'Sergio': Wagner Moura é gigante em uma história que merecia filme melhor
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Em uma cena já no meio de "Sergio", o diplomata brasileiro conversa com uma artesã em um mercado de Timor Leste, país que ainda lutava por sua independência. Ocupado com negociações com líderes separatistas e com o governo Indonésio, ele recupera neste momento a conexão com o povo, que sofre de fato as consequências brutais de acordos feitos em palácios e gabinetes.
É uma cena incidental, mas que Wagner Moura injeta humanidade e eleva para um patamar de emoção genuína.
Não é a única vez que "Sergio", drama que traz recortes da vida do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, ganha volume com o trabalho de seu protagonista. Moura, que buscava um personagem de relevo depois de atuar em "Narcos" e de saltar para trás das câmeras no ainda inédito "Marighella", encontrou na biografia do diplomata veículo perfeito para exercitar um tipo diferente de personagem.
E é com ele que o filme passa de drama biográfico banal a obra que merece os holofotes, e são dele os momentos mais empolgantes da narrativa.
Existe, porém, um limite para o que mesmo um ator superlativo como Wagner pode fazer, e seu esforço encontra por vezes uma barreira no trabalho do diretor Greg Barker. Documentarista que por uma década retratou os bastidores de conflitos do mundo contemporâneo, Barker saltou para a ficção com material familiar.
Sérgio Vieira fora objeto de seu primeiro trabalho em 2009. Para dramatizar a vida de um homem que ele tanto admirou, o diretor optou por mesclar a lupa em sua carreira na ONU com seu romance com uma colega na organização, a economista argentina Carolina Larriera, que se tornaria sua esposa.
É aqui que "Sergio" encontra, ao mesmo tempo, sua força motriz e seu maior problema. O cinema já retratou romances em cenários de guerra e turbulência com brilho, em especial o incrível "O Ano Em Que Vivemos em Perigo", em que Peter Weir dirigiu Mel Gibson e Sigourney Weaver. Aqui a divisão das narrativas prejudica o equilíbrio da trama, indecisa entre o romance e o thriller político.
O encontro e a breve vida a dois de Sérgio e Carolina por si só renderia uma história poderosa, especialmente com as faíscas que disparam sempre que Wagner Moura divide a cena com a hipnotizante Ana de Armas. Mas o trabalho do diplomata, e sua incansável luta pelos direitos humanos em cantos remotos do mundo, ameaça constantemente roubar o holofote. E, para ser honesto, deveria.
Isso porque a vida de Sérgio Vieira - e o motivo que levou ao encontro de Wagner e de Greg Barker - é absolutamente fascinante. Estudante em Paris no fim dos anos 60, onde participou da revolta estudantil de 1968 contra o governo Charles de Gaulle, Sérgio lapidou sua consciência social, colocada em prática quando começou seu trabalho na ONU.
Ele teve papel fundamental em crises em Bangladesh, Sudão e no Chipre, trabalhando com refugiados e em campos de guerra. Uma obra que o levou a liderar a missão no Timor Leste, onde conheceu Carolina. Com exceção desse tempo trabalhando na independência da ex-colônia portuguesa, nada disso está no filme. Entendemos a missão, mas não encontramos o homem.
O que temos em "Sergio" é um recorte não menos importante, o de seu trabalho derradeiro no Iraque após a queda de Saddam Hussein, um país esfacelado pela morte do ditador, que encontrou nos Estados Unidos um remédio para o regime e também o início de um problema maior.
O exército de George W. Bush não tinha intenção de deixar o país nas mãos de seu próprio povo, e isso criou atrito com as ideias de Sérgio - embate interrompido com um atentado terrorista na sede da missão da ONU, o que vitimou o diplomata.
A força desse cenário político, de um homem com a ONU a seu lado peitando a maior potência mundial, esvazia-se com a atenção para o romance de Sérgio e Carolina. É um equilíbrio delicado, pois são narrativas com tons diferentes que inevitavelmente entram em choque. Nas mãos de um diretor mais habilidoso e experiente, "Sergio" tinha chance de se tornar um drama de altíssima relevância.
É um filme que desperta atenção, especialmente em tempos sombrios como hoje, em que uma crise mundial revelou a pequenez do líder da nação mais poderosa do planeta (e de seus seguidores dedicados, vale ressaltar). Greg Barker, apesar de munido de conhecimento da história de seu biografado, e com respeito imenso ao retratá-lo em uma obra não documental, certamente não era essa pessoa.
O que é uma pena, pois "Sergio" merecia mais coesão, em especial pelo trabalho complexo e impecável de Wagner Moura. Interpretando um tipo guiado mais pela lógica do que pela emoção, é um deleite ver como ele desconstrói a figura de Sérgio Vieira a partir do primeiro encontro com Carolina - o homem que resolve conflitos internacionais treme ante a mulher que ele viria amar. Ana de Armas, que cresce mais e mais a cada filme, devolve a bola com precisão, fazendo com que uma personagem deficiente no papel crescesse com a pura força de seu talento.
É impossível não sentir sua dor no encontro invisível com o diplomata, preso sob destroços de um prédio destruído pelo ataque terrorista. Com ela, é impossível não mergulhar no sentimento agridoce que permeia toda a narrativa. Existe um filme fabuloso escondido nas entrelinhas de "Sergio". Graças ao talento de seus protagonistas, ele consegue eventualmente erguer a cabeça e respirar.
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