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O lugar mais isolado do Brasil (e que você não vai conhecer)

Ilha da Trindade, distante a 1.140 quilômetros da costa de Vitória, no Espírito Santo - Agência Marinha de Notícias
Ilha da Trindade, distante a 1.140 quilômetros da costa de Vitória, no Espírito Santo Imagem: Agência Marinha de Notícias

Eduardo Vessoni

Colaboração para Nossa

04/10/2022 04h00

A quatro dias de viagem do continente e a 1.140 quilômetros da costa de Vitória, no Espírito Santo, montanhas submarinas emergem a 5.500 metros do oceano como castelos vulcânicos, rodeados por ilhotas inacessíveis.

São 16 praias isoladas, a uma temperatura que varia entre 21° C e 27° C e arredores cobertos por samambaias gigantes de até seis metros de altura.

É tudo muito lindo, mas você não vai poder conhecer esse arquipélago com duas ilhas principais, Trindade e Martim Vaz.

A não ser que você seja um militar das Forças Armadas ou um dos pesquisadores que passam temporadas na estação científica de Trindade, inaugurada em 2011 com varanda, sala, cozinha, banheiros e dois quartos para 4 pessoas cada um.

São dois pedaços de Brasil muito difíceis de serem acessados: enquanto Trindade é o local habitado mais remoto do Brasil, Martim Vaz é o ponto mais a leste do território brasileiro, a 48 quilômetros de distância da primeira.

Ilha de Trindade - Edson Faria Júnior/WikiCommons - Edson Faria Júnior/WikiCommons
Na imagem, os paredões rochosos da Ilha de Trindade vistos de dentro do mar
Imagem: Edson Faria Júnior/WikiCommons

Ondas mortais e inesperadas

Um dos maiores temores dos poucos visitantes que desembarcam em Trindade é a chamada "onda camelo", um fenômeno natural que se forma inesperadamente e chega na beira da praia com extrema violência.

Segundo estudiosos, essa é uma formação inesperada de ondas de mais de dois metros "que ao alcançarem águas rasas sofrem um aumento abrupto de altura" e retornam ao mar com mais violência ainda por conta do terreno inclinado da ilha.

Por isso, pesca, mergulhos e banhos de mar são atividades altamente arriscadas.

Desde 1963, já foram registrados sete casos fatais como o de 2010, quando um sargento foi arrastado por uma "onda camelo" durante uma trilha na Praia do Príncipe. Seu corpo só seria encontrado dois dias depois.

Ilha de Trindade mar e rochas - Vitogustavo/WikiCommons - Vitogustavo/WikiCommons
O terreno acidendado e pouco convidadtivo da ilha
Imagem: Vitogustavo/WikiCommons

De acordo com o Protrindade, programa de pesquisas científicas na ilha, a onda recebe essa nome por se assemelhar à uma corcova de camelo.

Com um terreno extremamente acidentado, Trindade tem cerca de 10 quilômetros quadrados e seu acesso é feito por botes infláveis que são puxados por cabos de aço que ficam na praia.

Porém, nem todas essas dificuldades foram capazes de manter a ilha intacta de invasores.

Pôr do Sol na Ilha de Trindade a bordo de embarcação da Marinha brasileira - 3ºSG-ET André Luiz/Marinha do Brasil/Flickr - 3ºSG-ET André Luiz/Marinha do Brasil/Flickr
Pôr do Sol na Ilha de Trindade a bordo de embarcação da Marinha brasileira
Imagem: 3ºSG-ET André Luiz/Marinha do Brasil/Flickr

Piratas, cientistas e outros visitantes ilustres

Sua localização estratégica, no centro do Atlântico Sul, é responsável pelas diversas disputas internacionais, desde que foi descoberta no início do século XVI.

Nos séculos seguintes, a região seria usada como parada de piratas ingleses e traficantes de trabalhadores escravizados. Até o astrônomo britânico Edmond Halley, aquele mesmo do cometa, esteve por ali quando foi realizado o primeiro desembarque em Trindade, em 1700.

Aliás, diz a lenda, que foi ele quem teria levado as cabras da longínqua Santa Helena que acabariam com a vegetação de Trindade. A regeneração da fauna só se daria a partir dos anos 1990, quando os animais foram abatidos a tiros.

Ilha da Trindade - Simone Marinho/Creative Coommons - Simone Marinho/Creative Coommons
Imagem: Simone Marinho/Creative Coommons

Impressionado pela brutalidade da geografia de Trindade, o navegador James Cook também esteve na ilha, em 1775.

Durante anos, Trindade foi confundida com a Ilha de Ascensão, território britânico ultramarino, cujo pedaço de terra mais próximo é a também isolada Santa Helena, o último refúgio de Napoleão Bonaparte.

Ao longo da história, Trindade seria ocupada também por portugueses e ingleses. Mas, segundo a Marinha do Brasil, só seria incorporada como território nacional, após a proclamação da independência, em 1822.

Agência Marinha de Notícias - Agência Marinha de Notícias - Agência Marinha de Notícias
Detalhe da bandeira brasileira no refúgio na Ilha da Trindade
Imagem: Agência Marinha de Notícias

Sob domínio inglês, a ilha seria reivindicada pelo Brasil, novamente, a partir de 1895, quando ingleses ocuparam Trindade com a justificativa de "estabelecer uma estação de cabo submarino interligando a Inglaterra e a Argentina".

Trindade também serviu como parada estratégia e deixou sua marca na rota da "Pior Viagem do Mundo", relato de Apsley Cherry-Garrard, um dos 65 tripulantes da Expedição Terra Nova (1910-13), liderada pelo explorador inglês Robert Falcon Scott, que tentava ser o primeiro a alcançar o Polo Sul..

Durante as duas grandes guerras mundiais, em 1916 e 1941, Trindade também foi ocupada por brasileiros, a fim de proteger a região de navios adversários.

Image with the island 'Ilha da Trindade e Martim Vaz, a Brazilian archipelago located in the Atlantic Ocean. Coordinates: 20° 31' 29" S 29° 19' 29" O - Global_Pics/Getty Images/iStockphoto - Global_Pics/Getty Images/iStockphoto
Ilha brasileira foi ponto de parada da expedição que virou 'a pior viagem do mundo'
Imagem: Global_Pics/Getty Images/iStockphoto

Amazônia em alto mar

Atualmente, as ilhas de Trindade e Martim Vaz fazem parte da Amazônia Azul, um território marítimo de cerca de 3,6 milhões de quilômetros quadrados que recebe esse nome em referência à abundância de recursos naturais, como na maior floresta tropical do mundo.

Por esse motivo, o acesso é restrito a pesquisadores e militares, assim como no arquipélago de São Pedro e São Paulo, e no Atol das Rocas.

Em 2018, os dois arquipélagos (Trindade e Martim Vaz e São Pedro e São Paulo) foram declarados unidades de conservação federais marinhas, dando origem a duas APAs (Área de Proteção Ambiental) com mais de 90 milhões de hectares.

No início deste ano, por exemplo, Martim Vaz assistiu à uma expedição inédita que ficou conhecida como "o primeiro acampamento científico da história na Ilha".

A população da Ilha da Trindade: pesquisadores e militares - Agência Marinha de Notícias - Agência Marinha de Notícias
A população da Ilha da Trindade: pesquisadores e militares
Imagem: Agência Marinha de Notícias

A bordo do Navio Hidroceanográfico "Almirante Graça Aranha", 117 profissionais desembarcaram na ilha para estudos nas áreas de oceanografia, geologia, história e meio ambiente, em parceria com as universidades federais do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Já Trindade, ocupada pela Marinha do Brasil, ininterruptamente, desde 1957, tem atividades científicas desde então, quando começou a operar o Poit (Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade), administrado por cerca de 30 militares que se revezam a cada 4 meses.

"[A Marinha é] responsável por garantir a presença do Estado brasileiro naquela longínqua porção do nosso território e do mar que o circunda", descreve a instituição em nota.

Esse é o único ponto em toda a região com ocupação permanente, onde militares e pesquisadores devem continuar sendo os únicos humanos a chegarem a esse pedaço de Brasil que parece fora do próprio país.