Roberto Sadovski

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Reportagem

'O Assassino': David Fincher explica como fez uma ideia batida parecer nova

Alguns filmes têm a incrível capacidade de nunca cansar. Não importa quantas vezes a gente assista, sempre existe algo novo a ser descoberto. "O Assassino", de David Fincher, é um destes filmes. Rodado com precisão impecável e um inesperado senso de humor, o thriller encabeçado por Michael Fassbender teve uma breve carreira no cinema e agora está disponível em streaming — aqui em casa, ao menos, segue em alta rotação.

Exatamente por isso que, quando a turma da Netflix me perguntou se eu tinha interesse em conversar com Fincher, a resposta foi um "sim" entusiasmado. Ao contrário de boa parte das entrevistas com diretores, o papo com o diretor de "Seven" é sempre descontraído e revelador. Foi assim quando papeamos anos atrás no lançamento de "Zodíaco", e mais recentemente quando ele fez "Mank".

Na conversa em vídeo com o diretor, que se desculpou por seu fundo de tela temático ser "Star Trek", David Fincher fala sobre o processo para produzir "O Assassino", além de pérolas sobre como escolher um bom elenco, o segredo de contar uma boa história que todos de certa forma já assistimos e por que ele saiu de casa para assistir a "Assassinos da Lua das Flores" no cinema. Acredite, não há como não concordar.

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Uma vez você disse que nem sempre consegue fugir do óbvio ao escolher seu elenco. Em "Vidas em Jogo", por exemplo, buscava um "homem de meia idade em crise", escolheu Michael Douglas. No caso de "O Assassino", Michael Fassbender sempre foi sua única opção?
Bem, vamos falar sobre Michael Douglas por um segundo. Ele não foi escalado por sua idade. Michael Douglas foi escolhido porque ele traz um tipo muito específico de raiva e um tipo específico de frustração. Se você tem um filme em que vai torturar um cara por ser ostensivamente rico, Michael é muito sagaz e pode ver além do sadismo. Ele conseguiu transformar uma situação do tipo "Um Conto de Natal para Nicholas van Orton" em algo divertido. No que diz respeito a Fassbender, não sei se você viu o trabalho dele, mas ele é muito bom! (risos)

Eu diria que sim!
Sendo honesto com você, não sei se teríamos feito o filme se ele tivesse recusado. A mesma coisa vale para Tilda Swinton. Um dos aspectos que pouca gente conhece sobre a escolha de elenco é que é um efeito dominó, uma espécie de alquimia no qual você busca cobrir certos aspectos que você precisa de um personagem. Por exemplo, o papel de Tyler Perry em "Garota Exemplar" foi escrito para Alec Baldwin. Ele deveria ser esperto. Ele deveria ser suave. Ele deveria ser extremamente bem articulado. Mas eu sentia que, com um sujeito chamado Tanner Bolt, tínhamos de ter muito cuidado para preservar outro aspecto nele: ele é um bom apresentador de talk show.

Em que sentido?
O personagem de Ben Affleck deveria ser razoavelmente inteligente, certamente está sob muita pressão, e Tanner tinha de ser capaz de acalmar esse cara. Eu precisava desse elemento apaziguador. É fácil optar por alguém no estilo "O Sucesso a Qualquer Preço", o cara que diz "café é para quem fecha o negócio". Dá para ver esse sujeito no papel. Mas havia outro argumento, que acho que no final nos ajudou. Quando Tanner diz "você e sua esposa são certamente as pessoas mais fodidas na cabeça que eu já conheci", isso é simplesmente mais engraçado quando é Tyler Perry quem fala. (risos)

O diretor David Fincher
O diretor David Fincher Imagem: Netflix

Fiquei curioso para saber quantas viagens vocês fizeram para filmar "O Assassino".
Viajamos para todos os lugares que você vê no filme! Começamos em Paris. Fomos para o Caribe, na República Dominicana. Filmamos em Paris por cerca de três semanas. A República Dominicana demorou três semanas. Depois estivemos em Nova Orleans, na Louisiana, que também serviu de cenário para... (hesita)

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Para a Flórida.
Era Nova Orleans e Flórida na Louisiana. Depois fomos para Chicago e fizemos Nova York e Chicago, em Chicago. (risos) Tocamos a pós-produção em Los Angeles. Portanto, praticamente tudo que você vê no filme entrou em nosso cartão de milhagem. Exceto que não fomos para Nova York.

Quando você constrói um filme em torno de tantos locais, os lugares desempenham um papel ou poderiam ser quaisquer cidades em qualquer situação?
Foi importante começarmos em Paris porque é a adaptação de uma história em quadrinhos francesa. Mas não é que a locação seja essencial. A República Dominicana com certeza traz praias incríveis e um recorte de selva que pode sugerir uma espécie de refúgio exuberante e a ideia de poder se esconder, mas acho que quase todos os locais pelos quais ele viaja estão lá para ressaltar a ideia de um sujeito escondido à vista de todos.

Nada de sofisticação.
A ideia era essa. Não queria um Aston Martin e ele usando um terno de US$ 3.000. O que temos é um cara na classe econômica, sentado no fundo, com aquele chapéu ridículo, que pode ser um assassino. E não digo isso no sentido de ser absurdo! Eu gosto da ideia de que você provavelmente esbarrou nesse cara no McDonald's. Você o viu em uma loja de departamentos. Ou esperando o ônibus. Nós conversamos sobre ele escapar de Paris em um patinete elétrico! Estávamos preparados para humilhar muito esse sujeito. (risos)

David Fincher dirige Michael Fassbender em 'O Assassino'
David Fincher dirige Michael Fassbender em 'O Assassino' Imagem: Netflix

"O Assassino" é seu segundo filme com a Netflix depois de "Mank". E você criou "House of Cards" e "Mindhunters" com eles. Qual é a maior vantagem do streaming hoje?
Acho que, antes de mais nada, você sabe que existe uma espécie de medo institucional do fim de semana na maioria dos grandes estúdios. Não me parece um plano maluco quando alguém lhe diz que gostaria de abrir a carteira e fazer um filme com você, e esse filme ficará conosco para sempre, e não vamos gastar US$ 100 milhões em divulgação, porque é aí que seremos competitivos. A ideia é concentrar no conteúdo e fazer com que as pessoas saibam que esse conteúdo está aqui. Não desejo essa pressão do fim de semana de estreia a ninguém, não faz sentido ganhar a vida tendo de gastar US$ 100 milhões para fazer as pessoas assistirem aos US$ 100 milhões que você gastou em uma ideia. "Clube da Luta" demorou muito para as pessoas gostarem, "Zodíaco" certamente não foi descoberto em seu lançamento inicial.

O cinema precisa respirar.
Bem, todo o processo hoje gerencia uma expectativa que não é real, especialmente quando alguns filmes são exercícios em estilo. Eu não escolhi a ideia de "O Assassino" por ser inédita. Escolhi porque as pessoas entendem que essa alegoria é uma forma de entregar uma espécie de experiência cinematográfica. A estrada é a mesma, só estamos parando para apreciar coisas diferentes no caminho. E temos um sujeito no centro disso que não é totalmente confiável. Sim, ele pode matar com qualquer uma das mãos, mas ele também é um cara que tem sua playlist, alguns problemas organizacionais e está comprometido com essas ideias que, dada sua linha de trabalho, podem não ser executáveis. Todas essas coisas foram interessantes para mim. Nós já vimos o assassino que erra e, depois, se torna parte dessa cadeia alimentar. Mas eu queria demonstrar o quão diferente você poderia fazer o pudim.

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A cultura pop foi dominada nos últimos anos por filmes baseados em propriedades intelectuais, algo que pode ser embalado e colocado em uma loja de brinquedos. Mas esse ano tivemos "Oppenheimer" fazendo barulho nas bilheterias e "Assassinos da Lua das Flores" no centro das conversas, ao mesmo tempo que estrelas como Marvel e DC perderam parte de seu poder. Ainda existe espaço para um filme ser só um filme, com começo, meio e fim?
Sim, com certeza. Sou a pessoa errada para perguntar, porque não vejo filmes baseados em produtos. Provavelmente sou muito parecido com você, gosto de ficar na fila e quero ouvir sugestões de alguém em quem confio e que compartilhe meu gosto. Eu fui ver "Assassinos da Lua das Flores" porque, claro, era um filme de Scorsese, e eu queria ver um western feito por um cara de Nova York. (risos)

Não é o pior dos motivos...
Eu meio que sinto que dá para ver que um filme vai funcionar já no trailer. Eu vejo um trailer pela primeira vez e penso se foi cinematográfico, se parece saber usar todas as ferramentas do cinema, mesmo que tenha sido destilado em dois minutos. E eu acho que o cinema que parece cumprir a promessa de levar o público em uma jornada é sempre o que passa do ponto de corte. A gente não queria reinventar nada em "O Assassino", e sim colocando nossa atenção nas pérolas e não no cordão. O que mantém tudo unido é menos importante para mim do que as coisas que constroem cada momento. Isso faz algum sentido? (risos)

Sophie Charlotte em 'O Assassino'
Sophie Charlotte em 'O Assassino' Imagem: Netflix

Com certeza. Infelizmente eu tenho de encerrar. Mas antes preciso fazer uma última pergunta sobre Sophie Charlotte, a atriz brasileira que você..
(interrompendo) A adorável Sophie Charlotte!

Como você chegou a ela? Foi algum trabalho que você viu, ela enviou um teste gravado...
Ela mandou um teste em vídeo, e as coisas se alinharam. Até porque a descrição da personagem não era fácil. A gente buscava alguém que fosse essa criatura incrivelmente adorável, que deveria ter sido protegida e que foi brutalmente atacada. Foi um processo delicado, já que só a vemos curada no final, e em sua primeira cena eu queria que parecesse que ela tinha lutado quinze rounds com o Jake LaMotta.

O papel de sonhos para qualquer atriz!
Exato! (risos) Eu vi no teste de Sophie alguém realmente deslumbrante, cativante e muito divertida. É uma coisa estranha pedir a uma atriz para ela passar duas horas em uma cadeira para podermos cobrir todo o seu rosto até ela ficar completamente irreconhecível. Sophie nunca hesitou -- pelo contrário, ela ficou empolgada com a experiência.

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David, é sempre um prazer conversar contigo, espero que possamos fazer isso novamente.
E eu espero fazer outro filme! (risos)

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