O irresistível 'One Piece' é a melhor adaptação de um mangá fora do Japão
"One Piece" é uma grande tolice, uma série absurdamente ridícula e irresistivelmente divertida. Não poderia ser diferente. A versão live-action da saga concebida por Eiichiro Oda, em 1997, finalmente interrompe uma longa sequência de péssimas adaptações de mangá produzidas pelo Ocidente. O segredo? Abraçar sem medo o absurdo do material original.
Não foi uma decisão fácil. A percepção da cultura pop equilibra-se em um abismo entre o Ocidente, em especial as propriedades intelectuais americanas, e o Oriente, com o material quase infinito publicado no Japão. Se histórias em quadrinhos aos poucos deixam sua bolha de nerds e ampliam seu público, o mangá é parte integral da sociedade japonesa, capilarizando-se em feudos que se estendem por séries animadas, filmes, brinquedos e centenas de traquitanas.
Nessa montanha de entretenimento, "One Piece" reina supremo. Desde seu lançamento, a série já soma mais de mil (!) capítulos reunidos em pouco mais de uma centena de volumes. São mais de 60 países consumindo mais de 500 milhões de cópias do mangá. Se eu repito "mais" ao longo deste parágrafo (e do texto), é para ilustrar o quanto a marca coleciona superlativos.
Quando digo "marca", o certo seria "império de mídia". "One Piece" ganhou um anime em 1999 que também já soma mais de mil episódios, com outros 14 longa-metragens em animação e mais uma dúzia de especiais para a televisão. É, de longe, o mangá mais vendido da história, e uma propriedade intelectual com estofo para ir muito além de sua base de fãs. O cuidado com uma série live-action, portanto, é justificado.
O fato de Oda manter os olhos grudados na produção não foi apenas uma jogada de marketing, e sim um ótimo exemplo de controle de qualidade. Em muitas adaptações de mangás e animes por Hollywood, o senso de humor bizarro e os conceitos visuais absurdos são suavizados e enfraquecidos por conta da miopia de muitos executivos temerosos de o produto não encontrar seu público.
Esse pensamento viu obras como "Ghost in the Shell" e "Cowboy Bebop" esvaziadas em conceito, sobrando um vislumbre de seu apuro visual. "One Piece", por outro lado, não tem o menor pudor em assumir um senso de humor decididamente tolo, embalado por personagens por vezes ridículos, com todo o pacote se mostrando charmoso e empolgante. São bons personagens em uma trama simples de seguir, que adapta com respeito a obra de Oda.
À frente de "One Piece" está Monkey D. Luffy (o espetacular Iñaki Godoy, que a gente quer imediatamente como melhor amigo), um autoproclamado pirata que, auxiliado por seu corpo de borracha e entusiasmo aparentemente infinito, busca o "one piece", um tesouro mítico que o tornaria Rei dos Piratas.
Em sua jornada ele forma uma tripulação com a ladra Nami, o espadachim Zono (Mackenyu, que se redime aqui do fiasco "Os Cavaleiros do Zodíaco"), o atirador/inventor Usopp e o cozinheiro/artista marcial Sanji.
A melhor coisa em "One Piece" é dispensar qualquer conhecimento do material original para ser apreciado. Sem exigir uma bula — o que, depois de mil episódios em mangá e anime, seria proibitivo —, os produtores criaram a melhor versão possível sem abrir mão de sua excentricidade e criatividade.
Existe em "One Piece" um pouco da loucura narrativa do Terry Gilliam de "As Aventuras do Barão Munchausen", da inventividade prática de Tim Burton em "Beetlejuice" e da bobeira pop do "Batman" dos anos 1960.
A única coisa que impede a série de alcançar voos ainda mais altos é, curiosamente, sua vontade de espelhar cada marco narrativo do material original. É quando a animação como plataforma se mostra veículo insuperável para a imaginação sem limites. São pecados menores, mais do que compensados pela celebração deste mesmo material.
É um feito alcançado com louvor pelo elenco absurdamente afiado e, principalmente, pelo desejo de fazer com que "One Piece" seja acessível a todos, seja um fã calejado, seja uma nova geração que nunca colocou as mãos em um mangá.
Levemente fora da casinha, fácil de acompanhar e divertida para sua criança interior (e para a própria molecada, por óbvio), "One Piece" pode não ter me tornado um devoto. Mas é envolvente o bastante para me fazer aguardar entusiasmado por cenas dos próximos capítulos.
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