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Algoritmos, listas e curtidas: como se escolhe o melhor chef do mundo?

Smartphones em punho: como são escolhidos os melhores chefs do mundo - Divulgação
Smartphones em punho: como são escolhidos os melhores chefs do mundo Imagem: Divulgação

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa, de Madri (Espanha)

23/09/2022 04h00

É uma lista bastante restrita: de 200 nomes, apenas 100 são eleitos, mas só mesmo um pode atingir o topo do ranking mundial. Desde que surgiu, em 2017, o prêmio The Best Chef virou uma obsessão entre cozinheiros de todo o planeta: "será que eu vou estar entre os melhores deste ano?".

Nos dias anteriores à cerimônia de gala que antecede o anúncio — este ano, realizado pela primeira vez em Madri — chefs de todo mundo fazem as malas e pegam voos (alguns muitos deles) para estar na plateia e ser capturado por câmeras por alguns segundos enquanto sua caricatura é finalmente apresentada em um telão.

"Segundos" não é força de expressão, não: é preciso estar atento. Se piscar, o chef pode correr o risco de nem comprovar que estava mesmo entre os poucos eleitos por um seleto grupo de 150 jurados que têm nas mãos o poder de eleger a tal lista do Olimpo gastronômico.

No evento deste ano, houve uma outra questão que trouxe ainda mais emoção ao momento: muita gente nem sequer conseguia identificar esse ou aquele nome pelos traços da caricatura que era apresentada no telão. "É o René?". "Não, esse só pode ser o Heston, olha os óculos", ouvia-se.

Neste pouco tempo de existência, o The Best Chef conseguiu se tornar bastante relevante no cenário culinário — e gerar em torno de si uma comoção quase viral. Ao premiar pela segunda vez, o midiático chef espanhol Dabiz Muñoz, a premiação também ganhou manchetes dos jornais do mundo e compartilhamentos no Instagram.

Dabiz Muñoz, número 1 do The Best Chef Awards Madrid 2022 - Divulgação - Divulgação
Dabiz Muñoz, número 1 do The Best Chef Awards Madrid 2022
Imagem: Divulgação

Se muita gente diz que os 50 Best (o famoso prêmio que reconhece os melhores restaurantes do mundo) são o Oscar da gastronomia, poderíamos dizer que o The Best Chef está mais para o Globo de Ouro — mas aqui o papel do "diretor" é mais importante que o "filme".

Votação de apaixonados

A premiação foi criada por um casal sem grande histórico na gastronomia: Joanna Slusarczyk é uma neurocientista polaca e seu companheiro, Cristian Gadau, um gastrônomo italiano que sempre teve o objetivo de criar uma "comunidade de food lovers".

Em 2017, eles acharam que era a hora: pediram a uma centenas de pessoas da área votarem nos seus chefs preferidos. Fizeram a tabulação e, ao final, chegaram ao espanhol Joan Roca, que voltou ao pódio novamente no ano seguinte.

Também em 2018, decidiram incluir anualmente uma lista com 100 outros novos nomes, para deixar a competição mais acirrada. Entre conhecidos e novatos, 200 chefs são pré-eleitos. Esta 'shortlist' é anunciada todos os anos no final de abril.

A votação acontece de forma fácil e matemática: são contabilizados os votos dos 150 profissionais — um júri anônimo, composto por jornalistas gastronômicos ou personalidades com amplo conhecimento da gastronomia — e dos 100 melhores chefs do ranking atual, além dos 100 novos postulantes.

As escolhas finais ocorrem em maio por meio de uma enquete online; cada pessoa pode votar em 10 chefs, em ordem de preferência — cujas notas vão de 100 a 10. Neste sistema de votação, as escolhas dos chefs têm maior peso (60%), o que significa que eles têm uma influência mais decisiva.

De chef para chef

Nossa premiação é uma forma de permitir que os chefs possam homenagear seus pares", conta Gadau.

O espanhol Joan Roca, terceiro melhor chef do mundo em 2022 - Divulgação - Divulgação
O espanhol Joan Roca, terceiro melhor chef do mundo em 2022
Imagem: Divulgação
A eslovena Ana Ros, a nona melhor chef do mundo em 2022 - Divulgação - Divulgação
A eslovena Ana Ros, a nona melhor chef do mundo em 2022
Imagem: Divulgação

Ou seja, um prêmio focado na figura do chef, uma novidade em um mercado que historicamente sempre privilegiou os restaurantes e outros negócios. "Somos um prêmio de pessoas", afirma Slusarczyk.

Nos últimos anos, o The Best Chef também incluiu prêmios de categorias especiais, que vão de Chef Confeiteiro à Chef Legado, passando por novos talentos e aqueles voltados à intersecção entre comida e ciência.

Somente os chefs reconhecidos nessas categorias é que sobem ao palco. Os 99 outros da lista veem tudo de suas cadeiras, sem poder gozar de mais do que os segundos de fama de suas caras e nomes no telão — embalados por música animada e edição videoclíptica.

Por isso, estar na premiação conta: é aí que podem mostrar aos pares que estão no seleto grupo. Tiram fotos no tapete vermelho, interagem com companheiros, apertam mãos, trocam cartões.

Também é grande o grupo de chefs que não estão na lista, mas querem se mostrar presentes. "É importante estar aqui, entre os melhores. Tem sido intenso", diz o chef Santiago Fernandez Benedetto, do restaurante Silvestre na Costa Rica. Ele chegou três dias antes da premiação para aproveitar tudo ao máximo.

Fora da festa

Além da esperada gala, o The Best chef organiza dois eventos para aproveitar as presenças famosas: o Area Talks, com discussões sobre temas importantes no mundo da gastronomia (como a guerra e o politicamente correto), e o Food Meets Science, que pede para cozinheiros e profissionais apresentarem ideias e projetos inovadores.

Chefs premiados pelo The Best Chef Awards. Atala, que ficou em 10º, é o primeiro da esq.  - Rafael Tonon/UOL - Rafael Tonon/UOL
Chefs premiados pelo The Best Chef Awards. Atala, que ficou em 10º, é o primeiro da esq.
Imagem: Rafael Tonon/UOL

Mas, claro, criam-se programações paralelas de degustações, encontros e jantares colaborativos. A chef brasileira Janaína Rueda, dos restaurantes Bar da Dona Onça e A Casa do Porco, habitué destes eventos, fez um jantar extraoficial a quatro mãos com o Juanjo López no restaurante do chef, o La Tasquita de Enfrente.

"Fiz uma feijoada usando porco pata negra, coisa chique", conta a chef na festa de gala. Outros chefs brasileiros também estavam presentes, como Alberto Landgraf e Alex Atala, os dois contemplados pela lista — nas posições 46 e 10, respectivamente.

Atala foi também um dos convidados para uma das mesas do Area Talks que falou sobre cozinha e guerra. "A comida é uma ferramenta potente de transformação. Sabemos como os conflitos afetam as pessoas no mundo todo, e como a comida pode lhes dar dignidade", disse, ao citar da Guerra da Ucrânia ao narcotráfico na Amazônia.

O artista Carlos Latre, apresentador do The Best Chef Awards 2022 - Divulgação - Divulgação
O artista Carlos Latre, apresentador do The Best Chef Awards 2022
Imagem: Divulgação

O chef também foi citado em uma parodia cantada pelo apresentador da noite, o artista Carlos Latre, durante uma imitação ao cantor Julio Iglesias. "Todo chef, todo prêmio, nós podemos ouvir a cozinha tocar", bradou. "Nós podemos sentir quando o chef está láááá". Nesta noite, aliás, algumas centenas deles.