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Há 30 anos, Atari quase levou a indústria de jogos ao "game over"; relembre

Luiz Hygino

do Gamehall

26/05/2014 13h22

A indústria de videogames vive, hoje, o melhor momento de sua história. Tentar questionar essa afirmação seria uma loucura, diante dos números atuais.

Numa comparação inevitável com sua maior rival, a indústria do cinema, os games tem levado vantagem desde 2009. Para se ter ideia, o filme com maior faturamento mundial em 2013 foi “Homem de Ferro 3”, com US$ 1,21 bilhão garantido durante o período em cartaz, nos cinemas. “GTA V”, game mais vendido do ano passado, faturou US$ 1 bilhão em apenas 3 dias após o lançamento.

Mas se hoje a indústria movimenta um total de US$ 81,5 bilhões de dólares no mundo todo, é preciso agradecer aos erros do passado, que trouxeram lições fundamentais para o setor e ajudaram a trilhar o caminho do sucesso atual.

O maior de todos os episódios de fracasso foi o chamado “Crash", que começou em 1983 e em 84 resultou em uma temporada de ressaca e recesso para a indústria.

Um ano em que, realmente, o mercado de videogames não existiu.

Há não tanto tempo, em uma galáxia nada distante…

O início dos anos 80 foi um período de consolidação dos ainda jovens videogames. Em um setor envolto em incertezas, a Atari viu seu valor de mercado crescer, de 1980 a 1983, de US$ 75 milhões para US$ 2 bilhões.

Parecia uma mina de ouro, não? Pois muitas empresas pensavam assim. Entre 1972 e 1983, nas chamadas duas primeiras gerações dos videogames, mais de 50 consoles foram lançados, do Magnavox Odyssey ao Vectrex.

Só uma indústria estabelecida, com mão de obra farta e qualificada poderia sustentar tantos consoles. E esse estava longe de ser o caso.

Ser um programador de jogos naquela época não era das tarefas mais recompensadoras, em nenhum sentido.

Num tempo em que jogos eram, quase em todos os casos, desenvolvidos por apenas um profissional, produtores não chegavam a ganhar um salário de US$ 3 mil. E o pior: nenhum deles podia assinar suas próprias criações.

Jogos de Atari, por exemplo, que na época faturavam milhões de dólares, eram produzidos apenas pela Atari e chegavam ao público com assinatura da Atari. E assim por diante.

Trabalhadores se unem e o barato sai caro

Cansados dos dias de cão, quatro programadores da Atari deixaram a empresa em 1979 e fundaram a Activision, a primeira produtora third-party do mundo.

O grande problema é que as fabricantes de console tinham um modelo de negócio cujo foco era justamente na venda de jogos. Os aparelhos eram vendidos por preços baixos, e o lucro das empresas construído a partir do grande montante de jogos vendidos.

Não existia, também, nenhum tipo de restrição de software nos consoles. De uma hora para outra, a Activision mudou a regra do negócio, e empresas dos mais diversos setores pegaram carona e mergulharam no novo mercado. Jogo da fabricante de sucos Kool-AId (Ki-Suco, por aqui), numa terrível luta contra os monstros da sede? Sim. Um game da fabricante de rações caninas Purina, sobre um cachorro que persegue uma charrete? Claro.

Se antes o problema da indústria era a grande quantidade de consoles, agora o setor também tinha que lidar com a enorme oferta de jogos, quase todos de qualidade duvidosa. Os preços dos softwares também despencaram. Além disso, as fabricantes de consoles não viam a cor do dinheiro da venda desses jogos.

Mas a Atari, líder absoluta no setor, poderia ter virado esse jogo, caso tivesse tomado as decisões estratégicas corretas. É claro que ela não tomou, ou você não estaria, hoje, lendo este texto.

  • Divulgação

    "Pitfall" é lembrado até hoje como um dos melhores games da então 'rebelde' Activision

Por que, Atari?

Primeiro, veio o “Caso Pac-Man”. Um dos jogos de maior sucesso nos fliperamas, “Pac-Man" teve os direitos comprados pela Atari para uma versão no Atari 2600. Mas o processo de liberação dos direitos atrasou, irritando a direção da empresa, que tinha enorme pressa no lançamento do jogo que poderia mudar o rumo da indústria. Os diretores da Atari contrataram um freelancer para desenvolver o game o mais rápido possível, já que a grande maioria de seus melhores desenvolvedores tinha deixado a empresa.

A situação só piorou. Mesmo com 10 milhões de consoles vendidos, a Atari mandou produzir 12 milhões de unidades de seu "Pac-Man”, projetando um sucesso tão grande que convenceria pessoas a comprar o aparelho. E o tal freelancer assinou um contrato com garantia de percentual em cada unidade produzida, ou seja, sem incentivo algum para elevar a qualidade do produto.

Resultado? 'Apenas' 7 milhões de unidades foram vendidas, e o jogo foi alvo de críticas de todos os lados, pela qualidade extremamente questionável.

A Lenda do E.T.

Finalmente, o mais folclórico capítulo do “Crash” começava a se desenhar. Inspirada pelo enorme sucesso do filme homônimo de Steven Spielberg, a Atari decidiu produzir um jogo baseado em “E.T. - O Extraterrestre”. Pagou US$ 25 milhões pelos direitos de adaptação e mandou produzir 4 milhões de cópias do jogo.

Mas, o processo de produção foi tão desastroso quanto o de “Pac-Man”. Em apenas 6 semanas anteriores ao lançamento, prometido para o Natal de 82, o jogo foi desenhado, programado, produzido e distribuído. O péssimo game vendeu apenas 500 mil cópias, e 3,5 milhões de unidades foram devolvidas à Atari.

O resto é lenda. A sabedoria popular nerd dizia, com incerteza, que o CEO da Atari, envergonhado, havia mandado enterrar todas os cartuchos do jogo em um aterro no estado americano do Novo México. As fitas foram finalmente encontradas, no mês passado. O mito era real.

  • Divulgação

    O pavoroso "E.T." para Atari virou símbolo do 'crash' da indústria nos anos 80

Game Over?

Dizer que o “Episódio E.T.” foi a causa do “Crash” é um grande exagero. Mas ele foi de fato a gota d’água.

Depois do fracasso do jogo, a Atari anunciou aos seus investidores que o crescimento da empresa no ano, previsto para 50%, seria de apenas 15%. A confiança na produtora despencou, assim como o valor das ações da Warner, companhia dona da Atari.

A antes bilionária empresa, líder do setor, agora tinha uma dívida de US$ 500 milhões e nenhuma perspectiva de salvação.
O mercado de games estava falido.

Então por que é que você está jogando “GTA”, “Assassin’s Creed” e “Mario Kart” nos dias de hoje? Basicamente, graças aos computadores.

Enquanto o mercado fechava as portas para os consoles, os PCs passaram a tornar-se cada vez mais comuns nos lares norte-americanos, sob o argumento de servir como um aparelho para diversão e trabalho.

As produtoras third-party, assim como desenvolvedores independentes, continuaram trabalhando em títulos para os computadores, já conscientes do fracasso do modelo de negócio do passado.

Além disso, fliperamas conseguiram uma sobrevida, enfurnados em algum corredor escuro de supermercado ou boliche.

Arigato!

E como foi que consoles voltaram a vida? Graças à Nintendo.

O mercado japonês não havia sofrido o mesmo golpe que atingiu os Estados Unidos. Em julho de 1983, a Nintendo lançou por lá o Nintendo Family Computer, o Famicom, para os íntimos, que em um ano e meio vendeu 2,5 milhões de unidades na pequena ilha asiática.

Depois de inúmeras tentativas, finalmente em outubro de 85 a empresa japonesa conseguiu lançar o Famicom no mercado americano, rebatizado como Nintendo Entertainment System, o NES.

Cada detalhe que cercava o NES foi certeiro. Ele não podia ser considerado um console, ou seria rejeitado, nem um computador pessoal, já que não envolvia softwares profissionais. Passou a ser vendido como um sistema de entretenimento, quase como um brinquedo.

Seu design, um misto de futurismo com pitadas de cor, reforçava a ideia do brinquedo, e escondia os cartuchos em uso, afastando a referência aos consoles antigos.

Numa aposta certeira, a Nintendo casou a venda de seu produto com um pequeno robô de brinquedo, o R.O.B., e com uma pistola periférica, a Zapper. Apresentou diversas garantias às lojas que aceitaram vender seu pacote, e foi pouco a pouco introduzindo o NES nas principais cidades dos EUA.

Mas o mais importante, a Nintendo criou o modelo de negócio que só permitia o lançamento de jogos licenciados, no aparelho, garantindo assim o controle de qualidade de seus games.

O sucesso foi enorme e extremamente duradouro. Em 1990, 30% dos lares americanos tinham um NES. Quando o console deixou de ser produzido, em 1995, 60 milhões de unidades tinham sido vendidas em todo o mundo.

A fé nos videogames havia sido recuperada. O resto é história.