'Superbrasileiro': Karim Aïnouz leva tesão, política e Ceará a Cannes

Karim Aïnouz foi uma aposta certeira: conforme previsto, o cearense foi selecionado para competir pela Palma de Ouro do Festival de Cannes, na França, e representará o Brasil em maio com "Motel Destino".

"Teremos cinema brasileiro no Festival de Cannes", comemorou Vitor Búrigo no Plano Geral de hoje (17). "Brasileiríssimo, Karim passou [em Cannes] no ano passado, com seu primeiro filme falado em língua não portuguesa ['Firebrand']. Mas 'Motel Destino' é o primeiro filme cearense em disputa pela Palma de Ouro".

Inteiramente gravado no Ceará, o filme é um thriller erótico que narra o romance entre um jovem periférico (Iago Xavier, que já assume o protagonismo em seu primeiro filme) e uma mulher que vive um casamento abusivo (Nataly Rocha).

Karim Aïnouz fala sobre ter o único filme latino concorrendo à Palma de Ouro. "Me sinto honrado", disse. "Tem um monte de filmes [selecionados] de países que raramente estão em Cannes. Acho isso muito singular e tem que ser celebrado. É um sinal de mudança."

O diretor também traça um paralelo entre a retomada do cinema nacional e o fim do governo Bolsonaro, que "desvalorizava a cultura e as políticas de financiamento público". Segundo ele, foi "muito bonito" poder provar o contrário.

É um filme que está representando a América Latina e a volta do Brasil aos tempos de esperança. É muito rigoroso, vital, que vem de um lugar completamente fora do eixo: o primeiro filme cearense em Cannes Karim Aïnouz

Karim Aïnouz explica que o roteiro do filme surgiu justamente de uma preocupação com a queda do público no cinema brasileiro. A aposta no suspense foi para "prender" o interesse, embora o filme também flerte com o cinema noir — através dos "personagens desnaturados" — e tome carona na pornochanchada. "O filme tem esse desejo de ser um cinema mais aberto, de público, mais popular, mas super bem feito e que traduza as cores locais."

Karim, inclusive, ressalta o orgulho de se inspirar no gênero brasileiro dos anos 1970, que questiona costumes e explora o erotismo. "Temos que começar a ter orgulho do que a gente é. Acho que a gente fica com vergonha de algumas coisa que fez no passado, e as pornochanchadas têm uma coisa de cor que é muito bonita, de metáfora política."

É sobre suspense, tesão, perigo. E tem uma coisa no filme também que nunca fiz antes: elementos de fantasia, coisas absolutamente mirabolantes que acontecem durante o filme, que são muito divertidas e inéditas para mim, como diretor Karim Aïnouz

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Ele ainda chama a atenção para a formação de um elenco completamente nordestino — à exceção de Fabio Assunção. Em suma, diz, o filme é uma celebração dos talentos cearenses. "Era muito importante que ele fosse um produto local", afirmou. "Espero que isso inspire outras realizadoras, realizadores, produtores culturais, para continuar trabalhando, porque a gente é de alto nível".

Ambientado em um motel de beira de estrada, o longa de Karim inclui o próprio cenário em sua lista de protagonistas. "Amo motel, acho uma das coisas mais fascinantes que existem no Brasil. É um tema superbrasileiro. O grande personagem do filme só existe no Brasil: é o motel, como a gente conhece. Um lugar de brincadeira, desejo e tesão."

Por fim, o diretor também comentou a dificuldade de tratar o erotismo no cinema em um cenário de retração. Segundo ele, seus personagens têm uma "sede grande de viver e celebrar a vida" — o que também atravessa o sexo. "Sentia falta de um certo calor no cinema. Uma falta de medo de falar de sexualidade", avaliou. "A gente vive um certo puritanismo no cinema. Nesse sentido, é um filme sem medo e muito vital".

Confira a íntegra do programa

Apresentado por Flavia Guerra e Vitor Búrigo, Plano Geral é exibido às quartas-feiras, às 11h, no canal de Splash no YouTube e na home do UOL, com as principais notícias sobre cinema e streaming. Você pode ainda ouvi-lo no Spotify, Apple Podcasts e Google Podcasts.

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