Luciana Bugni

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Opinião

Belo e Denílson abraçados são golpe de marketing no qual a gente quer cair

Belo e Denílson estão estampados na minha TV, no meu celular, no meu computador. No seu também. Abraçados, sorridentes, piadistas. Amigos de longa data, boleiros, pagodeiros, tiozinhos que zoam todo mundo no churrasco — é isso que as imagens me dizem. Nem parece que passaram os últimos 20 anos brigando por R$ 25 milhões. Coisa pouca.

O cantor e o ex-jogador estiveram no Maracanã nesse domingo (26) para jogo solidário em prol das vítimas do Rio Grande do Sul. No campo, estavam ídolos da bola como Adriano Imperador, Ronaldinho Gaúcho, Cafu, Vampeta, entre outros. Ludmilla, Wesley Safadão, Thiaguinho e mais gente da pesada representavam os artistas. Mas só deu Belo e Denílson na repercussão — não tem assistência de Diego e golaço de Ronaldinho que ofusquem a briga menos desejada do Brasil. É por isso que o acordo de paz selado em largos sorrisos, daqueles que mostram os dentes, empolga a galera.

A briga de décadas tem relação com a saída de Belo do Soweto para seguir carreira solo. A banda tinha um contrato com Denílson e ficou devendo apresentações. Belo teria que pagar a bolada pelo prejuízo — seu carisma custa caro. O cantor pode ser preso, trair uma mulher que o Brasil ama, ficar com a nova mulher e declarar seu amor publicamente por anos. Nada que ele faça abala a devoção do brasileiro. E olha que no currículo supracitado não falta motivo para cancelamento.

Mas Belo chega descolorido e simpático e pronto. É o amor que venceu. Como se vai desprezar esse homem?, pergunta uma nação de corações dilacerados ansiosos pelo próximo verso romântico. Impossível.

Denílson, por seu lado, nunca esteve na briga como algoz. Jogador de futebol que não perdeu o ar maroto, segue, aos olhos do público, com o mesmo ar de menininho bagunceiro da Copa de 2002. Um Brasil inteiro grato, há mais de 20 anos, pelo jeito como ele magnetizava cinco marcadores adversários na linha de fundo nos minutos finais. Penta.

Na TV, em discussões quase pueris com a competente Renata Fan, eles fazem uma tabelinha de sucesso que embala o almoço do Brasil na TV aberta há anos. Há gosto para tudo e há feijão com arroz que fica mais gostoso com o eco da gritaria de Denílson: pra quem ainda vai ver Neto berrar na Band, parece até canção de ninar. Funciona.

"Ah, mas Denílson quer tirar uma fortuna de Belo", tentava alguém argumentar. Está certo. "Ah, mas Belo não quer pagar o que deve ao Denílson". Tá certo também. No duelo do carisma da bola x acordes, não tem ninguém errado. Nesse raro caso de barraco brasileiro, a gente torcia mesmo era pra briga perder, contrariando a máxima do circo pegar fogo. Belo e Denílson? A gente quer a lona do circo intacta e todo mundo pagodeando embaixo.

Pois foi isso que o domingo frio no Sudeste entregou: abraço, sorriso e umas desculpas esfarrapadas que garantem que não era tudo isso, desculpe foi engano. É nesse tipo de mentira que a gente quer acreditar.

Em tempos afogados na lama, imersos em fake news descabidas em meio à tragédias diárias, assustados com o noticiário de tecnologia que preconiza a agonia da humanidade frente à máquina... eu só quero ver gente de verdade dando abraço de mentira mesmo. "Ah, mas vai vir aí o marketing nos próximos dias", alguém alerta (meu próprio cérebro). Tudo bem, estou ciente e quero prosseguir. Onde eu assino? Vai ter imagem extra de bastidor de um pagode pós-jogo em que Belo canta e Denílson finge que toca um pandeiro? Quero comprar.

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Somos uma geração tão enganada pelo marketing que a gente compra whey protein achando que vai ficar forte na semana seguinte sem ir na academia. O que que tem ser enganada pela gargalhada de Denílson? Pelo abraço por trás de Belo? Escolhamos as mentiras nas quais caímos.

Quero alguém na linha de fundo fazendo molecagem e prendendo cinco zagueiros para mim enquanto eu sigo com os fones de ouvido fazendo o coração doído quase ter esperança: "Tudo tem um jeito, coração, sei que a gente pode sorrir".

Vamos lá, Brasil, Belo e Denílson abraçados no gramado. Vamos jogar no time deles até a gente se enganar o suficiente para acreditar que é possível. Eu não vejo caminho melhor.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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