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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pós-Carnaval é último suspiro de quem não quer encarar vida real nunca mais

Carnaval: últimos dias da folia são negação do fim - Victória Ribeiro/UOL
Carnaval: últimos dias da folia são negação do fim Imagem: Victória Ribeiro/UOL

Colunista do UOL

24/02/2023 04h00

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Toda vez que a gente acha que um ano vai ser mais fácil, ele vem e prova que a gente estava bem longe de entender o que os Novos Baianos queriam dizer quando cantaram que "esse ano não vai ser igual aquele que passou".

De fato não dá para acusar 2023 de mesmice. E, entre as grandes diferenças em relação aos anos anteriores, a gente pode dizer que nesse ano havia um Carnaval no meio do caminho. Nem todo mundo gosta de se fantasiar de qualquer coisa e sair na rua forçando as panturrilhas em saltos assimétricos, mas tem muita gente que inexplicavelmente gosta muito de passar perrengue físico e ir ao limite da euforia por quatro dias seguidos.

Quatro dias de Carnaval é um eufemismo para falar de uma festa que começa lá no meio de janeiro, quando os primeiros foliões se enfiam na meia arrastão e saem dispostos a seguir um carrinho de mão que seja com uma caixa de mão da JBL em cima. Conforme se passam as semanas, a turma em volta do andor aumenta e algazarra fica maior.

Euforia é coisa boa porque ocupa uma parte grande do cérebro e não deixa a gente pensar em muita desgraça. Mas a vida é danada e acaba sempre cobrando: uma enchente, tantos deslizamentos, o coração apertado de ver o sofrimento filmado de helicóptero. Um enterro, um casamento que acabou no fim do bloco de Carnaval, um cachorro que se machucou. Tem sempre o que seja difícil de encarar ao nosso redor.

O movimento natural de fugir da seriedade dos fatos fica mais fácil se tem uma multidão lá embaixo do prédio cantando, dançando, se beijando e fazendo sabe-se lá mais o quê. Este sábado (25), é o último suspiro dos que podem ou querem fugir da realidade por mais um tempo — pós-Carnaval é feito de folião em negação. É a turma que desliga o despertador dizendo "só mais cinco minutinhos".

Depois, eu sinto dizer, a gente tem que abrir o notebook e lidar com aquilo que for de verdade (o Carnaval era de verdade, mas tem esse defeito de passar). Água, teste de covid, alimentação com vegetais e o que mais? A coragem de encarar o que precisa enfrentar. Parece impossível, olhando daqui, com glitter no ralo do banheiro cada vez que tomo banho. Mas se pensar bem, já foi muito mais difícil: não tinha vacina nem Carnaval até outro dia desses.

Que todo esse entendimento do privilégio que é dar um tempinho nas dores do dia a dia possa nos trazer empatia com dores maiores que as nossas. Que possamos tirar um tempo, alimentos, roupas e vontade para ajudar quem perdeu tudo no litoral norte de São Paulo, por exemplo.

A gente festejou como merecia. Agora é olhar para frente, claro. Mas para esse ano não ser igual aquele que passou é importante não esquecer de olhar para o lado também.

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