Com Jennifer Lopez, 'Atlas' abusa do direito de ser insignificante
As plataformas de streaming operam pelo volume. Vez por outra, algum gigante da "nova mídia" produz uma ou outra pérola, mas na maioria das vezes o fluxo existe para que o assinante tenha material novo constantemente à disposição. Como consequência natural, a qualidade do produto pode sofrer.
Mas, caramba, não precisa também abrir o alçapão no fundo do poço, como é o caso de "Atlas". Nada na ficção científica encabeçada por Jennifer Lopez parece fruto de esforço criativo. O único trabalho do diretor Brad Peyton parece ter sido assistir aos filmes de James Cameron, tamanho o montante de cenas, conceitos e elementos copiados sem nenhuma cerimônia.
De "O Exterminador do Futuro" ele pescou a ideia de uma inteligência artificial malvada, caçada aqui nas profundezas do espaço por um batalhão de soldados orientados por uma analista civil —mais ou menos como em "Aliens, o Resgate". Já os gigantescos exoesqueletos "pilotados" pelos soldados são remanescentes do equipamento de combate visto em "Avatar".
J-Lo é a tal analista, Atlas Shepherd, que evita a inteligência artificial em todas as suas manifestações desde que, 28 anos antes, uma IA humanoide e amigável, Harlan (Simu Liu), liderou uma revolta que exterminou 3 milhões de humanos. Acuado pelas forças militares humanas combinadas, ele e seus seguidores se pirulitaram para os confins do espaço.
Corta para o presente, quando um agente de Harlan é capturado e entrega sua localização, um planeta na galáxia de Andrômeda. Os milicos partem para a caçada, são emboscados em órbita por drones e eliminados na reentrada. Resta a Atlas, aninhada involuntariamente em um exoesqueleto, completar a missão —mesmo que para isso ela precise se conectar com a inteligência artificial de sua armadura mecânica, batizada Smith, para acessar todo seu potencial de combate.
Brad Peyton sabe criar o tipo de diversão descartável que acompanhamos com a TV ligada enquanto lavamos a louça ou brincamos com o gato. Com Dwayne Johnson ele fez "Viagem 2 - A Ilha Misteriosa", "Terremoto - A Falha de San Andreas" e "Rampage - Destruição Total". Filmes imperfeitos, mas que, no frigir dos ovos, não ofendem.
"Atlas", por outro lado, é a própria definição de esforço mínimo. Ao longo de intermináveis 120 minutos, o filme não traz estilo ou substância. O que temos, contudo, é Jennifer Lopez sozinha, trancada em uma gaiola de metal, fazendo terapia com um computador engraçadinho. Seu grande dilema é deixar de lado o desdém pela inteligência artificial e aceitar que a tecnologia, quando não surta numa fúria genocida, é bacana.
Jennifer Lopez pode não ser uma atriz de grandes dotes dramáticos, mas fez bonito em vários filmes como "Selena", "Irresistível Paixão", "A Cela" e, principalmente, no recente "As Golpistas". Em "Atlas", contudo, ela se resume a caretas, muxoxos e choro sem lágrimas —tudo dentro de seu amigo Smith, o ChatGPT do bem. Como estamos 100% do tempo a seu lado, impossível não compartilhar sua irritação e frustração.
A grande ironia é que, para um filme dedicado a defender um futuro em sintonia com a inteligência artificial, "Atlas" parece concebido e executado sem absolutamente nenhum vestígio de humanidade. É uma obra nascida da frieza do algoritmo, com total ausência de emoção ou criatividade. Seu único convite, por fim, é para desligarmos a TV. Um perigo!
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