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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dá para entender rancor por Guilherme de Pádua, mas ameaçar viúva é ilógico

Juliana Lacerda, viúva de Guilherme de Pádua: não é ela quem deve ser atacada - Reprodução/Instagram/HBO Max
Juliana Lacerda, viúva de Guilherme de Pádua: não é ela quem deve ser atacada Imagem: Reprodução/Instagram/HBO Max

Colunista do UOL

19/11/2022 04h00

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Soube da morte de Guilherme de Pádua na madrugada de segunda (7), quando acordei para beber água e dei uma conferida nas notificações do celular. Pensei, embalada pelo sono, que continuaria com medo dele, mesmo morto — ou talvez até aumentasse o pavor que sua figura me dá agora que não ele pertence mais a esse mundo.

Ambos os medos são irracionais. O ex-ator nunca chegou perto de mim. Morto, é improvável que, caso algo desse tipo exista, venha puxar bem o meu pé. Mas são frutos do assassinato que ele cometeu nos anos 90 e que impactaram muito a criança que eu era na época. Todas as pessoas que conheço sentem algo parecido em relação à Pádua — um cara que cometeu um assassinato brutal, matando uma atriz adorável, Daniella Perez, enfurecendo um ator simpático, o viúvo Raul Gazolla, colocando num limbo de sofrimento eterno sua mãe, a escritora Glória Perez.

Mesmo depois de ser preso, em um processo complicado em que a imagem e reputação de Daniella foram questionadas, ele não deu sinais de arrependimento. No documentário Pacto Brutal, da HBOMax, fica claro que até se vangloriava da fama que o crime lhe deu. Sua mulher à época e cúmplice, Paula Thomáz, chocava a mídia a cada entrevista. Ambos foram soltos rapidamente e seguiram seus caminhos livres de dívidas com a justiça. Até o infarto que tirou a vida de Pádua no início do mês de novembro. A ex vive no Rio de Janeiro de maneira discreta com marido e o filho que teve com o assassino. Ela estava grávida quando o ajudou a matar Daniella Perez.

É muito difícil para quem viveu essa história de perto — todo brasileiro que sabia ler ou tinha uma televisão em 1992 — perdoar o casal criminoso. Foi uma situação bárbara daquela que nos marca para sempre. Mas a justiça tem outro jeito de avaliar o tempo do perdão. E tem muita gente que acha que uma situação dessa pode cair no esquecimento rapidinho. É o caso de Juliana Lacerda, viúva de Guilherme. Esse era o terceiro casamento do ex-galã, que hoje era pastor.

Amor por criminosos

Se alguém que cometeu um crime bárbaro foi solto por decisão da justiça, não há o que questionar: ele não deve nada a ninguém. As conversas que essa pessoa porventura tenha com seu travesseiro, as confissões e a culpa... isso não diz respeito a nenhum outro cidadão, só ele. Mas os outros cidadãos acabam ficando chocados que haja quem se apaixone por alguém que machucou tanta gente (aqui me refiro à família de Daniella, mas posso estender aos fãs e a todo Brasil que ficou chocado com aquelas tesouradas).

Porém, é possível olhar pelo prisma de Juliana: não se sabe qual o Guilherme que ela conheceu, o que ela ouviu desse homem e quais foram os motivos que a levaram a se casar com ele. E isso também não é assunto de ninguém que não eles mesmos.

Ficar encafifado com as escolhas amorosas do outro é compreensível. Achar que tem direito de questioná-las é loucura.

Quando Juliana compartilha fake news a respeito da morte de Daniella Perez, crime que aconteceu há 30 anos, ela está errada. A família de Daniella tem direito de se enfurecer. Mas quando ela começa a receber ofensas e deboches a respeito da morte de seu marido — um homem que não tem mais dívida alguma com a lei — a situação fica ilógica.

A gente pode até questionar os tempos da justiça em situações como essa de crimes bárbaros. Não se pode é questionar as decisões amorosas de Juliana, que não cometeu nenhum crime. Não se herda rancor quando enterra um ente.

Quando Pacto Brutal foi lançado, escrevi uma análise sobre o assunto sem citar o nome de Guilherme de Pádua nenhuma vez. Acredito que ele tinha uma personalidade que de alguma forma se sentia prestigiado ao ler seu nome na mídia — mesmo que a mídia não costumasse se referir a ele com elogios. À época disse e repito: um bom castigo seria o esquecimento, especialmente agora que ele está morto.

Para Juliana, entretanto, não existe necessidade de castigo. Nem de perdão. Juliana apenas escolheu se casar. Qualquer ofensa que ela receba diz mais sobre quem ofende do que sobre ela.

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