Roberto Sadovski

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Opinião

Irregular e desnecessário,'As Marvels' joga mais areia no futuro do estúdio

Filmes podem ser bons e filmes podem ser ruins. Mas quando eles não têm absolutamente nenhum propósito, a coisa complica. Não há melhor exemplo do que este "As Marvels", supostamente mais um movimento no xadrez cinematográfico que o estúdio vem jogando há mais de uma década. São duas horinhas de ameaças cósmicas, humor duvidoso e ação genérica que servem, quando muito, para dizer "o melhor ainda está por vir!".

A estratégia funcionou em sua primeira fase de produções, quando a Marvel construiu a ameaça de Thanos porque se deu o trabalho de desenvolver com cuidado uma dúzia de personagens ao longo do caminho. Quando a conclusão chegou em "Vingadores: Ultimato", o público sabia exatamente o que estava em jogo, havia uma evolução emocional que justificava cada um dos filmes que nos conduziram ao clímax (menos você, "Thor: O Mundo Sombrio"!).

"As Marvels", por sua vez, é aleatório. Desinteressante como filme solo e desnecessário para agregar a esse universo compartilhado, ele surpreende pela falta de coesão. Os eventos de "Invasão Secreta" e a presença maciça de alienígenas residindo na Terra nem sequer são mencionados. O mesmo vale para a linha temporal confusa, que não sabe o que fazer com as mais de três décadas que separam os eventos de "Capitã Marvel" e a nova aventura.

A questão principal é que "As Marvels" perdeu o direito de ser só um filme. Impressiona que a preocupação da Marvel, nessa altura do campeonato, ainda seja colocar mais tijolos em seu universo cinematográfico. Em vez de o movimento ser orgânico, ele agora é grosseiro. Pior ainda: o estúdio trata o filme como uma distração, um trailer para a cena pós-créditos que joga uma pista do que está por vir. E um eterno jogo do empurra, e do lado de cá a turma cansou de esperar.

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"As Marvels" é uma bagunça abismal. A diretora Nia DaCosta, que fez o interessantíssimo "A Lenda de Candyman", não consegue decidir o tom da aventura. Existe uma finalidade prática na trama, uma narrativa mais convencional, entrecortada por momentos absolutamente bizarros que minam o fluxo da história. São escolhas que, em vez de envolver, terminam por confundir o público. Uma jogada errada em um filme suficientemente confuso.

A essa altura qualquer um e seu cachorro sabe que assistir a um produto da Marvel exige uma bula de filmes e séries. "As Marvels" pede conhecimento prévio da série "Ms. Marvel", que apresentou a adolescente Kamala Khan (Iman Vellani), uma fã da Carol Danvers (Brie Larson) que também ganha poderes. O terceiro vértice é Monica Rambeau (Tayonah Parris), que trabalha com Nick Fury (Samuel L. Jackson) e ganhou suas habilidades meta-humanas em "WandaVision".

O trio, cada um com um poder que envolve a manipulação de luz, tem suas habilidades misturadas por conta de uma aberração cósmica. Cada vez que usam suas habilidades, elas trocam de lugar umas com as outras, criando uma dinâmica que as obriga a trabalhar em equipe. A vilã é a nova líder da raça Kree, Dar-Benn (Zawe Ashton), que busca vingança contra Danvers por ações do passado que condenaram seu planeta natal.

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Samuel L. Jackson confortável até demais como Nick Fury em 'As Marvels'
Samuel L. Jackson confortável até demais como Nick Fury em 'As Marvels' Imagem: Marvel

"As Marvels" conduz o trio por um punhado de cenas de ação que, por fim, não conversam entre si. Existe um relacionamento mal resolvido entre Carol e Monica que data do primeiro "Capitão Marvel", quando a segunda ainda era uma criança e se sentiu abandonada quando a "tia" partiu em suas aventuras espaciais. Não há chance de desenvolver essa relação, já que Kamala termina se impondo como a fangirl suprema da Capitã - outro fiapo de texto que também não vai para lugar nenhum.

Quando o filme ensaia dar qualquer dimensão às suas protagonistas, ele tem de parar com um ataque em uma colônia Skrull (a segunda raça alienígena predominante). A coisa volta a fluir e pisamos no freio de novo quando elas terminam em um planeta em que a comunicação não é falada, e sim cantada - e tudo vira um número musical de Bollywood, até a ideia ser imediatamente abandonada. Esperamos conhecer melhor as três Marvel e o filme já está na batalha final. É exaustivo. E inconsequente.

O elenco é correto, com Brie, Tayonah e Jackson fazendo o feijão com arroz, Zawe Ashton se esforçando ao máximo (e fracassando) para ir além do vilão genérico, e a dupla Zenobia Shroff e Mohan Kapur como os craques do jogo no papel dos pais de Kamala. É com eles que "As Marvels" encontra o volume correto do humor e é deles que bate o único pulso emocional do filme. Bom, ter um punhado de gatinhos fofinhos não atrapalha.

Iman Vellani é uma fofa como Kamala Khan... mas ainda lhe falta estofo dramático!
Iman Vellani é uma fofa como Kamala Khan... mas ainda lhe falta estofo dramático! Imagem: Marvel

Iman Vellani é, por sua vez, o maior trunfo e o pior problema de "As Marvels". Como Kamala Khan, ela precisa equilibrar a adolescente deslumbrada com a jovem que precisa amadurecer, e Iman tem a inocência e o entusiasmo para vender essa ideia. Por outro lado, é difícil engolir que uma menina de 16 anos de repente tenha habilidades marciais que a colocam no mesmo patamar de alienígenas treinados para a guerra.

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O filme não lhe faz favores, já que Kamala não tem arco dramático definido, e sai da história exatamente como entrou, deslumbrada e levemente irritante. Iman é fofa, interage com os fãs e é extremamente carismática, além de ser totalmente apaixonada pela Marvel. Mas lhe falta talento dramático para injetar alguma nuance na personagem, e isso fica evidente ao dividir a cena com gente mais tarimbada. Do jeito que está, ela não é atriz, ela é um meme.

"As Marvels" deixa o estúdio em uma posição delicada, já que existe uma aposta clara em Iman Vellani, que ainda está verde para ter essa responsabilidade. Para piorar, a inevitável cena pós-créditos aponta uma tendência perigosa para o futuro, já que não existe uma progressão dramática neste universo por estar eternamente amarrada ao passado - sorry, nada de spoilers aqui. Nostalgia, repito sempre, é um motor poderoso na cultura pop. Mas quando a linha de produção se torna um círculo infinito, fica difícil dar a mínima.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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