Roberto Sadovski

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Reportagem

Como a música do Mamonas Assassinas foi recriada para o cinema

Quando você estiver cantando em alto e bom som a imortal "Pelados em Santos" no cinema, a música não será a mesma lançada em 1995. Em "Mamonas Assassinas - O Filme", dramatização do fenômeno pop que conquistou o país há quase três décadas, o repertório da banda foi inteiramente regravado. Não que você vá notar alguma diferença.

A decisão de recriar em estúdio não só oito músicas do Mamonas, como também três do Utopia, primeiro grupo dos rapazes de Guarulhos, foi puramente criativa. Ao contrário de boa parte de biografias musicais recentes que tomaram os cinemas, as canções em "Mamonas Assassinas" não são dubladas e, sim, interpretadas pelo próprio elenco.

Para entender o processo, conversei com o engenheiro de som e produtor musical Gabriel Pinheiro, que não só mixou o filme como também gravou o novo material. "Se a gente usasse o material do disco, as gravações originais em estéreo, a conversão para um bom som surround seria pobre", explica. "Como o filme está sendo mixado para Dolby Atmos, sistema que verticaliza a imersão sonora no cinema, o resultado seria ainda pior."

Se existe uma coisa que não pode ser deficiente em "Mamonas Assassinas" é, claro, o som. E não apenas em cenas que reproduzem as apresentações do grupo, mas em ensaios e gravações. "A gente precisava ter controle total, como, por exemplo, remover só a voz, ou deixar só bateria e baixo", continua. "Se usasse o disco do Mamonas, especialmente em cenas de shows, ficaria muito com cara de playback."

Nem preciso dizer o quanto a música é importante. Mas "Mamonas Assassinas - O Filme" procura humanizar a banda — Dinho, Samuel, Julio, Sergio e Bento — para além do furacão midiático que enfeitou desde o palco do Domingão do Faustão até a capa da revista Bizz. Foi uma explosão musical que experimentou uma estranha unanimidade nos anos 1990 e chacoalhou a cultura pop até que uma tragédia interrompeu sua trajetória meteórica após apenas oito meses.

"Já havia um roteiro do Carlos Lombardi quando entramos no projeto", conta a produtora Walkíria Barbosa. "Nosso trabalho então foi aproximar o Carlos das famílias dos meninos do Mamonas para que ele tivesse acesso a suas histórias." O desenvolvimento do filme passou a mirar o objetivo de trazer para o cinema a linguagem da banda.

"Nossa preocupação era fazer um filme de verdade, e não um drama com cara de documentário", continua Walkíria. "A gente queria não só aquela irreverência, mas também mostrar sua humanidade, como eles eram politizados, como o bom humor existia para chacoalhar a estrutura da indústria e seus absurdos."

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Os Mamonas antes dos Mamonas

A própria existência do Mamonas Assassinas foi gerada pelo acaso. Eles começaram como a banda Utopia, que tocava, além de suas composições, covers de Legião Urbana a Rush. "Eles faziam rock sofrido, angustiado", ressalta Gabriel Pinheiro, que também gravou músicas do Utopia com o elenco.

Em uma cena que assisti durante a pós-produção, o grupo tenta achar o tom de sua música em estúdio, quando o produtor sugere que eles gravem a zoeira que faziam nos intervalos. Deu certo.

Um dos atores, por sinal, não era estranho ao mundo do Mamonas Assassinas. Ruy Brissac interpretou Dinho no musical sobre a banda lançado em 2016 e repetiu o papel aqui. Não que a experiência tenha sido mais fácil. "No musical, Ruy fez o Dinho dos palcos, na frente das câmeras", ressalta o diretor Edson Spinello. "No filme, a gente precisava mostrar quem eles eram por trás das câmeras, quando não eram o Mamonas."

Para criar essa imersão, Spinello trabalhou com o elenco por cinco semanas antes de as filmagens começarem. Foi uma imersão para entender não só quem cada personagem era fora dos holofotes, mas também para criar o senso de camaradagem. "Esse entendimento ajudou o filme", diz o diretor. "A certa altura eu só os chamava pelos nomes dos personagens, e era assim que eles também se tratavam."

Estúdio com clima de show

A camaradagem foi essencial quando o grupo foi para o estúdio regravar as músicas do Mamonas, parte do processo em que reproduzir sua energia anárquica não foi mais tão difícil. "Gravamos as músicas depois que o filme estava pronto", revela Gabriel Pinheiro. "O que eles tinham de absorver do clima do Mamonas, de seu atrevimento, veio das filmagens."

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Durante as gravações, a orientação de Edson Spinello foi fundamental. Mesmo estando em estúdio, a sessão muitas vezes teria de reproduzir uma apresentação ao vivo, então houve direção para que os músicos se comportassem como se estivessem em um show.

"Gravamos um take e Ruy estava afinado, tudo estava perfeito, mas tinha algo que não encaixava", lembra Gabriel. "Spinello queria um clima de show, então eu dei um microfone de mão para Ruy, que começou a pular e a dançar como se estivesse num palco. Não dava para ser tudo muito certinho."

Potência de banda de rock!

Levar a turma para o estúdio e regravar todas as músicas deu a liberdade e o controle para modular o repertório para ocasiões diferentes. Uma mesma música poderia soar como uma banda num estúdio, num bar, em praça pública e num estádio. "A mixagem de som em Atmos é sutil e faz toda a diferença", ressalta o produtor.

"Não é um filme para ser visto no computador ou em um tablet", continua. "Ouvir em um fone de ouvido é perder a sensação de estar em um show." Ele aumenta o volume no estúdio e completa: "Mamonas era uma banda de rock, tinha potência de banda de rock. O grande barato é ver isso no cinema". Ver e, principalmente, ouvir.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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