As cinco diferenças entre o Ripley de Matt Damon e o novo da Netflix
Tom Ripley é um dos personagens mais queridos da literatura policial. Assassino, falsário, cínico, carismático, inteligente, psicopata, ele foi criado em 1955 pela americana Patricia Highsmith no romance "O Talentoso Ripley". No cinema, ganhou inúmeros intérpretes: o francês Alain Delon, Matt Damon, Dennis Hopper, John Malkovich. O personagem acaba de ganhar sua sexta adaptação para as telas com "Ripley", série em oito episódios que estreou há poucos dias na Netfix.
Nesta versão estilizada e em preto-e-branco, o genial assassino ganhou a cara de Andrew Scott, ator que vem se destacando em trabalhos como a série "Fleabag" e o filme "Todos Nós Desconhecidos", em cartaz. A seguir, as cinco grandes diferenças entre a nova série e o filme "O Talentoso Ripley" (1999), versão recente mais famosa da história feita até agora e estrelada por Damon:
SERÁ QUE ELE É?
Uma das facetas de Tom Ripley que mais encantam os diretores é sua possível inclinação gay. Na história, ele é contratado por um milionário americano para localizar na Itália seu filho, o playboy Dickie Greenleaf. Ao chegar lá, Tom se encanta pela vida luxuosa do ricaço, e vai até as últimas consequências pra não deixar essa vida nunca mais. O filme de 1999 é mais explícito: o personagem de Matt Damon sente uma atração fulminante por um exuberante Jude Law e, além dos crimes, precisa esconder a enorme atração que sentia pelo novo amigo. As cenas finais também deixam claro que Ripley gosta mesmo é de rapazes. No fim dos anos 90, ter um Ripley abertamente gay era bastante ousado, num momento em que a sigla LGBTQIA+ ainda se resumia a quatro letras. Já a série da Netflix mantém a ambiguidade o tempo todo: Tom tem ciúmes de Dickie (Johnny Flinn) com a namorada, Marge (Dakota Fanning), mas nunca avança o sinal com ele. Na cena do barco no terceiro episódio, o melhor da série, Dickie chega a tocar no assunto, mas de forma bem sinuosa. A maior ambiguidade torna o personagem desta vez mais denso e interessante.
ANDREW OU MATT?
Produzido pela outrora poderosa Miramax, o filme de 1999 foi pensado para alavancar três estrelas em ascensão na época: Matt Damon, recém-saído do oscarizado "Gênio Indomável"; Jude Law, ainda com poucos filmes no currículo em Hollywood; e Gwyneth Paltrow, que naquele ano havia vencido o Oscar por "Shakespeare Apaixonado". O filme de Anthony Minghella pinta Ripley como um jovem normal que começa a cometer crimes meio por acaso, sem querer, e precisa ir se virando pra não ser descoberto. Ainda em início de carreira, Damon acaba construindo um quase mocinho levado por um furacão de eventos sem controle, de quem sentimos até pena em algumas cenas. Já o irlandês Andrew Scott tem um jogo bem mais alto: seu Ripley é um psicopata de sorriso gelado, que consegue mentir dezenas de vezes para a polícia e os conhecidos sem piscar os olhos. Não à toa ele é hoje um dos maiores atores de sua geração - seu Oscar deve vir logo aí.
A VELOCIDADE DOS CRIMES
Em pouco mais de duas horas, o filme com Matt Damon condensa todos os crimes e os principais eventos do livro. Se você quer algo mais próximo de um thriller americano, ele vai te satisfazer muito mais do que a série, que totaliza mais de oito horas para contar cada passo criminoso de Ripley nos mínimos detalhes. São dezenas de entradas e saídas de apartamentos e hotéis, falsificação de cartas e passaportes, objetos escondidos, dinheiro retirado de banco, viagens de trem. O espectador só mergulha nesse ritmo lentíssimo, que lembra mais o de um filme húngaro ou polonês, se tiver um lado bem virginiano, atento ao detalhe, e uma boa curiosidade sobre como se livrar de um crime sem deixar rastro nenhum.
COLORIDO OU PRETO-E-BRANCO?
Enquanto o filme com Damon usa um magnífico tom dourado para mostrar o litoral de Mongibello, na Itália, a série da Netflix opta por um exuberante preto-e-branco para retratar a costa de Atrani e várias outras cidades por onde passa Ripley, como Roma, Palermo e Veneza. Com a série, volta a velha questão: por que ainda filmar em preto-e-branco numa TV dominada por séries e filmes ultracoloridos? Cada um terá a sua resposta, mas me parece que o PB se encaixa mais com a mente sombria de Ripley, além de aumentar a impressão de uma época, os anos 60, ainda muito longe da era do computador e do celular. (Aliás, em tempos de redes sociais e troca de fotos por WhatsApp, seria quase impossível para Ripley ainda se dar bem.)
O PULO DO GATO
"Ripley", a série, pode até ser muito lenta, mas as cenas finais compensam bastante. E ela tem algo que falta ao filme: o gato Lúcio, que dá nome a um dos episódios e é testemunha ocular do crime que Ripley comete em Roma. Lúcio é quase o protagonista de algumas das melhores cenas da história. É a prova de que um animal, quando bem dirigido e fotografado, tem tanta presença em cena quanto qualquer bom ator.
RIPLEY (2024) - Série em oito episódios na Netflix
O TALENTOSO RIPLEY (1999) - Disponível na Netflix
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