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Produtos 'da casa' e zero desperdício: como restaurantes driblam a inflação

Depois da pandemia, restaurantes do mundo todo estão se adaptando à inflação - Getty Images
Depois da pandemia, restaurantes do mundo todo estão se adaptando à inflação
Imagem: Getty Images

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa

18/07/2022 04h00

Basta olhar nas prateleiras para comprovar: os preços dos alimentos estão cada vez mais altos. O principal índice global de valores destes produtos, estipulado pelas Nações Unidas, atingiu em 2022 o maior nível em 6 décadas — superando marcas do período da Segunda Guerra Mundial e da crise mundial do petróleo.

Ao mesmo tempo que os consumidores sofrem para comprar a comida do mês (16,1% mais cara, segundo o IPCA), os restaurantes e bares também enfrentam uma crise devastadora que começou com pandemia e forçou muitos estabelecimentos a fechar as portas.

Os que permaneceram abertos tentam lidar com os desafios da cadeia de suprimentos e o alto custo da mão de obra e precisam ultrapassar uma inflação galopante, que tem diminuído suas margens de lucro e afastado os clientes.

Comer fora de casa ficou 17,4% mais caro para o brasileiro, segundo uma pesquisa recém-divulgada pela ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador). O valor de uma refeição completa (comida, bebida, sobremesa e café) na rua hoje é de R$ 40,64, em média. Em fevereiro de 2020 era de R$ 34,62 (mais de R$ 6 de diferença).

Tem levado susto com os preços dos produtos? Os restaurantes também  - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Tem levado susto com os preços dos produtos? Os restaurantes também
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Não importar e negociar

Os dados da ABBT mostram que, para os preços da alimentação fora do lar, o aumento ficou abaixo dos preços dos supermercados — 6,6%. Mas muitos empresários da restauração afirmam que isso só aconteceu porque muitos estabelecimentos estão segurando os preços e buscando maneiras de não onerar o cliente.

"Não repassamos 100% [desse aumento] para o cliente", diz o bartender Jean Ponce, um dos sócios do bar Guarita, em São Paulo.

Se fizermos isso, perdemos a nossa proposta [de coquetéis mais democráticos] e o cliente, mesmo sabendo de outros bares que subiram seus preços".

Bar Guarita já não conta com rye whisky e mais itens muito caros - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Bar Guarita já não conta com rye whisky e mais itens muito caros
Imagem: Reprodução/Instagram

Ponce enumera que os aumentos de produtos no bar chegaram a 100% (no caso da angostura e da tequila, por exemplo) e que optaram por suspender a compra de alguns insumos, como rye whisky e o licor Chartreuse, que são importados.

"Também nos aproximamos dos produtores e distribuidores de todos tipos de destilados, vinhos e cervejas, assim conseguimos baixar algumas condições e manter outras por médio/longo prazo", ele explica. O que não houve negociação, ele diz que foram obrigados a fazer um reajuste de 15 a 20%.

Uma saída: reaproveitar

Restaurantes do mundo todo estão procurando saídas para contornar a inflação - Getty Images - Getty Images
Restaurantes do mundo todo estão procurando saídas para contornar a inflação
Imagem: Getty Images

A pesquisa da ABBT mostrou que a maioria dos estabelecimentos tem trabalhado para se adaptar ao cenário pós-pandemia e evitar repassar a inflação ao consumidor, chegando a promoções e trocas de cardápio.

No mundo todo tem sido assim, já que a pandemia e a crise de alimentos gerada pela guerra na Ucrânia criaram um desequilíbrio global no preço dos alimentos — como no caso das farinhas, por exemplo.

Na Inglaterra, o restaurateur Stuart Gillies, que trabalhou por mais de sete anos como CEO dos restaurantes do chef Gordon Ramsay, afirma que tem tentado usar ingredientes substitutivos no cardápio do Bank House, seu bar e restaurante.

Salmão de volta ao Bank House? Não tão cedo - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Salmão de volta ao Bank House? Não tão cedo
Imagem: Reprodução/Instagram

Destilados menos populares e vinhos que sobram no consumo de taças vendidas, por exemplo, vão para coquetéis sugeridos no menu. No cardápio de comida, a mesma coisa: o aumento dos preços dos peixes fez com que ele parasse de servir salmão, bacalhau e dourada, substituindo-os por cavala e pescada, por exemplo.

"Nossos custos aumentaram 20%, então decidimos aumentar os preços", disse Gillies ao jornal inglês "The Guardian".

Mas com a inflação, não podemos continuar subindo sempre. Decidi baixar os valores e adotar uma política de desperdício zero".

Segundo o chef Raphael Despirite, um dos fundadores da Suflex, startup de soluções de gestão para bares e restaurantes, o mercado tem se mobilizado para tirar melhor proveito dos ingredientes.

Nem todos os restaurantes, por exemplo, estão comprando menos ou deixando de consumir produtos. "O que há, em geral, é um cuidado maior com o porcionamento, com o aproveitamento", ele diz.

"Como oferecemos ferramentas de gestão de cozinha, vemos que há uma preocupação maior de como o ingrediente rende, o controle do peso da cada porção para saber exatamente quanto vai ser servido de cada prato", ele explica. "É uma forma de evitar desperdício e sabe exatamente quanto tudo está custando".

Economia com olho para produtos locais

No Corrutela, em São Paulo, os aumentos dos preços têm sido menos sentidos, como diz o sócio e chef César Costa.

Pelo conceito do restaurante, de privilegiar produtos locais e mais vegetais, acho que aqui [a inflação] bate mais leve", ele diz.

Cacau fermentado e seco para a produção do chocolate do Corrutela - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Cacau fermentado e seco para a produção do chocolate do Corrutela
Imagem: Reprodução/Instagram

Ele explica que produzir o máximo na própria casa, como no caso do chocolate, por exemplo, mantém o negócio menos suscetível às variações de preços. Principalmente dos insumos que são importados e dependem de moeda internacional.

"Também o fato de trabalharmos com produtores mais locais quanto podemos é uma vantagem nessas horas, já que grande parte do aumento dos preços dos alimentos tem a ver com o frete, que aumentou com os altos valores do petróleo", ele explica.

Costa afirma que não deixou de usar nenhum produto do menu, mas que tem buscado maneiras de fazer compras mais inteligentes — como no caso de grãos, quando os preços estão mais acessíveis, para estocar.

"O fato de sermos um restaurante com foco em vegetais também é um ponto importante para termos tido um aumento menor nas nossas compras. O valor dos ingredientes com base animal, de ovos à carne, está um absurdo", pondera ele, que serve camarão e porco no menu.

Chocolate produzido no Corrutela - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Chocolate produzido no Corrutela
Imagem: Reprodução/Instagram

Ele explica que hoje não há como ter um restaurante e estar totalmente imune à escalada dos preços. "Mas precisamos ser mais rigorosos com o que compramos e tentar encontrar estratégias, como buscar produtos mais próximos, substituir aqueles com valores mais altos", aconselha. "Ou seja, fazer aquilo que é possível para seguirmos abertos".