Luciana Bugni

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Opinião

Banimento das gostosas ou heterotopfobia no BBB 24: preconceito com padrão?

Causou polêmica a entrada de novos integrantes do Big Brother Brasil 2024. Anônimos fora do padrão "academia e músculos" foram escolhidos em detrimento à turma que faz fila para revezar nos aparelhos da SmartFit (e não passa paninho com álcool no próprio suor).

As ex-BBBs Barbara Heck e Natália Cassassola se irritaram com a história. Disseram que existe preconceito com pessoas padrão, aquelas, esculpidas na academia e na dieta regada à batata-doce e whey protein. Nada contra, eu até tenho amigos que são. Heck ainda disse que "basta ser favelado" para sair na frente. Opa... a vida real é meio diferente dessa fantasia.

Mas dá para entender o que elas sentiram. Em porcentagem, não viram seus tipos físicos representados na TV. É mais ou menos a história da vida toda do cidadão comum brasileiro — a maioria da população daqui é preta, inclusive, bem diferente do tom de pele e cabelos que sempre receberam destaque na mídia.

Essas pessoas não se viram no audiovisual por toda a vida. Hoje Natálias e Bárbaras sentem de longe uma realidade que apartou quem é fora do padrão de pertencer. A gente passou os anos 1980 e 1990 ali observando corpos que nunca teríamos.

Quando a geração que hoje é adulta, com cerca de 40 anos, via a TV e as revistas como única fonte de entretenimento e de informação, alguns tipos de pessoas estavam ali retratados. Meu ídolo e sex symbol brasileiro nos anos 1990 era o Fabio Assunção.

No cinema internacional, veja só: Brad Pitt e Leonardo di Caprio. Alguma coincidência a cor dos olhos de todos eles ser verde ou azul? Não tinha nenhum cara parecido com eles na minha turma de amigos.

Brad Pitt
Brad Pitt Imagem: Reprodução

Tem também as mulheres: eu queria ter o corpo de Gisele. O cabelo também, se possível. Liso, levemente ondulado, mas não ondulado como o meu acorda de manhã, para cima. É um ondulado quase liso, sem frizz, sem fios fora de lugar, perfeito.

Foram horas sentada em cadeiras de salão, tendo os cabelos puxados por uma escova redonda e sendo aquecida pelo vento de um secador. Depois, anos fritando os fios em pranchas alisadoras que às vezes me castigavam pela falta de habilidade marcando minha testa a ferro quente. Padrão, eles diziam.

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Demorou uma vida para esse jogo mudar e mulheres como eu entenderem que o cabelo enrolado acorda como quer acordar. Se é difícil para a sociedade lidar com ele, não é problema meu. Mas isso só aconteceu depois de eu ver gente de cabelo enrolado real na televisão. Não os cachos da Maisa criança. Cabelo de verdade, gente de verdade.

O mesmo valeu para os corpos gordos que nunca se sentiram representados. As coisas mudaram aos poucos e continuam longe de se tornarem ideais, mas são passos como esse, da escolha do elenco do BBB, que mudam o jogo.

Thelma de Assis, campeã do BBB 20, disse que encontra meninas pretas na rua que afirmam achar legal vê-la na TV, porque o cabelo dela as representa. O mesmo vale para pessoas gordas, fora do padrão ou com deficiência. Que bom tê-las em evidência para nos vermos nelas. Em 2021, um debate sobre cabelo afro atingiu o Brasil todo, protagonizado por João Pedrosa.

Eu, muitas décadas depois, passo longe da chapinha, com a liberdade que não sabia que era possível. De frente para a TV, a gente se vê no outro e gosta do que vê. Facilita muito o caminho que se faz até o espelho.

Lumena, do BBB 21, afirmou: "Não vou botar o dedão na cara, não, mas cabe refletir: o que a fala de Nati Casassola e de Bárbara nos aponta? Não se ver representada causa revolta, né, bê?! Está sentindo o incômodo daí?". Sim, incomoda mesmo. Todo mundo. O equilíbrio não vem de um dia para o outro, não.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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