Roberto Sadovski

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Opinião

De 'Rocky' a 'Star Wars', as muitas vidas de Carl Weathers

"Rocky 4" foi o primeiro da série que eu assisti no cinema. Para um moleque de 13 anos, era obrigação social. Mas, enquanto a turma pirava nas intermináveis sequências de treinamento, o que fixou em meu inconsciente foi a voz de James Brown cantando "Living in America": Era a celebração da chegada de Apollo Creed no ringue antes de sua luta fatídica com Ivan Drago. Era também a despedida de Carl Weathers da série.

Hoje, foi o próprio Carl Weathers quem se despediu. O ator morreu aos 76 anos em casa, enquanto dormia, um adeus pacífico a um ator intenso. Como muitos de seus pares, Weathers enxergou no esporte um caminho para a arte. Jogava futebol americano na faculdade, ao mesmo tempo em que se graduava em atuação. Alguns trabalhos menores na TV e no cinema o levaram a um teste para um filme independente, escrito por um iniciante: "Rocky, Um Lutador". O resto, como dizem, é história.

A década seguinte consolidou o nome de Carl Weathers como um coadjuvante sólido, como no drama de guerra "Comando 10 de Navarone". A morte de Apollo Creed, depois de quatro filme ao lado de Sylvester Stallone como Rocky, teoricamente abriria novas oportunidades para o ator, em especial no novo cinema de ação desenhado nos anos 1980, que se beneficiaria de alguém com sua presença cênica, seu carisma e sua habilidade dramática.

Carl Weathers e Arnold Schwarzenegger em 'O Predador'
Carl Weathers e Arnold Schwarzenegger em 'O Predador' Imagem: Fox

Uma janela de oportunidade de abriu em 1987, quando ele foi o segundo nome no elenco de "O Predador", ficção científica exalando a testosterona com Arnold Schwarzenegger à frente. No ano seguinte, Weathers ganhou um filme para chamar de seu, "Action Jackson", que trazia seu nome estampando o cartaz. Era uma fita de ação divertida, cheia dos exageros da época, perfeita para disparar uma nova série. Mas nada aconteceu.

É difícil decifrar as regras de Hollywood. Em 1988 o cinema de ação foi redefinido por Bruce Willis com "Duro de Matar". Ao mesmo tempo, Stallone enterrava o modelo vigente com "Rambo 3" e Schwarza caminhava para o topo com "Inferno Vermelho". Já Steven Seagal era lançado como astro em "Nico - Acima da Lei", iniciando uma série de sucessos no gênero "pancadaria tosca". "Action Jackson", que foi superior nas bilheterias, desapareceu por entre as frestas.

Carl Weathers começou, então, uma ciranda comum na indústria. Quando a série "Street Justice" foi cancelada após duas temporadas, ele engordou seu currículo com papéis menores no cinema e na TV, começando inclusive a dirigir episódios de programas tão ecléticos como "Renegado", "Paixões Perigosas" e "Pensacola". Vez por outra algum astro em ascensão o procurava para um papel de mentor, como foi o caso de Adam Sandler em "Um Maluco no Golfe".

'Action Jackson', o filme de ação bacana que não decolou
'Action Jackson', o filme de ação bacana que não decolou Imagem: Divulgação

O novo século consolidou a posição de Carl Weathers como um operário do audiovisual, na frente e atrás das câmeras. Foram dúzias de personagens coadjuvantes, trabalhos de dublagem para videogames e animações — o que inclui Combat Carl, um brinquedo no curta "Toy Story of Terror" e em "Toy Story 4" — e um papel de destaque ao interpretar uma versão caricata de si mesmo em quatro episódios da comédia "Arrested Development".

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A sombra de Apollo Creed, contudo, sempre foi onipresente, e voltou a se manifestar em 2006, quando Sylvester Stallone preparava o retorno do lutador em "Rocky Balboa". Ele queria usar imagens dos outros filmes no novo drama, e teve permissão de Mr. T e Dolph Lundgren. Carl Weathers, contudo, negou o pedido, sugerindo como alternativa um papel no filme. Compreensivelmente, Stallone disse não. Weathers foi mais razoável em 2015, quando deu o OK para sua imagem ser usada em "Creed".

A carreira de Carl Weathers parecia, portanto, ter atingido seu ponto final, com o artista dirigindo episódios para a TV aqui, emprestando seu considerável charme como ator ali. Nesse momento, porém, ele experimentou um novo fôlego ao tomar o rumo da galáxia muito, muito distante de "Star Wars".

'The Mandalkorian', série do universo 'Star Wars', foi o último trabalho de Carl Weathers
'The Mandalkorian', série do universo 'Star Wars', foi o último trabalho de Carl Weathers Imagem: Lucasfilm

Quando a Disney+ lançou a série "The Mandalorian" em sua plataforma de streaming, o universo criado por George Lucas experimentou novo fôlego com a saga do guerreiro Din Djarin (Pedro Pascal) e seu protegido, Grugo, o Baby Yoda. Carlk Weathers foi escalado como Greef Karga, líder de uma comunidade de mercenários, e viu seu personagem crescer ao longo da série.

Os fãs de "Star Wars" receberam Weathers de braços abertos, um carinho que ele não experimentava desde o auge de "Rocky". Ao assinar a direção de dois episódios, ele também abriu espaço para trabalhos de maior prestígio. A honraria maior foi sua indicação ao Emmy, que reconheceu seu talento dramático em um gênero geralmente ignorado fora dos prêmios técnicos.

A terceira temporada de "The Mandalorian" marcou seu último trabalho. Reservado em sua vida particular, Carl Weathers deixa um legado de décadas no esporte, no cinema e na TV, imortalizado como o adversário que se torna melhor amigo de um astro, sem nunca colocar-se em segundo lugar. E terá para sempre lugar na memória de um cinéfilo de 13 anos que sente, agora, a dor real da perda de um ícone.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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