre grandes empresas de tecnologia globais e governos nacionais marcaram os últimos anos.

Não deixa de ser curioso que, quando Mark Zuckerberg e Pavel Durov se encontraram para um jantar em 2009 um dos temas do encontro tenha sido a expansão das redes sociais para além das fronteiras "ultrapassadas" dos Estados.

Qual dos dois Telegrams vai operar no Brasil durante as eleições? O que lê e-mail e cumpre as ordens judiciais ou o que ignora as tentativas de contato e se recusa a moderar conteúdo na sua plataforma?

Se os acontecimentos que se seguiram à ameaça de bloqueio parecem indicar que vai prevalecer a primeira opção, vale olhar com mais cuidado para duas questões.

A primeira é que, segundo apurado, a empresa não fez contato com as agências de checagem indicadas na sua resposta. Mau sinal.

A segunda é que na seção de perguntas frequentes do site da empresa está dito que o Telegram só modera conteúdos públicos, como canais, stickers e bots.

Acontece que o Telegram permite a criação de grupos, públicos ou privados, de até 200 mil inscritos. Se a empresa adotar a postura de não moderar conteúdo e contas nesses grupos, os esforços de monitoramento em canais públicos pode ser frustrado, já que vai ser nesses grupos que o conteúdo danoso e a desinformação vai livremente circular.

Quem acredita em uma mudança de postura por parte do Telegram deposita as suas fichas em um argumento de natureza econômica.

Não apenas o Brasil é um mercado atrativo para a plataforma, com seus milhões de usuários, bem como a empresa pode estar mirando mais na frente uma operação de negociação de ações em bolsa.

Caso a empresa efetivamente siga nessa direção, a última coisa que os acionistas vão querer é que seus diretores ignorem as autoridades de países relevantes para o seu negócio, sofrendo ordens de bloqueio, como a expedida pelo STF.

Não vai demorar para descobrirmos qual Telegram vai funcionar no Brasil durante as eleições.

Se for o que cumpre as determinações judiciais, essa será uma mudança radical na postura da empresa.

Se for o Telegram que ignora as comunicações e permite conteúdos danosos, quando chegarem as eleições talvez não tenha Telegram algum funcionando por essas bandas.