Thiago Stivaletti

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'Família É Tudo' e a eterna crise das novelas das sete

O que aconteceu com as novelas das sete? Quando eu era criança, nos anos 1980, me apaixonei por novelas do horário como as de Silvio de Abreu — "Cambalacho" (1986) e "Sassaricando" (1987), por exemplo — e de Cassiano Gabus Mendes — "Brega & Chique" (1987) e "Que Rei Sou Eu" (1989). Sem falar nas novelas inesquecíveis feitas sob medida para o público infantojuvenil, como "Top Model" (1989) e "Vamp" (1991).

Desde 1994, quando o casal Raí e Babalu conquistou o país em "Quatro por Quatro" — ou seja, há 30 anos — esse horário patina com tramas que muitas vezes beiram a irrelevância e a falta de repercussão nas ruas. Quem se lembra de "Vira Lata", "Vila Madalena", "Desejos de Mulher", "A Lua Me Disse", "Bang Bang", "Três Irmãs", "Sangue Bom", "Geração Brasil", "Alto Astral", "Pega Pega" e "Verão 90"?

Na última década, apenas uma autora tem se destacado com histórias cativantes e personagens que fazem pensar: Rosane Svartman, que estreou em 2015 com "Totalmente Demais" e, no ano passado, brilhou com "Vai na Fé", novela que abordou o empoderamento da mulher preta, o macho tóxico, o etarismo e os picos de ansiedade da Geração Z, tudo embalado por ótimos personagens, humor e bom entretenimento.

Trago o assunto por conta da baixa audiência de "Família É Tudo", a nova novela das sete, que registrou 18,6 pontos de média nos seis primeiros capítulos, recorde negativo para o horário. O número vem na esteira da baixa audiência de sua antecessora, "Fuzuê".

A nova novela conta a história de Frida (Arlete Salles), uma milionária dona de gravadora que desaparece numa tempestade em alto-mar e deixa a seus netos que não se entendem a missão de morarem juntos para terem direito a sua herança. Frida ainda deixou uma irmã gêmea vilã, Catarina (a mesma Arlete Salles), que quer atrapalhar os planos dos sobrinhos.

A falta de ousadia transparece em vários pontos, a começar do título, que originalmente seria "A Vovó Sumiu" — um nome que pelo menos carregaria o DNA de comédia do horário. Por algum motivo insondável, ficou-se com "Família É Tudo", politicamente correto e totalmente óbvio.

Lupita (Daphne Bozaski) em 'Família É Tudo': trama reedita a clássica 'Betty, a Feia'
Lupita (Daphne Bozaski) em 'Família É Tudo': trama reedita a clássica 'Betty, a Feia' Imagem: Reprodução/Globo

Uma das tramas principais, a da paixão da atrapalhada Lupita (Daphne Bozaski) pelo bonitão Júpiter (Thiago Martins), reedita pela enésima vez a trama da colombiana "Betty, a Feia". Falta comédia e sobra drama na novela, como o da ex-presidiária Electra (Juliana Paiva), que tenta provar sua inocência.

Como em muitas novelas da Globo hoje, são poucos os atores bem conhecidos pelo público (Arlete Salles, Nathalia Dill) e sobram rostos pouco familiares — a ponto de a ex-BBB Rafa Kalimann se destacar no quesito celebridade.

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Não por acaso, a Globo escolheu para reprise no Vale a Pena Ver de Novo um dos raros sucessos do horário neste milênio — "Cheias de Charme"(2012), mais conhecida como a novela das empreguetes, que falava com humor da ascensão da Classe C e ainda tinha uma vilã sensacional, a Chayene de Cláudia Abreu, inspirada na Joelma (aquela mesma, do tacacá). Mas a reprise só tende a maltratar as novelas inéditas na comparação cruel.

Os problemas de "Família É Tudo" e de outras tramas recentes das sete merecem uma reflexão maior da Globo sobre o que fazer com o horário. Sabe-se que está cada vez mais difícil fazer humor na TV aberta, sob pena de desagradar os grupos alvos das piadas — muito do humor machista feito por Silvio de Abreu e Cassiano Gabus Mendes nos anos 1980 e 1990, genial e inovador na época, hoje seria demolido diariamente nas redes sociais.

Prova disso é que a emissora não tem no momento nenhum programa humorístico próprio, contando só com as reprises de "Vai que Cola".

Mesmo com essas limitações, faltam diálogos mais criativos que mantenham o interesse do espectador que quer chegar em casa e se divertir às 19h. Por fim, falta também ao currículo dos atores mais jovens o grande T do teatro.

Décadas atrás, o horário era ocupado por gente como Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Irene Ravache, Eva Wilma, Claudia Raia, Diogo Vilela, Regina Casé, que lapidavam o seu humor no palco, testando o que dava certo ou não com a gargalhada "ao vivo" da plateia antes de migrar para a TV. Hoje, para quem chega sem essa experiência, deve ser tarefa quase impossível construir seu humor direto nos frios cenários do Projac.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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