Roberto Sadovski

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Opinião

Por que a Netflix devia lançar 'Rebel Moon' no cinema

"Rebel Moon", de Zack Snyder, é o tipo de filme-conceito que raramente dá as caras no cinema atual. É uma ficção científica de escopo épico, em que o diretor não esconde sua paixão por "Star Wars", "Duna" e outros fragmentos de cultura pop, costurados em uma ideia original. Sem falar que é um projeto caro e ambicioso, que não tem a "garantia" de ser baseado em uma propriedade intelectual já existente.

Se esse tipo de produção já tem cada vez menos espaço no multiplex, "Rebel Moon" está ignorando por completo um lançamento em cinemas. Sua estreia está agendada para 22 de dezembro unicamente na Netflix. A plataforma de streaming está pagando a conta e segue avessa a uma grande estreia em tela grande. Essa decisão é, ao mesmo tempo, um tiro no pé e uma oportunidade perdida.

Podemos começar pelo motivo mais óbvio: existe uma lacuna de filmes em larga escala nos cinemas em dezembro. Quando "Duna - Parte 2" preferiu o conforto de um lançamento em março, esquivando-se das consequências da atual greve de atores e roteiristas em Hollywood, a temporada do fim do ano ficou com um único candidato a blockbuster: "Aquaman 2". Com três strikes no cinema este ano, não existe exatamente comoção popular para rever qualquer herói da DC no cinema.

"Rebel Moon", por outro lado, é uma fantasia de ficção científica grandiosa, realizada por um diretor com uma base de fãs fervorosa. Goste ou não de seus filmes, Zack Snyder fez com que seu nome fosse o principal atrativo de suas produções, e o acordo com a Netflix lhe dá a liberdade criativa que ele não tinha trabalhando com a caixa de brinquedos dos amiguinhos. Por mais que tentasse imprimir seu estilo, ele não é dono do Superman ou do Batman.

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O streaming ergueu-se como força inabalável, especialmente durante a pandemia que forçou o planeta a ficar em casa. Vários lançamentos trocaram o escurinho do cinema pelo conforto do sofá da casa, e é natural que exista investimento em volume. Era regra no auge das videolocadoras, com astros do cinema emplacando um ou outro filme menos direto em vídeo.

Quando um lançamento é restrito unicamente para o streaming, contudo, algo se perde. Pode chamar de charme, pode chamar de experiência coletiva, mas o fato é que uma produção destinada unicamente para consumo doméstico não traz o mesmo peso e a mesma grandiosidade de uma estreia no cinema. Não é a mesma coisa.

A própria Netflix já percebeu a diferença, especialmente com seus filmes que miravam a temporada de premiações, como "Roma", "O Irlandês", "Mank" e "Ataque dos Cães", todos beneficiados por uma janela, limitada que fosse, para exibição em tela grande.

Não duvido que "O Assassino", de David Fincher, dê as caras no circuito exibidor. O cinema, afinal, traz prestígio. É o que os executivos da AppleTV+, por exemplo, parecem ter percebido. Em 2022, com lançamento limitadíssimo em circuito, a plataforma garfou um Oscar de melhor filme com "No Ritmo do Coração"

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O grupo de rebeldes (epa!) em 'Rebel Moon'
O grupo de rebeldes (epa!) em 'Rebel Moon' Imagem: Netflix

Eles mudaram a estratégia para "Assassino da Lua das Flores", de Martin Scorsese neste ano. O plano inicial espelhava o de outras plataformas de streaming, com estreia reduzida nos cinemas e, duas semanas depois, o estardalhaço de seu lançamento para ser visto em casa. Agora, o drama com Leonardo DiCaprio e Robert De Niro terá lançamento mundial exclusivo no cinema, em parceria com a Paramount, sem ter data reservada para as plataformas domésticas.

Todos ainda são filmes com um público menos amplo, longe da turma ávida por espetáculos fora de casa. "Rebel Moon" seria, portanto, o filme perfeito para a Netflix abraçar de vez o cinema, valorizando também sua própria biblioteca em streaming. A plataforma não é avessa a produzir candidatos a blockbuster, como os dois "Resgate" (com Chris Hemsworth), "Agente Oculto" (com Ryal Gosling e Chris Evans), "Alerta Vermelho" (com Dwayne Johnson, Ryal Reynolds e Gal Gadot) e o recente "Agente Stone", também com a ex-Mulher-Maravilha.

"Rebel Moon", por sua vez, parece maior que todos eles combinados. Zack Snyder não esconde ter usado a liberdade recém-adquirida para criar uma fantasia que abraça todas as suas idiossincrasias. A julgar pelo trailer grandioso, o pacote está embalado num épico de ficção científica que parece gritar por uma tela gigante com o som no talo.

O projeto é tão imenso que está dividido em duas partes. A primeira, "A Menina do Fogo", chega em dezembro. A segunda, "A Marcadora de Cicatrizes", estreia em abril. Arrisco que, como experiência cinematográfica única, "Rebel Moon" nadaria de braçada.

O diretor Zack Snyder no set de 'Rebel Moon'
O diretor Zack Snyder no set de 'Rebel Moon' Imagem: Netflix
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Curiosamente, o próprio Snyder não faz a menor questão que seu filme seja visto no cinema. Em entrevista ao Polygon, o diretor explicou que o atual modelo de lançamento no circuito exibidor não lhe parece interessante, em especial pelas restrições de duração e classificação etária. "Eu sinto que lançar no cinema tira a energia do filme", disse. Soa, honestamente, como dor de cotovelo.

É um lançamento, devo ressaltar, com sua dose de ironia. "Rebel Moon" sequer foi visto por qualquer ser vivo no planeta e Zack já anunciou uma "versão do diretor" com uma hora a mais. Com um filme já dividido em dois, e a liberdade de criar sua história com zero interferência, a existência de uma versão mais, digamos, "autoral", parece contraditória. Vai saber.

Zack Snyder criou "Rebel Moon" como uma aventura mais sombria dentro da marca "Star Wars", mas a LucasFilm não abraçou a ideia. O cineasta partiu então para desenvolver seu próprio universo e a Netflix pagou para ver. Sem um lançamento nos cinemas, entretanto, o épico espacial jamais vai alcançar seu potencial, ou sequer ser visto com o tratamento que merece.

É um desperdício para o cineasta e para a Netflix, que poderia aqui disparar uma série de filmes com vida no cinema e uma segunda perna em streaming. Para deixar a coisa ainda mais doce, "Rebel Moon" poderia chegar aos cinemas com seu corte inicial e, depois de uma temporada em cartaz, capitalizar a versão do diretor para seu lançamento no conforto do lar.

Os próprios fãs do diretor, uma turma devota e refratária a críticas a seu ídolo, foram os primeiros a cravar: "Rebel Moon" precisa ser lançado nos cinemas como um grande filme-evento. Desta vez, eu concordo inteiramente com os snyderfans.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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