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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nem a nostalgia salva o novo 'Jurassic World: Domínio' da irrelevância

O T-Rex ainda é o astro maior de "Jurassic Park: Domínio" - Universal
O T-Rex ainda é o astro maior de 'Jurassic Park: Domínio' Imagem: Universal

Colunista do UOL

02/06/2022 05h20

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Existe um momento em "Jurassic World: Domínio", quando a cientista Ellie Sattler (Laura Dern) reencontra o paleontólogo Alan Grant (Sam Neill), em que a aventura, até então arrastando-se sem encontrar seu ritmo, parece que finalmente vai decolar.

A faísca está ali, alimentada por dois atores que obviamente estão se divertindo horrores ao retomar seus personagens mais emblemáticos. São as peças que aparentemente faltavam se mover no tabuleiro. Logo, a engrenagem narrativa é colocada em movimento e então... Nada acontece.

Isso resume bem o blockbuster assinado por Colin Trevorrow, que volta ao comando da série depois de um hiato de sete anos e de um filme "do meio" dirigido por J.A. Bayona. Ao fim de duas horas e meia, com uma dezena de personagens zanzando em tramas paralelas, a sensação é que a história não foi para lugar nenhum.

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Laura Dern e Alan Grant alimentam a nostalgia em 'Jurassic World: Domínio'
Imagem: Universal

Não é um sentimento estranho quando pensamos na série iniciada há quase três décadas por Steven Spielberg. Mesmo evitando usar o termo "clássico" para um filme que eu assisti em seu lançamento, é a palavra que melhor descreve "Jurassic Park".

Ao adaptar o livro de Michael Crichton, Spielberg criou uma aventura que efetivamente mudou a história do cinema. Não somente por seus predicados narrativos, uma montanha-russa de puro júbilo cinematográfico, mas pelo uso pioneiro da tecnologia digital para recriar um mundo, até então, perdido.

Antes de "propriedade intelectual" ser a expressão vigente nos planos dos estúdios, a fortuna arrecadada por "Jurassic Park", um sucesso de US$ 1 bilhão, mostrou que havia mais a ser espremido do encanto em ver dinossauros realistas no cinema.

O problema é que esse encanto é quase impossível de ser reproduzido. O próprio Spielberg tentou na sequência "O Mundo Perdido", que quatro anos depois do primeiro filme mostrou o salto evolucionário da tecnologia a serviço de um roteiro que não saia do lugar.

Assim aconteceu também com o já esquecido "Jurassic Park III", que Joe Johnston fez em 2001, e com a nova trilogia iniciada em 2015 por "Jurassic World". Por mais que os filmes tentem - e eles tentam com força! -, nenhum deles consegue ir além de ser uma cópia mal acabada do original.

"Jurassic World: Domínio" sequer faz esforço. Ao lado da pseudociência e do papo sobre a responsabilidade em recriar criaturas extintas, o novo filme repete a luta pela sobrevivência na selva (não uma ilha, agora um vale), traz uma corporação malvada tentando explorar os dinos financeiramente e, por fim, termina com dois super dinossauros se enfrentando.

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Dinossauros digitais enfeitam a selva em 'Jurassic World: Domínio'
Imagem: Universal

Não que faça muita diferença, já que em "Domínio" os dinossauros são, sem nenhum exagero, irrelevantes. O final de "Reino Ameaçado", lançado em 2018, sugeria que as criaturas não estavam mais contidas em um ambiente controlado, e sim dividindo o resto do planeta conosco.

Seria uma premissa interessante, se ela fosse remotamente seguida. O que temos, entretanto, é o casal Owen Grady (Chris Pratt) e Claire Dearing (Bryce Dallas Howard) isolado nas montanhas, protegendo a adolescente Maisie Lockwood (Isabella Sermon), revelada no filme anterior como clone da filha de um dos fundadores do parque original, das garras de inimigos invisíveis.

Ela finalmente é capturada pela corporação chefiada por Lewis Dodgson (Campbell Scott), que na superfície prega a sobrevivência dos dinossauros soltos pelo mundo, mas que sequer tenta disfarçar seus objetivos financeiros. Maisie é levada para a sede da empresa, um imenso santuário para dinossauros no coração da Europa. Owen e Claire, claro, partem em seu resgate.

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Jeff Goldblum, Sam Neill e Laura Dern trazem o peso do legado em 'Jurassic World: Domínio'
Imagem: Universal

Paralelamente, Ellie Sattler investiga uma praga de gafanhotos gigantes geneticamente modificados que parecem executar ataques programados, colocando em risco o estoque de alimentos do planeta. Ela busca a ajuda de Alan Grant e os dois se reúnem com o matemático Ian Malcolm (Jeff Goldblum) - onde mais - na mesma sede corporativa/santuário que mantém Maisie prisioneira.

O encontro do elenco dos novos filmes com o time da aventura original tem seu charme, mas nenhuma das tramas tem a ver com dinossauros, e sim com a ameaça de uma corporação malvada. Sem uma visão artística sólida para amarrar as partes, como o subtexto de poder e responsabilidade no filme de 1993, o que resta é uma aventura eficiente e genérica.

Ainda assim, "Jurassic World: Domínio" é extremamente bem produzido, funcionando com eficiência como espetáculo visual. Colin Trevorrow é habilidoso em construir sequências de ação que conseguem alguma tensão - mesmo que as melhores sejam um copy/paste descarado de cenas superiores de "Jurassic Park". Não é, contudo, ao acaso.

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Bryce Dallas Howard aperta o botão em 'Jurassic World: Domínio'
Imagem: Universal

Os realizadores de "Domínio" sabem que nostalgia é a moeda corrente do cinemão hollywoodiano atual - o sucesso de "Top Gun: Maverick" é a maior evidência. Evocar a lembrança bacana de um produto admirado por gerações é a melhor ferramenta para compensar as deficiências da mercadoria atual.

A maior delas é que, não somente os dinossauros no novo filme são inconsequentes, mas tudo o que acontece em torno deles é igualmente irrelevante. Apesar das possibilidades abertas em "Reino Ameaçado", um filme imperfeito mesmo com grandes momentos, "Domínio" opta pelo caminho da inércia. As questões filosóficas e existenciais levantadas em "Jurassic Park" tem amplo espaço para se desenvolver, mas o caminho escolhido é o do conformismo.

"Jurassic Park" e, agora, "Jurassic World", são marcas bilionárias, propriedades intelectuais que alimentam uma indústria vasta, de parques temáticos a produtos colecionáveis. Dinossauros exercem um encanto inegável na humanidade, e não tenho dúvida que "Domínio" vai arrastar multidões ao cinema.

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Chris Pratt e Omar Sy ouvem o diretor Colin Trevorrow no set de 'Jurassic World: Domínio'
Imagem: Universal

Como manifestação criativa, porém, 'Jurassic World: Domínio' é uma obra apática. Talvez a ideia do retorno dos dinossauros via pesquisa genética fosse boa o bastante para um tiro, que Steven Spielberg disparou em 1993 ao fazer de "Jurassic Park" uma obra-prima do cinema moderno.

Talvez tudo que houvesse a ser dito sobre o tema foi esgotado ali, quando o ser humano reconhece sua pequenez ao escapar de um parque agora tomado por criaturas que desafiam nossa compreensão.

Talvez nem todo filme grandioso e milionário devesse ser embalado para consumo em variações inferiores. O próprio Spielberg foi incapaz de recapturar o gênio na garrafa. Os artistas que o seguiram no mundo de "Jurassic Park" nunca tiveram a menor chance.