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Renata Corrêa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Choque e o Riso

Na estreia da quinta temporada do "Greg News", Gregorio Duvivier criticou a postura do presidente na pandemia - Reprodução
Na estreia da quinta temporada do "Greg News", Gregorio Duvivier criticou a postura do presidente na pandemia Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/06/2021 04h00Atualizada em 24/06/2021 08h21

Em 2007 a jornalista e ativista Naomi Klein lançou "A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo do Desastre". O livro analisa a tragédia humanitária do furacão Katrina em Nova Orleans nos Estados Unidos e como a desorientação provocada pelas mortes e pela destruição facilitou a gentrificação da cidade, a votação de leis impopulares e o enriquecimento nem sempre justo de empreiteiras e corporações multinacionais.

Partindo desse exemplo, Naomi estabelece o que seria a Doutrina do Choque - no momento do capitalismo onde estamos, a política do "quanto pior melhor" é uma forma de controle social muito poderosa. A gente fica olhando a tv ou lendo os jornais e não acredita que estamos vivendo tamanho desastre; e quanto mais sobrevivemos ao desastre, mais o limite da nossa tolerância aumenta e a nossa sensação de impotência e impunidade se torna paralisante. É impossível lutar contra algo que está tão descolado da nossa realidade, do nosso sistema de valores morais e que nos afeta emocionalmente de forma tão violenta que mais parece um pesadelo. E nos pesadelos, basta esperar para acordar.

Da publicação do livro até hoje a Doutrina do Choque foi se sofisticando; agora quem quer se beneficiar dela não precisa esperar um furacão, um ataque terrorista ou uma pandemia; você pode produzir choque na população através de atitudes absurdas, ofensas, ataques diretos às instituições - e esperar essa fervura de ódio envenenar quem estiver por perto. Será que conhecemos alguém que usa essa estratégia?

Para fascistas e políticos de extrema direita, a tragédia não é algo a ser lamentado: é uma oportunidade comercial, e a sua vida, e a minha vida, a vida de todos que estão sob essa gestão são apenas números e efeitos colaterais. E o futuro não é um horizonte de esperança onde podemos fazer diferente e impedir que novas vidas sejam perdidas e novas tragédias aconteçam - é um campo aberto onde se pode lucrar ainda mais.

O fluxo contínuo de notícias absurdas nas redes sociais, as timelines recheadas de indignação justa contra o presidente e contra a péssima condução na pandemia se tornam um vício difícil de largar. Chega uma hora que estou tão lotada de notícias ruins que o pessimismo é a única estratégia do meu corpo. Fico lembrando de histórias de chacinas e espancamentos onde um sobrevivente ficou tão imóvel e com níveis vitais tão baixos que seus algozes acreditam que não há mais vida ali e vão embora. Então esse sobrevivente vê que os assassinos saíram da sala e conseguem respirar.

E como respirar nesse momento?

Muitas vezes tenho desligado as notícias e me permitido não opinar e não reagir imediatamente - o que é péssimo para uma colunista - mas principalmente vou atrás do riso. O riso tem feito o seu papel de limpar minha mente, clarear minhas ideias, reiniciar o meu sistema. O riso é o momento onde os assassinos saem da sala, e podemos acreditar na sobrevivência.

Ao assistir o vídeo do humorista Esse Menino interpretando a vacina Pfizer desprezada pelo pelo governo após centenas de emails, Marcelo Adnet criando uma CPI alternativa em seu programa na Globoplay, as matérias mais parecidas com a verdade que a própria verdade do Sensacionalista ou o Gregório Duvivier esmiuçando o esvaziamento do "cercadinho" presidencial no seu Greg News na HBO, lembro da frase de Hannah Arendt que diz que a maneira mais eficiente de minar a autoridade é o riso.

Em 2018, Bolsonaro usava capa de herói, sendo eleito com 58 milhões de votos, mas não foi digno da confiança que depositaram nele. Em 2021, o rei está nu - o presidente não foi capaz de ser um estadista, nem de unir um país dividido e está afogado em denúncias de corrupção e má gestão da pandemia. Essa nudez também acontece porque existe quem acredita que o riso pode ser uma forma de resistência política e de que é possível sobreviver ao choque que é viver no Brasil.

Você pode rir comigo também no Instagram ou no Twitter.