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Roberto Sadovski

REPORTAGEM

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Rick Dalton, astro da TV e de westerns spaghetti, 'morre' aos 90 anos

Leonardo DiCaprio, o Rick Dalton, em "Bounty Law" - Sony
Leonardo DiCaprio, o Rick Dalton, em 'Bounty Law' Imagem: Sony

Colunista do UOL

23/05/2023 04h00

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Enquanto a nata do cinema se reunia no Festival de Cannes no último fim de semana, celebrando a estreia de "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" e "Killers of the Flower Moon", Hollywood perdia um de seus ícones esquecidos. O ator Rick Dalton, que ganhou fama na TV no começo dos anos 1960 na série "Bounty Law", e depois nos anos 1980 como astro de filmes de ação B, morreu no Havaí após anos em reclusão. Ele tinha 90 anos.

Dalton fez parte de uma geração que despontou no cinema do pós-Guerra, mas que terminou encontrando refúgio na telinha da TV. Depois de gravar uma fileira de pilotos nunca exibidos, e de lapidar seu talento em papéis pequenos, ele finalmente ganhou sua chance em "Bounty Law", série de western rodada em Los Angeles.

Entre 1959 e 1963, Dalton fez seu nome semanalmente na TV, mas nunca escondeu o sonho de estourar no cinema. A influência do sucesso de seu "rival", Steve McQueen, não pode ser ignorada. Depois de também conhecer a fama numa série de western, "Procurado Vivo ou Morto", McQueen levou sua personalidade de antiherói para a tela grande no sucesso "Sete Homens e Um Destino" (1960).

Os triunfos de McQueen aumentavam ainda mais a insegurança de Dalton, problema que piorou em 1963, quando ele perdeu o papel na aventura da Segunda Guerra "Fugindo do Inferno" justamente para o colega. Nos anos seguintes, a diferença entre os dois ficou clara, já que McQueen tornou-se um ícone e Dalton ficou preso em papéis coadjuvantes ao longo de seus quatro anos de contrato com a Universal. O drama de guerra "The 14 Fists of McClusky", em que ele usa um lança-chamas, lhe rendeu certa notoriedade, mas não o suficiente.

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Rick Dalton foi vilão em várias séries de TV, como "O F.B.I."
Imagem: Sony

A partir de 1967, ele passou a assumir o papel de visão em diversas séries de TV. Era o que mantinha as contas pagas e seu transtorno bipolar mais ou menos sob controle. No automático, Dalton abraçou o que seria seu fim de carreira aparecendo em programas como "Tarzan", "O Besouro Verde", "Terra de Gigantes" e "O F.B.I.", em um de seus trabalhos mais festejados como o "vilão da semana".

Ao gravar o piloto para outro western televisivo, "Lancer", Dalton sentiu sua fagulha como ator reacender, muito em parte pelo trabalho do diretor Sam Wanamaker e da atriz mirim Trudi Frazer. Foi o estopim para ele começar uma segunda fase em sua carreira, rodando uma série de faroestes na Itália, muitos sob a direção de Sergio Corbucci.

Rick Dalton não era um astro fácil de se lidar. Seu dublê (e ocasional melhor amigo), Cliff Booth, era quem o mantinha sob controle. Mesmo não se acostumando com a estrutura do western spaghetti e suas equipes pinceladas de toda a Europa, o que fazia dos sets versões da Torre de Babel, o ator experimentou sucessos como "Kill me Quick, Ringo, Said The Gringo", o cultuado "Nebraska Joe" e o controverso "Red Blood, Red Skin", baseado no livro polêmico "O Único Índio Bom é Um Índio Morto".

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Seu trabalho no piloto de 'Lancer' fez Dalton recuperar o prazer em atuar
Imagem: Sony

Em 1970, Rick Dalton rodou uma paródia de James Bond, também na Itália, chamada "Operazione Dyn-O-Mite!". Durante as filmagens, começou um relacionamento com a atriz Francesca Capucci, com quem se casou e passou a contemplar uma vida desacelerada. No mesmo ano ele foi vilão convidado em um episódio de "Missão: Impossível", espelhado na fama obtida quando ele matou um ano antes a jovem Sadie Atkins. Membro da notória Família Manson, ela e seus colegas invadiram a casa do astro, que a despachou usando um lança-chamas.

A terceira fase de sua carreira aconteceu nos anos 1980, depois que ele protagonizou o filme de ação "The Fireman". O cinema aos poucos lhe fechava as portas, mas Dalton conseguiu fama como astro de filmes B lançados direto em VHS. Ele protagonizou uma série de produções para o estúdio Cannon, geralmente cópias de sucessos classe A rodadas na Itália e nas Filipinas. Duas sequências de "The Fireman" e o drama "Coming Home in a Body Bag", além de uma série de papéis lucrativos como coadjuvante na TV, precederam sua aposentadoria em 1988.

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A homenagem de Quentin Tarantino na fachada de seu cinema, o New Beverly, em Los Angeles
Imagem: Reprodução

Rick Dalton, ao lado de sua Francesca, se mudou para o Havaí, onde ele viveu as décadas seguintes de forma discreta. Às vezes ele ressurgia em algum revival, como no Festival de Cinema Internacional do Havaí em 1996, onde ele conheceu o cineasta Quentin Tarantino. O diretor de "Pulp Fiction" ainda assinou a curadoria de uma retrospectiva do astro.

O próprio Tarantino relembrou a figura poderosa, por vezes polêmica, de Rick Dalton na marquise de seu cinema em Los Angeles, o New Beverly. Ele foi o primeiro a confirmar sua morte em uma postagem de seu podcast, "The Video Archives", se dizendo "entristecido pela perda do ator Rick Dalton, conhecido por seu papel na série de sucesso 'Bounty Law' e pela trilogia 'The Fireman'. Rick morreu em paz eu sua casa no Havaí, deixando sua esposa, Francesca".

A partida de Rick Dalton deixa no ar um mistério e uma certeza. Primeiro, Cliff Booth, que queimou seu nome no mercado depois de surrar o astro Bruce Lee num intervalo de filmagem, nunca mais foi visto. Segundo — e mais importante! —, não podemos dizer que o diretor de "Era Uma Vez em Hollywood" (com Leonardo DiCaprio, mas você provavelmente sabe disso) não tem senso de humor.