Topo

Pedro Antunes

12 discos que você deveria ter ouvido em 2020

 Da esq. para dir.: Jup do Bairro, Phoebe Bridgers, Rico Dalasam e Rina Sawayama  - Montagem / Divulgação
Da esq. para dir.: Jup do Bairro, Phoebe Bridgers, Rico Dalasam e Rina Sawayama Imagem: Montagem / Divulgação

Colunista do UOL

01/01/2021 09h00

Sem tempo?

  • Bem-vindo, 2021!
  • Deixa eu contar uma coisa: 2020 não foi fácil, mas tivemos bons discos para nos inspirar.
  • Selecionei álbuns que não foram extremamente populares, no sentido mainstream e de reunir centenas de milhares de plays no YouTube
  • Mas discos que também não são ultra experimentais e cabeçudos.
  • São discos ótimos, que se destacaram em listas de melhores do ano, mas que você pode ter deixado escapar.
  • Aproveite este 1º de janeiro e curta um artista que você não conhecia, que tal?

1º de janeiro de 2021. Ufa, chegamos!

Oi, ano novo! Como vai, velho amigo? Vou contar uma coisa para você, recém-chegado: o ano de 2020 não foi fácil.

Coitado de quem editou aqueles programas de TV com retrospectivas, sabe? Essa pessoa sofreu para colocar crise política seguida de outra, um ataque de gafanhotos, incêndios no Pantanal, minha nossa... Isso sem falar na pandemia do coronavírus, não é? Essa, aliás, você receberá de herança, já que não está nada resolvida.

E boa sorte com isso. Há quem tenha chamado o covid-19 de "gripezinha" e, agora, um certo presidente que diz que os institutos farmacêuticos deveriam vir atrás do Brasil para vender as vacinas, já que o Brasil é gigante demais para ir buscá-las.

Pois é, enquanto isso, na nossa vizinha Argentina, acabaram de legalizar o aborto e as primeiras pessoas já estão recebendo as doses da vacina contra a covid-19. Vai entender, não é?

Foi muita coisa ruim, sim, mas também tivemos algumas coisas boas nas quais nos seguramos neste mar turbulento de insegurança e incerteza. Minhas boias salva-vidas foram os discos.

Foi um ano louco esse 2020 e muita coisa possivelmente passou batido. Como é 1º de janeiro de 2021, estou inspirado em boas energias, então quero falar de ótimos discos.

Preparei aqui uma lista com 12 álbuns incríveis de 2020 que alguém talvez não tenha ouvido. Não são artistas ultra populares, não tocam necessariamente em todas as rádios, nem indie, alternativos, experimentais ou cabeçudos demais. Então, prepare-se: não é nada mainstream com milhares de milhões de views no YouTube ou plays no Spotify, tá? Mas são álbuns realmente marcantes, mas que talvez não tenham entrado na bolha de algum de vocês.

Vamos lá?

'Crianças Selvagens', de Hot e Oreia

O rap nacional foi muito bem representado em 2020. Djonga, BK', Baco Exu do Blues, todos lançaram grandes álbuns neste ano. Mas, possivelmente, você cruzou com algum lançamento deles.

Por isso, a sugestão aqui é a dupla Hot e Oreia, de Belo Horizonte, e o disco Crianças Selvagens. Políticos até o fio do cabelo, esse é um álbum sobre amor. E sobre como amar - Hot e Oreia incluem nas rimas dicas preciosas para aqueles que não sabem direito o que fazer na hora H.

Isso sem falar que o álbum possui samples de Nelson Ned e Caetano Veloso (o que, por si só, é cool demais) e ganou um clipe meio inspirado em "Bacurau", também conhecido como "o filmaço brasileiro que deveria ter concorrido ao Oscar".

Este texto foi publicado horas antes do depoimento de Vic, ex-namorada do Hot, integrante do duo Hot e Oreia, a respeito das violências sofridas por ela durante o relacionamento deles e sobre as quais esta coluna manisfesta profundo repúdio. Neste sábado (2), a dupla anunciou que encerrou as atividades. "Hot e Oreia acabou", escreveram nas redes sociais.

'Fetch the Bolt Cutters', Fiona Apple

Rainha dos alternativos, Fiona Apple é uma das artistas mais importantes da sua geração, indiscutivelmente. Não é radiofônica, por assim dizer, mas produz um dos melhores retratos das transformações desta sociedade patriarcal na qual vivemos (ainda).

Potente, libertadora, transformadora. 'Fetch the Bolt Cutters' é o quinto álbum de Fiona e se tornou um queridinho dos críticos, não por acaso liderou as listas conceituadas de melhores álbuns de 2020, como da Vulture e Pitchfork. Ouça do começo ao fim, vai por mim.

'DDGA', Rico Dalasam

Esse aqui é um EP, ou seja, é menor que um disco cheio. "DDGA", que é a sigla para "Dolores Dala, o Guardião do Alívio", de Rico Dalasam, trouxe o rapper de volta aos estúdios depois de um tempo ausente para o autocuidado.

De volta, Rico Dalasam fez um belíssimo (e curto) tratado sobre o afeto e como somos completamente influenciados pela existência ou a ausência dele. Com três canções e dois interlúdios, "DDGA" não tem lacunas ou equívocos. "Braille" (a música de amor mais bonita que ouvi nos últimos anos), "Vividir" e a sofrida "Mudou Como?" são realmente fora do comum.

Compositor fora da caixinha, Rico Dalasam ganhou até o Prêmio Multishow pelo trabalho, em ume escolha realizada pela votação do Superjúri (integrado por mim, pela editora de Splash, Liv Brandão, e um monte de gente massa - e sobre o qual conto melhor em outro texto da coluna). Ainda assim, faço questão de incluí-lo aqui para ter certeza de que você dará uma chance para esse trabalho.

'Untitled (Black Is)' e 'Untitled (Rise)', do SAULT

Pouquíssimo se sabe sobre o coletivo SAULT, mas isso pouco importa. O mistério, aliás, de quem é quem neste grupo, dá ainda mais valor à mensagem e a estética da trupe que, ao que tudo indica, é uma espécie de superbanda - mais recentemente, descobrimos que Inflo, produtor da Little Simz, a cantora Cleo Sol e o rapper Kid Sister estão envolvidos no projeto.

Eles conquistaram a crítica sem o uso massivo de redes sociais ou qualquer outra rede de promoção. "Untitled" (Black Is) e "Untitled (Rise)" são um caldeirão de referências. É uma espécie de ultra-R&B-uber-funk-master-soul, um som futurista que passeia pelas vertentes da música negra, sendo o primeiro dos discos lançado dias depois do assassinato brutal de George Floyd por um policial nos Estados Unidos e na efervescência do movimento Black Lives Matter. Mais 2020, impossível.

'Rastilho', de Kiko Dinucci

Lançado ainda no começo de 2020, "Rastilho" parece ser um disco de outro tempo, de outra vida. De fato, é um disco de outro tempo, mas isso não tira a importância desse trabalho. Pelo contrário, engrandece.

A obra de Kiko é marcada por encontros e desencontros. Depois de um disco solo lançado com a guitarra (o ácido "Cortes Curtos", de 2017), Kiko se reencontrou com o violão em "Rastilho". E é um violão a ser estudado, nos próximos anos, nas escolas de música. É brutal, é arisco, é grave, é afro, é entorpecido pela rebeldia punk, pelo furor do reencontro e pela herança africana. Um espetáculo.

'Saint Cloud', Waxahatchee

Esse é o quinto álbum de Katie Crutchfield, uma artista que já havia feito algum barulho no indie com a banda P.S. Eliot, formada ao lado da irmã gêmea, Allison. Com o projeto Waxahatchee, Katie produz algo que é uma espécie de folk alternativo, um canto sofrido com raízes fincadas no sul dos Estados Unidos.

Nascida em Nashville, considerada a meca da música para quem quer se "graduar" como compositor (e e fortemente inspirada pela música country norte-americana), Crutchfield fez de "Saint Clound" uma coleção de dores e alegrias cantadas como a trilha sonora para um fim de tarde de verão introspectiva: quente e sem vento, em um enorme gramado verde e com o sol se ponto preguiçosamente ao fundo.

'Corpo Sem Juízo', Jup do Bairro

"Corpo Sem Juízo" é um disco de explodir cabeças. Como o meme de quando a cabeça estoura diante de algo incrível, sabe?

Jup do Bairro faz um heavy funk. Caminha entre batidas de funk e o peso do heavy metal em um disco que fala sobre descoberta, sobre entender quem habita o seu corpo e a batalha para ser aceita como é em um mundo que trata as pessoas com violência.

"Luta Por Mim" (com participação de Mulambo) é uma faixa relevante, dolorida, de chorar, realmente. Jup do Bairro fez um disco corajoso, uma espécie de um estudo sobre si e sobre uma sociedade em transformação (para melhor, esperamos). Imprescindível terminar 2020 sem ouvir o que Jup do Bairro tem a dizer.

'Græ', Moses Sumney

O álbum que ficou no top 3 da lista do The New York Times, "Græ", de Moses Sumney, soa como entrar em uma loja de perfumes e sentir, de uma só vez, uma dezena de fragrâncias. Ouvir cada uma das faixas é o mesmo que borrifar alguma das essências para testá-las. O cheiro principal está ali, mas o restante segue ao fundo.

É um disco de R&B, por assim dizer, mas tudo é conduzido por batidas constantemente vagarosas e maliciosas que tomam conta da gente sem que podemos perceber. Meio jazzístico, sim, com belas sessões orquestradas, mas também cru ao tratar de questões como isolamento e solidão - e tudo o que deriva deste "estar vazio" (interna ou externamente).

'Não Tô Aqui Pra Te Influenciar', Marcelo Perdido

Marcelo Perdido é um multiartista carioca, toca, grava e faz os próprios clipes, naquele esquema bem DIY ("do-it-yourself", ou o bom e velho "faça-você-mesmo"). "Não Tô Aqui Pra Te Influenciar" é um disco que ferve essa liberdade toda. É também um dos álbuns mais diretos de Perdido, cuja discografia já brindou mais com experiências sonoras do que neste álbum.

Dinâmico, com músicas curtas, em um indie rock sem firulas, "Não Tô Aqui Pra Te Influenciar" é um melancólico tratado sobre perdas em histórias distintas. Podem ser pílulas curtas de memórias sobre os pés na bunda levados por uma mesma pessoa, ou até histórias paralelas sobre a ausência em uma mesma cidade.

A interpretação pode variar a gosto do freguês, e isso faz parte da graça da coisa. E é bom correr para ouvi-lo, porque Perdido é um artista inquieto e, logo mais, deve ter mais um álbum ou projeto vindo aí.

'Punisher', Phoebe Bridgers

Possivelmente, espero, você ouviu falar da norte-americana Phoebe Bridgers em 2020, mesmo que seja por algo que ela tenha dito em alguma entrevista ou nas redes sociais. A existência de Phoebe, como pessoa e como artista, realmente salvou 2020.

Foi em "Punisher", o disco dela de 2020, que a artista nascida em Los Angeles afrontou a "divindade" Eric Clapton ao dizer que odeia "Tears In Heaven" na música "Moon Song", e no verso seguinte lamentou a morte do filho do guitarrista.

Ao ser questionada sobre o verso, ela mandou a real: "É um músico extremamente medíocre, e ele também é um racista famoso".

Esta coluna já falou dessa história de racismo de Eric Clapton e está de acordo com Phoebe Brigers em tudo, é bom frisar.

E "Punisher" é um retrato sincero sobre como a vida pode ser uma merd*, mas há beleza nela, mesmo assim. E Phoebe o faz isso com senso de humor e melodias deliciosas de se ouvir.

'Do Lado de Flora', Flora Matos

Aos 45 minutos do segundo tempo, a rapper Flora Matos soltou esse petardo que é "Do Lado de Flora". Um disco de quarentena na essência, bem self-made: composto, gravado e quase inteiramente produzido por ela.

Esse é um disco de desanuviar, que ajudou Flora a colocar para fora as angústias sentidas durante o período de isolamento social. Ela flerta com ritmos distintos (do samba rock ao reggae, obviamente passando pelo rap e trap) em beats precisos e flow excelente com o qual ela se tornou rainha.

Feito na urgência deste 2020 tão urgente e veloz em tudo, "Do Lado de Flora" é como um abraço que a gente não pode receber ou dar.

'SAWAYAMA', Rina Sawayama

Sim, você vai dar o play em "Dynasty", a primeira música de 'SAWAYAMA', da artista Rina Sawayama, e vai se sentir um pouco perdido entre tantas explosões de sons coloridos e cintilantes. Mas, eu garanto, ao final das 13 músicas (na versão regular do disco, já que a versão deluxe tem mais de uma hora e 22 minutos de duração), você estará completamente absorvido pelo mundo sonoro de Sawayama.

Este é um dos discos mais audaciosos do ano, sem dúvida. Este caleidoscópio musical da artista japonesa tem sessões de heavy metal (em "STFU!"), outras sessões de pista (na saborosa "XS"). É um pop art da geração z, sem qualquer prisão estética e, por isso mesmo, completamente libertador.

Me contem o que acharam destes álbuns nos comentários e feliz 2021.