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Carlos Affonso Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pode proibir? Veja 3 dúvidas que ainda rondam a censura a filme de Gentili

Cena de "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", filme baseado em livro de Danilo Gentili - Divulgação/Paris Filmes
Cena de "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", filme baseado em livro de Danilo Gentili Imagem: Divulgação/Paris Filmes

18/03/2022 04h00

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O Ministério da Justiça determinou na última segunda-feira (15) que diversas plataformas digitais —como Netflix, Amazon, GloboPlay, Apple TV e YouTube— suspendessem a disponibilização do filme "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola", baseado em livro homônimo do humorista Danilo Gentili.

A decisão se baseia na proteção das crianças e dos adolescentes, já que o filme contém uma cena em que um adulto, interpretado por Fábio Porchat, tenta chantagear dois menores a praticarem ato libidinoso com o mesmo.

O ator afirmou que o filme não faz apologia da exploração sexual de menores, mas sim a vilaniza. Nas redes sociais, diversos usuários expressaram revolta com a cena.

Mas será que a decisão de proibir o filme como um todo foi acertada? E quais são os próximos passos dessa controvérsia? Aqui vão três pontos para ficar de olho nessa disputa.

1. O certo seria reclassificar (e não proibir)

O próprio Ministério da Justiça, em 2017, classificou o filme como sendo inapropriado para menores de 14 anos. Se agora, com a agitação das redes, o Ministério entende que errou, o certo a se fazer seria reclassificar o filme como inadequado para menores de 18 anos, e não simplesmente proibir a sua disponibilização.

Ao que parece, o Ministério resolveu seguir os dois caminhos.

No dia seguinte ao anúncio da proibição, o Ministério subiu a classificação do filme para 18 anos.

Qual o motivo de se alterar a classificação de um filme já proibido? Provavelmente o próprio Ministério conta com a derrubada judicial da proibição e por isso já aumentou a classificação etária.

Vale lembrar que outros filmes e séries disponíveis online também contêm cenas e roteiros que retratam episódios de exploração sexual de crianças e de adolescentes.

O drama argentino "Vosso Reino" (classificação 16 anos), da Netflix, explora o uso político da religião através da campanha presidencial de um pastor envolvido em casos de pedofilia.

Na série cômica "Family Guy" (classificação 14 anos), disponível no Star+, o personagem John Herbert é um idoso que tenta seduzir o adolescente Chris Griffin.

Em tempo: a cena do filme de Danilo Gentili é desagradável e não tem graça nenhuma. Mas a decisão do Ministério Público, ao ordenar a suspensão imediata de filme que está em exibição desde 2017, não contribui para que se avance no debate sobre o tema.

A exploração sexual de menores existe e precisa ser debatida e combatida. Obras de ficção que abordem o tema podem auxiliar nesse processo.

2. Como o YouTube vai cumprir a decisão?

O Ministério da Justiça ordenou que diversas plataformas digitais suspendam a disponibilização do filme. A decisão cita Netflix, GloboPlay, Amazon, Apple e YouTube.

Acontece que, diferente das demais, o YouTube não é uma plataforma de distribuição centralizada de conteúdo.

A Netflix, por exemplo, para cumprir a decisão bastaria remover o acesso ao filme de seu catálogo para assinantes brasileiros. Já o YouTube congrega todo um universo de publicações que são feitas diretamente por seus usuários.

Como deveria o YouTube cumprir a decisão do Ministério da Justiça? Deveria remover apenas publicações contendo a íntegra do filme? Ou apenas as que contenham a cena controvertida? Todas as demais publicações contendo outras partes do filme podem continuar online? E os diversos vídeos em que professores, pastores e influenciadores discutem a exploração de menores no filme? Esses saem ou ficam?

O Marco Civil da Internet, em seu artigo 19, §1º, determina que as decisões judiciais que ordenem a remoção de conteúdo na rede contenham a sua "identificação clara e específica" que permita a "localização inequívoca do material".

Por mais que nesse caso se trate de uma ordem administrativa, é preocupante uma autoridade expedir comandos cujo cumprimento ninguém sabe como vai atender.

Essa é receita para frustrações de ambas os lados. As autoridades podem sempre continuar cobrando algo mais porque, no seu entendimento, a obrigação ainda não foi cumprida (e punir a empresa por isso). Já a empresa, por sua vez, nunca tem clareza de quando efetivamente atendeu à demanda das autoridades.

3. Podem as empresas se recusar a cumprir a ordem do Ministério?

Por falar em cumprimento da decisão, esse é talvez o ponto mais delicado do caso. A decisão administrativa do Ministério da Justiça é controvertida. Ela parece ter atropelado processos internos para suspender o filme e seu conteúdo certamente renderá debates jurídicos.

Mas será que podem as empresas que são alvo da decisão optarem por não cumpri-la? Ao entender que a decisão é inconstitucional, as empresas poderiam recorrer em vias administrativas, como também buscar uma decisão judicial que amparasse —ainda que liminarmente— essa postura.

O risco aqui é legitimar no debate público a possibilidade genérica de não cumprimento de decisões. Isso é tudo que investigados nos inquéritos sobre fake news e ataques a membros do Poder Judiciário mais desejam.

Quando um blogueiro condenado pelo STF se recusar a cumprir ordem judicial pode apostar que a recusa a cumprir a ordem do Ministério da Justiça no caso do filme será lembrada.

Ainda que as decisões possam ser de naturezas distintas, essa postura pode municiar um debate pouco informado em tempos de polarização e de desconfiança generalizada com relação às autoridades públicas.