Roberto Sadovski

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Opinião

'Uma Vida' coloca Anthony Hopkins num melodrama careta e emocionante

Nicholas Winton teve uma vida extraordinária. Ao visitar Praga em 1938, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, ele conheceu a realidade das famílias judias que viviam sob a ameaça nazista. Foi o começo de um trabalho humanitário dedicado a retirar as crianças da Tchecoslováquia e transportá-las para a segurança no Reino Unido. No fim, quase 700 refugiados foram salvos por suas ações.

Uma vida extraordinária, contudo, nem sempre se traduz em uma vida cinematográfica. É a impressão que fica com este "Uma Vida", que coloca Anthony Hopkins no papel de Winton. Embora a história traga uma temática indiscutivelmente digna de registro, o filme patina na mesma burocracia enfrentada por seu biografado em seu esforço para garantir uma família para cada criança resgatada.

Não há nada que o diretor James Hawes, veterano da TV inglesa, possa fazer para injetar algum pulso em "Uma Vida". A trama se divide nas lembranças de Winton nos anos 1980, época em que seu trabalho humanitário durante a guerra tornou-se conhecido, e flashbacks que o mostram em sua juventude (interpretado aqui por Johnny Flynn), testemunhando a degradação que precedeu a invasão nazista.

Anthony Hopkins em 'Uma Vida'
Anthony Hopkins em 'Uma Vida' Imagem: Diamond

Nas duas linhas temporais, o filme se resume a longas conversas que em nenhum momento produzem conflito narrativo para a trama caminhar. Winton, afinal, deixou Praga antes do começo da guerra e seu trabalho tornou-se uma jornada incansável pelos corredores do "sistema", garantindo a segurança das crianças ao deixar a cidade de trem rumo a Londres.

Já nas cenas em 1980, Anthony Hopkins o retrata com o dilema de desapegar de todos os documentos acumulados em uma vida de trabalho humanitário e olhar para o futuro. Um dos elementos no qual ele se apega é um livro de recortes que registra toda a burocracia da remoção dos refugiados em 1938 - e é esse documento que proporciona um dos poucos elementos catárticos do filme.

"Uma Vida" é um drama corretíssimo e convencional, que não esconde sua conexão com produções da TV britânica, seara de formação de seu realizador. Essa lentidão narrativa é respeitosa com a história de Winton, mas é inevitável pensar que o roteiro merecia um tratamento mais cinematográfico, talvez realçando o esforço de seus colegas, que ficaram na Praga ocupada, ou mesmo no clímax que, dividido em dois momentos distintos, tem seu peso dramático esvaziado.

Por fim, é Anthony Hopkins quem empresta credibilidade ao filme, já que o ator expressa a angústia de Winton de forma orgânica e, não raro, emocionante. Mas o registro como melodrama expõe a fragilidade de uma história tão extraordinária ao ser convertida em entretenimento.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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