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"Quase morri", diz homem que ganhava a vida jogando games até 18h ao vivo

Morrendo de tanto jogar: Joe "Geekdomo" Marino após cirurgia no coração - Reprodução/Joe Marino
Morrendo de tanto jogar: Joe "Geekdomo" Marino após cirurgia no coração Imagem: Reprodução/Joe Marino

Victor Ferreira

Do Gamehall, em São Paulo

09/03/2017 10h17

Em 19 de fevereiro, o streamer Brian Vigneault - também conhecido como poshybrid - faleceu subitamente após uma maratona de 22 horas jogando games para o site Twitch, especializado em transmissões ao vivo.

As circunstâncias de sua morte ainda são um mistério, mas a suspeita de muitos é de que seu hábito de jogar por várias horas seguidas ao vivo, e com pouco descanso, como forma de satisfazer seu público e arranjar mais seguidores, possa ter contribuído para seu falecimento inesperado.

A história causou comoção geral do público, mas poucos devem ter se identificado com o caso quanto o americano Joe "Geekdomo" Marino.

Streamers podem ganhar dinheiro por meio de patrocínio, doações espontâneas de quem está assistindo ou por divisão de receita com o Twitch, quando alguém assina o canal. Por isso, em tese, quanto mais popular você é, mais chances de faturar. E, para se tornar popular, é preciso dedicar tempo às transmissões e interação com o público.

Aos 45 anos, casado e com dois filhos, Joe tinha muito em comum com Vigneault, um homem de 35 anos e pai de três crianças.

Assim como Vigneault, ele também dedicava horas e horas em seu canal para sustentar sua família, com pouco ou nenhum tempo para exercícios ou mesmo o simples ato de andar pela casa. Tal estilo de vida resultou em danos irreversíveis ao seu sistema cardíaco, e ele chegou a correr grave risco de morte por causa disso.

“A dor está lá todos os dias”, disse o streamer, que agora precisa tomar 19 remédios diários, em entrevista com UOL Jogos. “Alguns sintomas estão voltando.”

Joe Marino - Reprodução/Joe Marino - Reprodução/Joe Marino
Vida nova: Joe caminhando ao ar livre dois meses após sua experiência de quase morte
Imagem: Reprodução/Joe Marino

Joe começou a se dedicar à carreira de streamer no Twitch no final de 2013. Nos anos anteriores, ele havia tentado uma carreira como produtor de conteúdo dentro do YouTube, mas a experiência acabou deixando um gosto ruim.

“Eu passava o dia inteiro fazendo um vídeo de 20 a 30 minutos”, explicou. “Independente do esforço - e acho que eram de boa qualidade - as pessoas sempre conseguiam encontrar uma falha".

“A Internet é capaz de coisas maravilhosas, mas ela também nunca esquece, como dizem”, continuou. “Você faz um vídeo e ele está lá para sempre. Jogos mudam, detalhes são alterados, hardware muda. Como o vídeo é a captura de um instante, ele recebe ódio eternamente.”

Ao migrar para o Twitch, Joe notou uma diferença clara no jeito que os usuários se portavam em relação ao YouTube.

“Eu comecei no Twitch porque pensei nele como um programa de rádio”, declarou. “Era ao vivo, eu podia interagir com o público e obter respostas em tempo real. Se eu cometesse um erro o pessoal via o porquê disso e se eu estivesse errado alguém me corrigiria de forma mais gentil.”

Havia exceções, claro, como um usuário que o chamava constantemente de nazista judeu - “irônico, eu sei”, diz ele -, mas em geral a estrutura do Twitch era muito mais agradável para ele, tanto em termos de público quanto financeiramente.

“Nunca ganhei uma doação por nenhum vídeo que fiz no Youtube. Ainda as recebo diariamente pelo Twitch.”

Logo, porém, Joe percebeu que seria preciso dedicar diversas horas para alcançar um público significativo e novas oportunidades de patrocínio, particularmente para alguém como ele, bem diferente do típico streamer "hipster" de vinte e poucos anos.

“Acho que uma coisa que tenho em particular é que sou um cara bem autêntico no meu dia a dia. Eu não faço uma performance”, disse. “Creio que fui um dos primeiros a fazer algo que é bem comum hoje em dia: streaming por dois PCs. Acredito que isso me separou do resto: streaming de qualidade, foco em interação com o público (às vezes em detrimento ao próprio jogo) e tentar ser divertido.”

A estratégia funcionou: Geekdomo virou um parceiro do Twitch, e em 2014 suas transmissões chegavam a uma média de 500 a 1.000 pessoas, com o público apreciando o foco dos vídeos em simuladores espaciais e jogos de sob.

Ainda assim, mesmo dedicando 12 horas por dia às transmissões, era difícil alcançar um reconhecimento maior e chegar até a página principal do site, que garantiria uma melhor exposição do canal. Em 2015, esta faixa de horário subiu para 18 horas diárias, já que ele também começou a desenvolver um software próprio para streaming.

Além disso, pelo Twitch ser um ambiente extremamente competitivo, streamers acabam sendo desencorajados de ter muitas pausas para o banheiro ou refeições, já que um seguidor em potencial pode ir para outro canal nesse meio tempo.

Logicamente, uma vida como esta dá pouca margem para outras atividades. Joe já havia ganhado peso em seu tempo nas forças militares após um vazamento radioativo em um navio afetar sua tireoide, mas isso nunca havia afetado sua qualidade de vida até então.

“Depois de sair eu fiquei ok, mas trabalhava em escritórios como roteirista técnico ou designer”, explicou. “Estes trabalhos permitem você se levantar, ir até o bebedouro ou pegar um café, então você não está preso na sua mesa o dia inteiro.”

“Foi só a partir do Twitch que eu comecei a ficar sentado assim por tanto tempo, sem me mexer nem um pouco.”
Em 2016, sinais de que sua saúde já havia se deteriorado estavam claros, mas a ficha realmente caiu após outro streamer, Brandon - mais conhecido como Dalsarius82 - ser encontrado morto pela esposa.

“Eu não tenho ideia da verdadeira causa da sua morte. A família dele nunca falou muito a respeito.”

Dalsarius - Reprodução - Reprodução
Imagem de última transmissão de Dalsarius82 antes de sua morte
Imagem: Reprodução

Mesmo assim, o fato levou Joe a fazer uma bateria de testes cardíacos, falhando em todos. Um angiograma revelou que uma artéria anterior ao redor de seu coração estava totalmente bloqueada, enquanto uma junção de três artérias - também conhecida como “Fazedor de Viúvas” - tinha bloqueio de 75%.

Uma cirurgia de 6 horas e um marcapasso depois, e Joe desistiu da vida de streamer no Twitch. Hoje em dia, ele se dedica a um novo hobby: fotografia.

“Eu estudei [fotografia] no colegial como aula vocativa, e realmente gostava”, explicou. “Eu sempre gostei de fotografia mas foi quando eu estava preso naquela cama após a cirurgia que eu comecei a investigar a respeito. Comprei uma boa câmera no outono, tirei algumas fotos, e imediatamente me apaixonei de novo.”

Por enquanto, Joe diz que a fotografia é só uma forma de sair de casa, mas também é um autodeclarado “fotógrafo profissional de meio período”.

“Tenho andado mais em 2016 e 2017 do que nos três anos anteriores juntos”, disse Joe. “Eu sempre terei uma doença arterial coronariana, e ela pode voltar independente da minha rotina de exercícios.”

Riscos da profissão

A história e ritmo de trabalho de Joe não são particularmente diferentes de outros streamers no Twitch, e mesmo os criadores de conteúdo mais jovens estão sob risco de sofrer com doenças de quadro irreversível em condições como esta.

Joe diz que mudanças devem ser feitas na estrutura do Twitch para garantir mais segurança, mas não espera que a empresa faça algo do tipo tão cedo.

“Este é verdadeiro problema e o X da questão: o Twitch precisa fazer estas mudanças, mas o que seriam elas?”, disse. “Como eles mudariam este sistema? Eu não sei se eles podem.”

“Uma ideia é talvez bloquear um streamer de transmitir em um canal por mais de 10 a 12 horas por dia”, opinou. “Eles monitoram há quanto tempo você está transmitindo, seria fácil para eles fazer isso.”

“Mas será que vão fazer isto? Provavelmente não até uma de suas estrelas morrer ao vivo”, continuou. “É tudo sobre dinheiro. No momento eles parecem se importar mais com isso do que com a saúde [dos criadores de conteúdo].”

UOL Jogos procurou o Twitch para comentar sobre o assunto, mas a empresa não nos respondeu até a publicação desta matéria.

Joe Marino - Reprodução/Joe Marino - Reprodução/Joe Marino
Joe e sua nova câmera
Imagem: Reprodução/Joe Marino

Joe, por sua vez, ainda faz transmissões de vez em quando no canal Geekdomo, e ainda está ativo em redes sociais como o Twitter e Facebook. Agora, porém, tem se dedicado mais à fotografia e tempo com sua família.

Após a morte de Vigneault, ele publicou um texto no site Medium usando seu caso como exemplo dos perigos de se dedicar tão intensamente a uma carreira no Twitch, chamada apropriadamente de “Dying to Stream” (ou “Morrendo para transmitir”, em tradução livre).