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Roberto Sadovski

'Invasion USA': Chuck Norris e o começo do fim do exército de um homem só

Chuck Norris em "Invasão dos Estados Unidos" - Reprodução
Chuck Norris em 'Invasão dos Estados Unidos' Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/09/2020 06h25

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A vida poderia até não ser mais fácil em 1985. Mas com certeza era muito mais simples. Ronald Reagan estava na Casa Branca. Astros pop combatiam a fome na Etiópia com o Live Aid. "Calvin e Haroldo" estreavam em tiras de jornal. E guerreiros solitários armados até os dentes mostravam, no cinema, que eram capazes de salvar o mundo sozinhos. Ou pelo menos a parte que interessava.

Foi neste cenário que, 35 anos atrás, Chuck Norris, submetralhadoras em punho, garantiu a continuidade do sonho americano com a estreia do absurdo "Invasão dos Estados Unidos". Era a cereja no bolo de um ano particularmente recheado por uma geração em extinção: o exército de um homem só.

Foi em 1985 que a rivalidade dos dois maiores astros de ação de uma geração pegou fogo. Sylvester Stallone (com "Rambo II: A Missão") e Arnold Schwarzenegger (em "Comando Para Matar") disputavam para ver quem teria mais pôsteres forrando as paredes das academias.

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Chuck Norris em 'Invasão dos Estados Unidos'
Imagem: Reprodução

A explosão de testosterona não ficou só neles. Era uma época de filmes de ação de qualidade duvidosa, que agradava unicamente pré-adolescentes de 12 anos. Hoje, adultos, são os únicos a enxergar algum mérito em hecatombes como "Remo: Desarmado e Perigoso" (dirigido pelo veterano Guy Hamilton, de vários "007"), "Guerreiro Americano" (uma picaretagem da Cannon Filmes) e "Desejo de Matar 3" (com Charles Bronson pagando os boletos).

A Cannon, por sinal, era uma das grandes culpadas do estado calamitoso do cinema de ação em meados dos anos 80. Os produtores Menahem Golan e Yoram Globus procuravam um espaço ensolarado no firmamento hollywoodiano, e para isso investiram em um cinema de pouco cérebro e muita adrenalina. O alvo eram não só os cinemas, mas o emergente mercado de VHS.

Chuck Norris havia feito barulho na empresa com dois filmes de guerra de quinta categoria: "Braddock - O Super Comando", um desastre tão completo que os produtores decidiram lançar o segundo no lugar do primeiro por este ser o menos pior.

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Chuck Norris em 'Braddock - O Super Comando'
Imagem: Reprodução

No auge da Guerra Fria e da política intervencionista Reagan, porém, a história do soldado que volta ao Vietnã para resgatar prisioneiros de guerra parecia ressoar no patriotismo tacanho que imperava no cidadão médio. James Cameron basicamente reciclou a mesma ideia ao escrever o primeiro roteiro de "Rambo II".

Mas Stallone ainda era caro para os padrões Cannon, e eles terminaram assinando um contrato de seis filmes com Chuck Norris, começando com "Invasão dos Estados Unidos". Ele fazia Matt Hunter (bom nome), ex agente da CIA que toma para si a missão de salvar os Estados Unidos (sério) quando um espião soviético (o eterno vilão Richard Lynch) arquiteta um ataque ao país com um grupo de guerrilheiros comunistas.

A partir daí o filme só melhora. Com orçamento que não comprava um bambolê, o filme arrasta-se em ataques terroristas no subúrbio de Miami e em shopping centers - certeza que existe algum subtexto aí. A direção de "Invasão dos Estados Unidos" ficou nas mãos de Joseph Zito, que tinha no currículo o quarto "Sexta-Feira 13", além do próprio "Braddock". Curiosidade para a mesa do bar: ele trabalhou por um ano na versão de "Homem-Aranha" da Cannon, que nunca saiu do papel.

A escolha por Chuck Norris, por sinal, não deixa de ser curiosa. Veterano da Guerra da Coreia, ele trouxe os fundamentos do taekwondo para uma rede de academias em Los Angeles, e ensinava artes marciais a astros de Hollywood. Foi um de seus alunos, a lenda Steve McQueen, que lhe sugeriu arriscar uma nova carreira como ator.

Em 1972 ele ganhou um novo padrinho e uma vitrine gigante. Bruce Lee o chamou para ser o antagonista de "O Vôo do Dragão". O combate climático entre os dois, mais de 10 minutos de artes marciais nas ruínas do Coliseu em Roma, terminou com Norris derrotado - mas com um novo caminho artístico traçado.

Era óbvio, entretanto, que a contracultura dos anos 70 não teria espaço para um sujeito bruto e avesso a ideias progressistas. Mais óbvio ainda foi ver como Norris se encaixava posteriormente no panorama dos anos Reagan, potencial enxergado pela dupla Golan e Globus, dispostos a conquistar Hollywood gastando o mínimo possível.

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Bruce Lee e Chuck Norris em 'O Vôo do Dragão'
Imagem: Reprodução

Chuck Norris, por sinal, nunca foi um grande astro do cinema. Ele tem, vá lá, dois filmes decentes em sua filmografia. "Fúria Silenciosa", de 1982, basicamente era "Chuck contra Frankenstein". Já "Código do Silêncio", lançado no primeiro semestre de 1985, é um drama policial de ação ok, em parte pela direção de Andrew Davis, que depois faria "A Força em Alerta" e "O Fugitivo".

O astro, porém, construiu uma persona pop inimitável. Especialmente depois de protagonizar por quase uma década o seriado "Walker: Texas Ranger", que era basicamente uma versão dramatizada da personalidade estoica de Norris: um bom republicano, fiel às instituições conservadoras americanas.

"Invasão dos Estados Unidos" amplificava a figura do exército de um homem só à enésima potência. O filme teve uma carreira furada no cinema, mas a turma da Cannon queria mesmo dominar as videolocadoras - e conseguiram. Os sucessos a preço de custo aumentaram o caixa até que eles puderam contratar Stallone por absurdos (em 1987) US$ 5 milhões para o drama "Falcão - O Campeão dos Campeões".

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Arnold Schwarzenegger em 'O Exterminador do Futuro 2'
Imagem: Reprodução

O público, por outro lado, aos poucos perdia o interesse em personagens e filmes rasos, ancorados por atores que tinham como maior trunfo a circunferência de seus bíceps e o calibre de seu arsenal. Stallone e Schwarzenegger aos poucos se afastavam da fórmula, com o primeiro apostando em comédias na década seguinte, e o segundo tornando-se o maior astro do planeta com "T2".

A própria Guerra Fria, tão conveniente para fornecer vilões na figura de militares russos malvados como o capeta, começaria seu declínio no próprio 1985. Mikhail Gorbachev assumiu o governo da União Soviética e iniciou uma reforma que mudaria o mapa geopolítico global.

No cinema, "Máquina Mortífera" já trazia em 1987 um outro tipo de herói. Martin Riggs (Mel Gibson) era um veterano de guerra que se apresentava como alguém instável, afetado por suas experiências em combate. No ano seguinte, Bruce Willis fez do homem comum o novo astro de ação com "Duro de Matar", e o cinema nunca mais foi o mesmo.

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Dwayne Johnson em 'Arranha-Céu'
Imagem: Universal

A cultura pop, porém, é um bicho estranho. "Invasão dos Estados Unidos" (e boa parte do catálogo da Cannon) são hoje apreciados como uma cápsula do tempo, uma ponte para a nostalgia que alimenta a indústria, regurgitando histórias e tendências.

Não é à toa que "Cobra Kai" é um sucesso (merecido, por sinal). Mas é um fenômeno de bolhas. O exército de um homem só há tempos não funciona mais no cinema. Arrisco dizer que seu charme era a produção tosca, as risadas involuntárias que acompanhavam a empolgação juvenil.

Filmes como "Arranha-Céu", com o herdeiro natural dos astros daquela época, Dwayne Johson, não funcionam justamente por ter um verniz de produção que não combina com a proposta. Seus colegas Vin Diesel e Jason Stathan mantém a média de um no cravo, outro na ferradura, equilibrando produções acertadas (como a série "Velozes & Furiosos") com bagaços como "Bloodshot" e "Assassino a Preço Fixo".

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Chuck Norris em 'Invasão dos Estados Unidos'
Imagem: Reprodução

Chuck Norris? Ele observa o movimento de longe. Aos 80 anos, e aposentado desde 2017, ele dedica-se a cuidar de sua esposa, Gena O'Kelley, que viu sua saúde declinar após exames de rotina com ressonância magnética. Seu último papel na tela grande foi uma ponta em "Os Mercenários 2", não por acaso uma grande homenagem ao tipo de filme de ação que dominou os anos 80.

Filmes como "Invasão dos Estados Unidos" existem, portanto, ou como paródia, ou como um espelho de uma época que não volta mais. O mundo hoje é mais complexo e cheio de nuances, existindo em uma grande área cinzenta social e política. É o que temos.

Mas talvez fôssemos mesmo mais felizes com a certeza que este mesmo mundo poderia ser salvo com Chuck Norris, de peito (cabeludo) aberto e duas sub metralhadoras em mãos.