Roberto Sadovski

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Reportagem

Diretor de 'Wonka' conta como recriou o personagem para ir além do clássico

Hollywood ensina que é muito difícil ganhar um jogo quando se mexe com clássicos. "Wonka", prólogo de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", foi um ímã de ceticismo quando anunciado. Não ganhou simpatizantes ao cravar Timothée Chalamet como seu protagonista e encarou testas franzidas até chegar aos cinemas. Daí, difícil não se render ao charme delicioso do filme dirigido por Paul King.

Se a lição da vez foi nunca duvidar do enorme talento do responsável pelos dois "As Aventuras de Paddington", também é certo que o próprio Paul King entendeu a responsabilidade do trabalho colocado em suas mãos, consciente de que a "Fábrica de Chocolate" de 1971 é um tesouro universal, uma experiência querida para várias gerações - inclusive para ele e para seu corroteirista, Simon Farnaby, que no filme tem uma ponta como Basílio, o segurança do zoológico.

Conversei com os dois no exato dia em que o filme chegava aos cinemas, perguntando de imediato se eles consideraram contratar segurança particular ao longo do projeto. "Eu sou muito popular entre equipes de segurança ao redor do mundo", diverte-se, claro, Farnaby, dividindo uma gargalhada nervosa com King. "Eles cobraram baratinho."

Claro que lidar com uma história tão gravada na cultura pop teve seus desafios. "Claro que nos sentíamos intimidados em seguir os passos de uma obra tão adorada", conta King. "Mais do que tudo, sabíamos de nossa responsabilidade, não só com o filme de 1971 mas também com o livro de Roald Dahl, e a última coisa que a gente queria era criar algo que degradasse sua memória."

A primeira providência foi trabalhar com o aval dos responsáveis pela obra de Dahl, que morreu em 1990, especialmente de seu neto, Luke Kelly, um dos produtores de "Wonka". "Nossa ansiedade era profissional, era criar um filme que pudesse sentar à mesa do original", continua o diretor. "Para Luke, no entanto, era profundamente pessoal porque era o legado da sua família, o nome do seu avô, e eu acho que ele não conseguiria repousar a cabeça no travesseiro se fizesse alguma coisa para estragá-lo."

Outro elemento que facilitou a produção de "Wonka" foi o próprio material original de Roald Dahl. Ao contrário de outros trabalhos do escritor, como "Matilda", "Convenção das Bruxas" e "James e o Pêssego Gigante", Willy Wonka apareceu em dois livros (o segundo foi "Charlie e o Grande Elevador de Vidro") e foi revisitado em um conto e em vários fragmentos de histórias deixados pelo autor.

"Esse material foi nossa matéria-prima para buscar pistas de onde Dahl acreditava ser a origem de seu personagem, ou o caminho que ele poderia trilhar", explica King. "A partir daí nossa intenção era especular uma direção alinhada a seu espírito." Quando levado que Roald Dahl nunca esteve satisfeito com o filme de 1971, Paul é rápido em rebater: "Ele tinha reservas, mas também foi o filme que ele trabalhou diretamente, então a gente queria estar o mais próximo possível daquele tom".

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Uma música bem ruim

Um dos pontos de discordância de Roald Dahl com os produtores do filme de 1971, que foi dirigido por Mel Stuart, foi a inserção de músicas em seu roteiro. Hoje, entretanto, é impossível desassociar qualquer menção a Willy Wonka sem pensar na trilha que o acompanhou. Mesmo a versão de Tim Burton, que colocou Johnny Depp como o chocolateiro em 2005, não deixou a partitura de lado.

"Desde o começo nossa intenção foi criar um filme alinhado com o filme de 1971", continua o diretor. "Primeiro pensamos no visual dos oompa-loompas, e é impossível ter personagens tão emblemáticos sem sua trilha característica." O compositor Neil Hannon tornou-se, então, uma espécie de terceiro roteirista, já que as músicas terminam inevitavelmente como parte da narrativa.

"O musical era território inexplorado, então passamos a enxergar momentos em que a história podia ser contada com uma canção", recorda Simon. "Como a cena em que os vilões convencem o chefe de polícia a dar uma dura em Wonka. Escrevi uma música bem ruim na cena, Neil ouviu, deu de ombros... e disse para deixar as músicas com ele." Quando pergunto se alguma de suas composições está no filme, Farnaby brinca: "Talvez um dia eu e Paul possamos lançar nossas versões das músicas". O diretor é rápido em completar: "Sim, e ninguém vai dar a mínima".

Mente a mil por hora

"Wonka" traz uma coleção de canções novas justamente para marcar a origem do personagem e quem ele é naquele momento em particular. Ainda assim, o filme fecha o círculo quando Timothée Chalamet canta "Pure Imagination", talvez o momento mais emocionante do novo filme.

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"A gente queria chegar no ponto em que o personagem estaria pronto para cantar essa música, mas para isso precisávamos acreditar que ela pertencia a ele", explica Paul King. "Nosso filme é ambientado 25 anos antes da versão com Gene Wilder. Foi Timothée Chalamet quem preencheu esse hiato e criou uma versão do personagem que no fim merece ser o novo dono do tema clássico."

No processo de criar essa versão de Willy Wonka com Chalamet, o diretor contou com o ineditismo dessa versão do personagem. "Colocamos várias referências à versão de Wilder, mas Tim buscou seu próprio ritmo", continua o diretor. "Ele enxergou alguém totalmente altruísta e puro, mas também levemente malicioso e impaciente." O estilo de Chalamet, por vezes impulsivo, foi perfeito para a intenção do diretor: "Sua mente parece estar sempre a mil por hora, e se não estava ele finge muito bem".

Segurança apaixonado

É seguro afirmar que o objetivo de fazer de "Wonka" a sessão dupla perfeita com "A Fantástica Fábrica de Chocolate" foi atingido. Ainda assim, um quarto de século separam as duas histórias, e quando a cultura pop contemporânea é dominada por marcas e produtos que nunca saem da prateleira, é inevitável imaginar se os personagens de Roald Dahl poderiam se sujeitar a esse tipo de continuidade sem perder a integridade.

"Nosso filme tem um começo, meio e fim, mas tomamos a decisão consciente de não levar Wonka até a Fábrica de Chocolate", explica King, já ressaltando a boa vontade do estúdio, a camaradagem do elenco e o currículo do produtor David Heyman, que além do sucesso com a série "Harry Potter" emplacou este ano um pequeno filme chamado "Barbie". "Existe um vislumbre do futuro e sabemos, por tudo que é dito no livro, que as aventuras de Wonka não terminam ali."

Não só as de Willy Wonka, mas de uma coleção de personagens, presentes e futuros, que enriquecem este mundo lapidado para nos encantar. Quando brinco que talvez exista espaço para mais histórias com Basílio, o segurança, Simon Farnaby não perde a piada: "Você foi um dos poucos que entendeu que este filme é sobre um guarda que se apaixona e a solidão de seu trabalho". Paul King, ligeiro, completa: "Ele tem uma série inteira de 27 episódios no Max, que a gente já devia estar promovendo!"

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