Topo

Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que 'Star Wars' ainda é a marca mais importante da cultura pop

Daisy Ridley como Rey em "Star Wars: O Despertar da Força" - LucasFilm
Daisy Ridley como Rey em 'Star Wars: O Despertar da Força' Imagem: LucasFilm

Colunista do UOL

11/04/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A "galáxia muito distante" agora é também uma galáxia em franca expansão. A LucasFilm aproveitou a Star Wars Celebration, evento realizado em Londres no último fim de semana, para dar uma geral em projetos em cinema e streaming do universo bolado por George Lucas. Pelo que foi apresentado, este universo está maior do que nunca.

Bom, para ser honesto, demorou. "Star Wars" foi concebido por George Lucas em 1977 e tornou-se um dos filmes mais bem-sucedidos e influentes da história. Dois longas-metragem completaram a trilogia original, amarrando a história de Luke Skywalker e como ele se envolveu em uma guerra civil intergaláctica.

A saga era, até então, bastante hermética. Sua legião de fãs, ávidos por mais capítulos, recorreu a livros, games e quadrinhos que expandiam esse universo. Invariavelmente, a trama gravitava novamente em torno de Luke, Darth Vader, Han Solo e outros personagens emblemáticos.

swceleb 1977 - LucasFilm - LucasFilm
Carrie Fisher e Mark Hamill em 'Star Wars', o original de 1977
Imagem: LucasFilm

Desde que a LucasFilm foi comprada pela Disney em 2012, os fãs mais tradicionais temeram pela "integridade" da saga. Os novos proprietários obviamente encaravam "Star Wars" como o produto que sempre fora, e lentamente buscou encaixar novas histórias na moldura existente.

O sucesso financeiro de "O Despertar da Força", "Os Últimos Jedi" e "A Ascensão Skywalker" é inegável. Sua qualidade, porém, sofreu quando os produtores buscaram um equilíbrio impossível entre liberdade narrativa e o afago a uma horda de fãs descontentes com tudo que desviasse do abraço da história original.

Buscar novas vozes para "Star Wars" foi um trabalho complicado, e o descolamento do formato tradicional foi lento e doloroso. "Rogue One", de 2016, assumiu ser um filme de guerra, mesmo que conectado com o "Star Wars" de 1977, e se deu bem. "Han Solo" não teve o mesmo destino e foi vítima de um blaster certeiro, disparado por intrigas nos bastidores.

swceleb rogue - LucasFilm - LucasFilm
Felicity Jones e Diego Luna em 'Rogue One'
Imagem: LucasFilm

O caminho para que "Star Wars" finalmente se livrasse dos grilhões de seu passado veio com a série "The Mandalorian", criação do diretor Jon Favreau com o roteirista Dave Filoni, este o responsável pelo braço animado da LucasFilm. A série da Disney+, hoje em sua terceira temporada, foi um sucesso que ajudou a recuperar o foco da marca.

A solução estava a olhos vistos por todo esse tempo, mais especificamente em Dave Filoni. Selecionado a dedo pelo próprio George Lucas, ele preencheu as lacunas entre as prequels lançadas no cinema no começo do século - "A Ameaça Fantasma", "Ataque dos Clones" e "A Vingança dos Sith" - com a série animada "The Clone Wars". O que o desenho fez, entretanto, foi abocanhar uma nova geração de fãs.

Em vez de Luke, Han e a princesa Leia, as "caras" de "Star Wars" passaram a ser Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi, protagonistas das prequels, e uma coleção de coadjuvantes, entre heróis e vilões, transbordando personalidade.

Na Disney, e começando por "The Mandalorian", série ambientada no fim do Império pós "O Retorno de Jedi", Favreau e Filoni trouxeram, em meio à jornada do guerreiro mandaloriano Din Djarin ao lado de Grogu, o "Baby Yoda", versões live action de personagens que até então só existiam nos desenhos animados.

swceleb mando - LucasFilm - LucasFilm
Din Djarin e Grogu, o Baby Yoda, na terceira temporada de 'The Mandalorian'
Imagem: LucasFilm

Parte dos projetos anunciados durante a Celebration são a culminação das histórias iniciadas em "The Clone Wars" e em "Rebels", outra série animada, além de "The Mandalorian" e seu spin off, "The Book of Boba Fett".

Um deles é "Ahsoka", que acompanha uma aventura da Jedi interpretada por Rosario Dawson. Ela divide a cena com outras personagens que são familiares para essa nova geração de fãs, como Hera Syndulla (Mary Elizabeth Winstead), Sabine Wren (Natasha Liu Bosdizzo) e Ezra Bridger (Eman Esfandi).

A ponte com a trama "clássica" surge com o retorno de Hayden Christensen como Anakin Skywalker/Darth Vader. O vilão da série, o almirante Thrawn (Lars Mikkelsen), é criação da literatura de "Star Wars", ganhando aqui uma adaptação para sua estreia em uma série live action.

"Ahsoka" ainda é cria de Dave Filoni, que vai amarrar esse meio de campo do "presente" de "Star Wars" com um filme que marca sua estreia na direção. A produção ainda não tem título, mas o próprio produtor-agora-diretor adiantou na Celebration que a aventura será ambientada na Nova República e deve concluir não só a trama de "Ahsoka", mas também as de "The Book of Boba Feet" e, claro, "The Mandalorian".

A expansão de "Star Wars" para muito além da saga da família Skywalker deu o tom nos outros projetos divulgados na Celebration. A ideia é claramente se afastar de fãs mais radicais da série e trazer um público mais plural e menos engessado. A linha do tempo da saga, com vários períodos até então intocados fora de livros e gibis, passam a ganhar palco.

É o caso de "The Acolyte", ambientada na Era da Alta República. Foi o auge dos cavaleiros Jedi, que garantiam a paz no universo antes do ressurgimento dos malignos Sith. Os discípulos do Lado Sombrio da Força, poucos e enfraquecidos, armam seu ataque com a fúria dos animais acuados. A estreia da série será ano que vem na Disney+.

Já "Skeleton Crew" traz um tipo diferente de aventura no universo "Star Wars" - perdendo-se literalmente na vastidão desse universo. Jude Law é um Jedi que, ao lado de uma tripulação de crianças, precisa encontrar seu caminho de volta para casa. O diretor Jon Watts (que fez os três "Homem-Aranha" para a Marvel") está à frente do projeto, que contou com cineastas como David Lowery, Bryce Dallas Howard e os recem oscarizados Daniels ("Tudo em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo") comandando os episódios.

swceleb acolyte - LucasFilm - LucasFilm
Amandla Stenberg e Lee Jung-jae no set da série 'The Acolyte'
Imagem: LucasFilm

A surpresa real ficou por conta dos dois outros filmes que recolocam a série no cinema. Um deles é "Star Wars: Dawn of the Jedi", que traz James Mangold na direção. O cineasta consolidou sua parceria com a LucasFilm ao assumir o leme em "Indiana Jones e a Relíquia do Destino", que estreia em junho, e decidiu estender a visita.

Seu filme, que ele está escrevendo ao mesmo tempo em que roteiriza "Monstro do Pântano" para a DC, deve revelar a origem dos Cavaleiros Jedi e as primeiras impressões da Força, o que redefiniu a galáxia milhares de anos antes de o mestre Yoda existir. É um período de "Star Wars" até então intocado, com o potencial de disparar uma nova saga.

A grande novidade, entretanto, foi o anúncio da volta de Daisy Ridley como Rey, protagonista da trilogia moderna, para a qual os fãs radicais torcem o nariz. Eles não estão errados. Rey foi apresentada em "O Despertar da Força" como uma sucateira capaz de dominar o poder dos Jedi, então há muito extintos. O segundo filme, "Os Últimos Jedi", pavimentou seu caminho com uma ideia esperta do diretor Rian Johnson: a Força pode se manifestar em qualquer pessoa, em qualquer lugar.

swceleb last - LucasFilm - LucasFilm
Daisy Ridley treina como Rey em 'Os Últimos Jedi'
Imagem: LucasFilm

As decisões de |Johnson, porém, atiçaram a ira dos fãs, que não aceitaram ver seu ídolo, Luke Skywalker, como um mestre caído, isolado depois de cometer um erro terrível após a derrota do Império. Embora sua evolução narrativa tenha sido corajosa e ousada, o estúdio recuou quando mensagens de ódio direcionada a membros do elenco dominaram a discussão.

Como resultado, o filme seguinte, "A Ascensão Skywalker", apressou-se em desfazer as ideias de Rian Johnson. Sem absolutamente nada para colocar no lugar, o longa, dirigido por J.J. Abrams, gastou seu tempo fazendo de Rey uma herdeira canhestra do decrépito Imperador Palpatine. É a pior coisa já feita com a marca "Star Wars" desde o infame "Especial de Natal" exibido na TV americana em 1978.

Trazer Daisy Ridley de volta é o modo de a LucasFilm dizer ao fã ranheta que não há espaço no universo de "Star Wars" para esse tipo de seguidor tóxico. O novo filme, a ser dirigido por Sharmeen Obaid-Chinoy ("Ms. Marvel"), acontece quinze anos depois de "Ascensão", quando Rey, agora Mestre Jedi, tenta reconstruir a Ordem quando a galáxia mais precisa.

swceleb rise - LucasFilm - LucasFilm
Rey é tentada pelo Lado Sombrio da Força em 'A Ascensão Skywalker'
Imagem: LucasFilm

Não é a primeira vez que a LucasFilm anuncia novos produtos no universo "Star Wars". Taika Waititi ("Thor: Amor e Trovão") segue escrevendo seu filme dentro do universo, e sequer deu as caras na festa. "Rogue Squadron" perdeu sua diretora, Patty Jenkins ("Mulher-Maravilha"), e não se falou mais nisso. Outros projetos da marca também não saíram do estágio embrionário.

As coisas, no entanto, mudaram. O entusiasmo moderno com "Star Wars", especialmente depois de "The Mandalorian", mostra paixão renovada em uma geração de fãs que não só cresceram com histórias mais diversas, como também em um mundo em que representatividade é fundamental. Não há outra marca na cultura pop contemporânea, de Marvel a "Harry Potter", com escopo tão vasto.

Os novos filmes e séries buscam refletir nossa realidade - exatamente como George Lucas imaginou a coisa toda ainda nos anos 1970. Com aventuras para todos os públicos de todas as idades, fãs velhos, novos e novíssimos, "Star Wars" finalmente quebrou suas barreiras e passou a pertencer ao mundo. E não a fanáticos que não toleram dividir os brinquedos.